Carne artificial é algo mais inusitado do que um hambúrguer de grão de bico ou de feijão preto, né?! Pois é… Nos Estados Unidos a venda de carne com células animais cultivadas em laboratório já está aprovada!
O setor, que já conta com mais de 150 empresas, está arrecadando bilhões de dólares para levar seus produtos aos restaurantes e supermercados. Em tese, essa tende a ser uma grande vitória para o clima. Mas… a verdade é que ainda há muito que não sabemos sobre a carne artificial, ou “carne cultivada” ou “carne de laboratório“, e seu impacto ambiental.
Imagina que, em vez de criar um gado enorme que consome uma tonelada de recursos e produz gases de efeito estufa, seja possível simplesmente cultivar nossa carne em laboratório, pegando algumas células de um animal jovem ou de um ovo fertilizado, colocar num reator e voilà – temos a nossa carne, sem a necessidade de alimentar e criar animais para o abate. Parece ficção científica, mas isso já é uma realidade. Duas empresas nos EUA, Eat Just e Upside Foods, acabaram de receber o sinal verde para produzir e vender produtos de frango cultivados em laboratório.
Hoje, a pecuária é uma das principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, e isso tende a aumentar ainda mais nas próximas décadas. A carne artificial, por outro lado, é vista como uma opção para reduzir essas emissões. Porém, ainda não está totalmente claro se ela é realmente melhor para o ambiente.
A carne artificial e as emissões na produção
Aí vem o problema: ainda que essa carne artificial pareça ser uma alternativa mais verde, ela também vai produzir emissões. Os reatores onde as células crescem precisam de energia para funcionar e, na maioria dos lugares do mundo, isso significa combustíveis fósseis. As energias renováveis podem ser uma opção futura, mas mesmo assim, todo o equipamento envolvido na produção tem emissões associadas que são difíceis de eliminar totalmente.
A quantidade de emissões da carne artificial pode ser bastante significativa. Os primeiros esforços neste campo dependiam de materiais e técnicas da indústria biofarmacêutica, onde as células são cultivadas para produzir medicamentos. Um processo que envolve ingredientes de alta pureza, reatores caros e muita energia.
Para ter uma ideia de quais seriam os impactos climáticos da carne artificial, Edward Spang, professor de Ciência e Tecnologia dos Alimentos, e sua equipe da Universidade da Califórnia (UC Davis), fizeram uma análise de ciclo de vida, levando em conta toda a energia, água e materiais necessários para produzir um produto.
Segundo os estudos de Spang, se a carne cultivada for produzida com processos e materiais semelhantes aos utilizados na indústria biofarmacêutica, as emissões seriam muito maiores que as da produção de carne bovina. Seria entre 250 e 1000 kg de CO2 para cada kg de carne artificial contra o que hoje soma 100 kg de CO2 na média global para cada kg de carne bovina.
Porém, se a produção de carne cultivada não exigir ingredientes ultra-puros e dependesse de insumos como os utilizados na indústria alimentícia hoje, as emissões seriam bem menores, variando de 10 a 75 kg de CO2, abaixo da média global das emissões de carne bovina.
As controvérsias da carne artificial
Quando o estudo de Spang foi lançado em abril, causou um alvoroço, gerando manchetes bombásticas sobre as possíveis emissões astronômicas da carne cultivada. Como era de se esperar, o estudo foi rapidamente criticado por alguns na indústria, incluindo uma carta aberta que questionava suas suposições.
A crítica central era o pressuposto de que os ingredientes usados para produzir a carne artificial precisariam ser de qualidade farmacêutica e passar por intensas etapas de purificação para remover contaminantes chamados endotoxinas (partes da membrana externa de algumas bactérias). Esse processo de purificação foi o grande vilão das altas emissões em um dos cenários do estudo de Spang.
Mas aqui está o pulo do gato: segundo Elliot Swartz, cientista principal do Good Food Institute, essa etapa de purificação não será necessária na produção comercial de carne artificial. Diferentes tipos de células são afetados de forma diferente pelas endotoxinas e as células que serão usadas para a carne cultivada em laboratório devem tolerar níveis mais altos desses contaminantes, significando que menos purificação é necessária.
Ainda mais controvérsias…
Os resultados de Spang diferem de muitas análises anteriores na área, que geralmente concluem que a carne artificial reduziria as emissões em comparação com a produção convencional de carne bovina. A maioria desses outros estudos supõe que os produtores de carne cultivada poderão evitar os métodos intensivos de energia descritos no estudo de Spang.
