O que acontece quando a morte chega? O fim da vida é um tema que fascina a humanidade há séculos. Religiosos e filósofos oferecem respostas espirituais e existenciais, enquanto cientistas buscam compreender a mecânica do cérebro durante esse processo. É um campo de estudo que mistura a curiosidade humana com a busca pelo desconhecido, e uma pesquisa recente deu um salto surpreendente nessa direção.
A pergunta é direta: o que acontece com a gente quando nosso coração para e toda atividade elétrica no cérebro cessa? Até então, essa questão permanecia praticamente sem resposta concreta, restando apenas relatos de textos religiosos e filosofias de vida, mas a ciência está avançando e tentando decifrar esse enigma.
Em 14 de setembro uma nova pesquisa publicada na revista “Resuscitation” trouxe algumas novas perspectivas. Alguns pacientes que sofreram paradas cardíacas apresentaram uma onda surpreendente de atividade cerebral durante as manobras de ressuscitação, mesmo que o coração deles tivesse parado até uma hora antes, e o mais impressionante é que uma pequena parte desses pacientes foi capaz de relatar o que experienciaram durante esse período.
Mas vamos por partes.
A equipe de pesquisadores, liderada pelo Dr. Sam Parnia professor associado de medicina na NYU LangoneHealth e pesquisador de longa data, coletou dados de 567 pessoas que sofreram paradas cardíacas em 25 hospitais nos EUA e Reino Unido entre maio de 2017 e março de 2020. Desses, dados cerebrais utilizáveis foram coletados de 53 pacientes. E aqui está o dado que desafia o que sabíamos até então: cerca de 40% desses pacientes mostraram uma atividade elétrica que reapareceu de forma semelhante à consciência, às vezes até 60 minutos após o início da ressuscitação.
E o mais maluco é que esses pacientes conseguiram se lembrar disso! Dos 567 pacientes iniciais, 53 sobreviveram, e 28 deles foram entrevistados pela equipe de pesquisa. Quase 40% desses sobreviventes relataram alguma percepção do ocorrido, e 20% pareceram ter tido uma “experiência de recordação da morte”. Alguns descreveram essa experiência como uma avaliação moral de sua vida inteira. Imagine um filme de sua vida passando em seus olhos, só que com uma clareza e introspecção sem precedentes.
Durante a pesquisa, para testar percepções conscientes e inconscientes, foram colocados headphones nos pacientes, tocando repetidamente os nomes de três frutas: banana, pera e maçã. E surpreendentemente um dos sobreviventes se lembrou dos nomes das frutas tocadas enquanto recebiam reanimação!
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O que significa a resposta do cérebro na hora da morte?
Dr. Parnia e sua equipe têm uma hipótese intrigante como conclusão do experimento. Eles acreditam que nosso cérebro tem um sistema de “freio” que filtra nossa experiência de consciência. Em um cérebro moribundo, esse “freio” é liberado, e a pessoa em transição ganha acesso a toda a sua consciência. É como se, por um breve momento, todas as barreiras fossem retiradas, e tivéssemos um acesso livre e total a todas as nossas memórias e pensamentos.
Esta pesquisa não apenas fornece um vislumbre fascinante da mente humana no limiar da morte, mas também questiona a resistência do cérebro à privação de oxigênio. Tradicionalmente, acreditava-se que após 5 a 10 minutos sem oxigênio, o cérebro morria. No entanto, a descoberta de Parnia sugere que o cérebro pode ser mais resistente do que se pensava. Isso poderia ter implicações profundas no tratamento de danos cerebrais no futuro.
Dr. Lakhmir Chawla, médico da unidade de terapia intensiva do Jennifer Moreno Department of Veterans Affairs Medical Center in San Diego, Calif., não esteve envolvido no estudo mas reconhece a tremenda importância dessas descobertas para a humanidade. Segundo ele, as conclusões sugerem que devemos tratar pacientes em reanimação como se estivessem acordados. E mais que isso, se alguém parece estar além da salvação, ainda assim, poderíamos permitir que suas famílias se despedissem, pois esse paciente ainda poderia ouvi-los.
No final das contas, essa pesquisa nos lembra da complexidade, resiliência e profundidade da experiência humana, mesmo nos momentos que antecedem o fim. E reafirma a necessidade de abordar a morte com dignidade, compreensão e, acima de tudo, humanidade.
Fonte: Scientific American