Em um artigo de opinião publicado na Nature, os cientistas sociais Lisa Messeri e Molly Crockett lançam um olhar crítico sobre o crescente entusiasmo pelo uso da inteligência artificial na pesquisa científica, argumentando que, embora a IA possa oferecer ferramentas poderosas para avançar no conhecimento, há uma tendência preocupante entre os pesquisadores de superestimar as capacidades dessas tecnologias, potencialmente levando a uma confiança excessiva e a uma série de armadilhas intelectuais.
Este debate é essencial em uma época em que laboratórios “autônomos”, onde robôs e algoritmos trabalham juntos para conceber e conduzir estudos, e a substituição de participantes humanos em experimentos de ciências sociais por bots estão se tornando cada vez mais comuns.
Apesar das promessas de eficiência e objetividade, a IA traz consigo desvantagens significativas. Sistemas de IA, como o ChatGPT, por exemplo, são conhecidos por “alucinar” ou inventar informações, e a lógica por trás das decisões de aprendizado de máquina muitas vezes permanece obscura.
Messeri e Crockett alertam para um risco particular: a tendência de os pesquisadores atribuírem qualidades quase super-humanas à IA, especialmente em termos de objetividade, produtividade e compreensão de conceitos complexos. Essa idealização pode levar os cientistas a ignorar as limitações das ferramentas de IA, como a possibilidade de restringir o escopo da ciência ou de iludir os usuários, fazendo-os pensar que entendem um conceito melhor do que realmente entendem.
A adoção acrítica da IA na pesquisa pode conduzir a uma “ilusão de profundidade explicativa”, onde a dependência de algoritmos para conhecimento cria a falsa impressão de compreensão pessoal profunda. Da mesma forma, a “ilusão de amplitude exploratória” pode surgir, com a pesquisa sendo inclinada para áreas que as IA podem facilmente testar, em detrimento de tópicos que exigem experiências humanas corpóreas e complexas.
Essas preocupações são amplificadas pela “ilusão de objetividade“, o esquecimento de que os sistemas de IA são treinados com dados que podem conter vieses, refletindo, portanto, apenas as perspectivas presentes nesse conjunto de dados. A diversidade de pontos de vista é essencial na pesquisa para capturar a riqueza da experiência humana, e confiar cegamente na IA pode inadvertidamente reforçar visões de mundo limitadas.
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4 visões perigosas dos cientistas sobre a IA
Os autores identificam quatro “visões” através das quais os cientistas enxergam a IA:
- como Oráculo, capaz de processar literatura científica com uma exaustividade que supera a humana;
- como Árbitro, avaliando achados científicos com uma objetividade que supera os preconceitos humanos;
- como Quant, analisando conjuntos de dados vastos e complexos além das capacidades humanas;
- e como Substituto, simulando dados difíceis ou complexos de obter de outra forma.
Diante dessas visões e dos riscos associados a elas, Messeri e Crockett propõem estratégias para mitigar os perigos, sugerindo que os cientistas mapeiem cuidadosamente o uso proposto da IA, considerando as armadilhas potenciais. A adoção deliberada de ferramentas de IA em áreas onde a equipe de pesquisa já possui expertise é menos arriscada do que usar a IA para suprir uma falta de conhecimento.
Além disso, editores de periódicos e financiadores de pesquisa devem estar cientes desses riscos ao considerar submissões e propostas dos cientistas que utilizam IA. Eles têm o dever de manter um equilíbrio na pesquisa que apoiam, garantindo uma ampla gama de questões, métodos e perspectivas.
Este apelo à cautela e à reflexão crítica desses sistemas inteligentes pelos cientistas é particularmente relevante para a comunidade científica atual, que se encontra na encruzilhada da adoção de tecnologias de IA. Ao invés de ver essa tecnologia como uma panaceia ou uma inevitabilidade, os pesquisadores são convidados a considerar cuidadosamente os riscos e benefícios de sua utilização.
Messeri e Crockett enfatizam que a inclusão de diversas perspectivas na pesquisa é fundamental, agora mais do que nunca. Em um mundo cada vez mais dominado por tecnologias avançadas, é vital que a comunidade científica permaneça vigilante contra o risco de reduzir a complexidade humana a algo que pode ser totalmente compreendido ou replicado por máquinas.
Enquanto a IA oferece ferramentas promissoras para avançar no conhecimento, os cientistas devem abordar sua integração com uma mistura de entusiasmo cauteloso e escrutínio rigoroso. Reconhecer as limitações e potenciais vieses inerentes aos sistemas de IA é um passo crucial para garantir que a ciência permaneça uma busca verdadeiramente humana por entendimento, caracterizada pela diversidade, curiosidade e uma compreensão profunda da complexidade do mundo.
Fonte: Nature