Pelle Sinke, pesquisador da CE Delft, afirma que a experiência fornecerá uma imagem melhor do potencial impacto climático da indústria. Em um estudo realizado por sua equipe, estima-se que as emissões associadas à carne cultivada em 2030 fiquem entre 3 e 14 kg de CO2 por kg de carne artificial, desde que o processo de produção use ingredientes de qualidade alimentar e alcance a escala comercial na próxima década.
A quantidade total de emissões da produção de carne cultivada dependerá principalmente da fonte de energia para os biorreatores. Se vier da rede elétrica, que ainda depende parcialmente de combustíveis fósseis, o impacto será muito maior do que se energias renováveis forem usadas. Também depende dos ingredientes usados para cultivar as células.
De qualquer forma, o estudo de Sinke mostrou que as emissões totais seriam significativamente menores que as emissões da produção de carne bovina, estimada em 35 kg de CO2 num sistema otimizado na Europa Ocidental (frango e porco tiveram emissões de cerca de 3 e 5 kg de CO2, respectivamente).
A análise de Sinke está longe de ser a primeira a sugerir que a carne cultivada poderia ter um impacto climático menor que a agricultura convencional. Um estudo de 2011 estimou que a produção de carne cultivada reduziria as emissões de gases de efeito estufa em até 96% em comparação com a produção de carne na Europa, assumindo produção em escala comercial.
Hanna Tuomisto, da Universidade de Helsinque, recentemente publicou um novo estudo sobre o assunto. Ela acredita que a carne cultivada poderia ter benefícios climáticos significativos. Porém, ela ressalta que os verdadeiros impactos climáticos da indústria ainda estão por ser determinados. Ainda há muitas questões em aberto, porque não são muitas empresas que construíram algo em larga escala.
A viabilidade da carne artificial
Algumas empresas nessa indústria da carne artificial como a Upside Foods e a Eat Just estão direcionando muitos esforços para otimizar e escalar significativamente a produção, com a intenção de produzir milhões de quilos de carne por ano. Porém, ainda é preciso superar vários obstáculos, como reduzir os custos de produção e fazer essas instalações maiores funcionarem a todo vapor.
E tem outra: a indústria precisa deixar de lado os equipamentos e ingredientes caros emprestados de outros negócios. O futuro está em ingredientes mais baratos, de qualidade alimentar e que já estão disponíveis no mercado. As empresas Eat Just e Upside Foods já estão planejando usar esses ingredientes em suas operações futuras.
Mas é preciso lembrar que essa transição não é só por causa do planeta, é também uma questão de dinheiro, sim. Como Sinke, o pesquisador da CE Delft, aponta, ninguém vai conseguir bancar processos que demandam muita energia.
Spang, o outro pesquisador que chamou a atenção para o lado negativo quanto às emissões da carne artificial, concorda que se a produção depender de insumos caros, não vai rolar. Ele ainda destaca que ainda temos um bom caminho a percorrer até a carne cultivada se tornar uma solução climática viável.
Falando planeta como ajudar o planeta… Além da carne artificial, a modificação genética de micróbios podem fazer com que o pum da vaca possa ser menos agressivo para o meio ambiente. Dúvida? Clica aqui pra ver!
E agora?
A verdade é que toda inovação vem com uma proposta incrível e cheia de incógnitas. Geralmente começam buscando alcançar um cenário ideal, mas entre a intenção e a concretização do objetivo, muitas questões aparecem. E vai ser assim toda vez que algo novo surgir. Afinal, se conhecêssemos todas as variáveris, já teríamos implantado ou descartado definitivamente.
O esforço para tentar achar soluções para ajudar a preservar o meio ambiente é muito válido, e a vida no nosso planeta depende desse olhar atento de onde estamos e para onde estamos indo. Não é fácil superar os obstáculos, as respostas estão longe de serem totalmente claras, mas não se pode ignorar que precisamos buscar alternativas para não esgotar os recursos naturais.
A relação do homem e da natureza não é para benefícios unilaterais, os recursos não são infinitos. É vida se relacionando com vida, que precisam coexistir. Subestimando o poder da natureza, a chance de nossa espécie levar a pior nessa batalha é grande.
Fonte: MIT