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Ciência ou pseudociência? Uma carta polêmica levanta questões sobre os estudos da consciência

O que é a consciência? Responder a essa pergunta é fazer ciência ou pseudociência? 

No mundo da pesquisa sobre o assunto, uma turbulência emergiu. 124 pesquisadores se uniram para publicar uma carta provocativa, colocando um dos mais renomados teoremas sobre a mesa e, bem, chamando-o de “pseudociência“. O alvo da crítica é a teoria da informação integrada (IIT, do inglês integrated information theory), uma teoria que busca explicar a natureza e origem da consciência.

Qual é essa teoria da consciência?

A Teoria da Informação Integrada (IIT) é uma do neurocientista Giulio Tononi, que busca explicar o que é a consciência e por que alguns sistemas podem ser conscientes enquanto outros não. Aqui está uma explicação resumida:

  • Informação: A IIT propõe que, para um sistema ser consciente, ele deve possuir uma estrutura informativa única. Ou seja, deve ser capaz de diferenciar suas experiências de todas as outras possíveis experiências. Por exemplo, a experiência de degustar chocolate é distinta de ouvir um pássaro cantar.
  • Integração: Segundo a IIT, a consciência não é apenas a soma de informações isoladas. Para ser consciente, um sistema deve integrar essas informações de maneira coesa. Isso significa que o sistema processa informações de forma unificada, e não apenas como componentes desconectados.

A ideia central é que a consciência surge da forma como as informações são processadas e integradas em um sistema, seja ele uma rede de neurônios no cérebro ou, teoricamente, circuitos em um computador. A teoria sugere que quanto mais interconectado e integrado for o sistema, mais elevados serão seus níveis de consciência, mais “consciente” ele se torna.

A proposta da IIT é a consciência não é apenas um acaso, mas emerge da maneira como as informações são processadas dentro desse ‘sistema’.

Inclusive uma discussão sobre a inteligência artificial ter ou não consciência já está correndo dentro da academia. Clica aqui para saber mais!

Pseudociência?

Alguns renomados neurocientistas, como Anil Seth e Christof Koch, rapidamente se manifestaram, argumentando que, embora a Teoria da Informação Integrada possa não ser perfeita, tachá-la de “pseudociência” é um pouco exagerado. Koch até destaca que, ao contrário de algumas teorias obscuras por aí, a IIT é transparente sobre suas premissas, como acreditar que a consciência tem uma base física e pode ser mensurada matematicamente.

Com tantas teorias circulando, a busca pelo entendimento da consciência é um campo repleto de debate e descoberta. 

Algumas das teorias que estão por aí são:

  • Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNW – Global Neuronal Workspace): Proposta de que a consciência surge quando certas informações são amplamente disseminadas através de redes neuronais interconectadas no cérebro.
  • Teoria do Pensamento de Alta Ordem: Sugere que seres conscientes são aqueles que possuem pensamentos sobre seus próprios estados mentais.
  • Teoria do Processamento Recorrente: Postula que a consciência emerge de ciclos repetidos de processamento de informações entre diferentes regiões cerebrais

Com tantas hipóteses o cenário já é conturbado, e agora, com esta carta provocativa em mãos, parece que o campo está mais agitado do que nunca.

Os argumentos contrários à Teoria da Informação Integrada como ciência

A turbulência no campo da pesquisa da consciência não se limita apenas a teorias e suposições. Hakwan Lau, um neurocientista do Riken Center for Brain Science em Wako, Japão, e um dos autores da carta polêmica, levanta o ponto de que muitos pesquisadores começaram a se sentir desconfortáveis com o que veem como uma disparidade entre o real mérito científico da IIT e a enorme atenção que ela tem recebido da mídia.

A grande questão que Lau apresenta é se a IIT se tornou uma teoria proeminente devido ao reconhecimento genuíno da academia ou se foi o burburinho midiático que empurrou a academia a reconhecê-la. É como se estivéssemos tentando decifrar a clássica dúvida do “ovo ou a galinha”. O que veio primeiro: o reconhecimento acadêmico ou a popularidade na mídia?

A situação ficou ainda mais tensa em junho, quando a IIT voltou às manchetes. Diversos veículos de mídia, incluindo o renomado Nature, deram destaque a um estudo que colocou a IIT e a Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNW) frente a frente, como dois gladiadores em uma arena científica em um estudo envolvendo uma série de experimentos, incluindo tomografias cerebrais. E, apesar de nenhum dos lados ter sido definitivamente comprovado ou refutado, alguns pesquisadores expressaram preocupação com a forma como a IIT foi retratada como uma das principais teorias da consciência.

A carta em si,não esclarece totalmente os motivos para se referir à teoria como “pseudociência” e não ciência, mas Lau sugere que o termo foi adotado porque embora a IIT precise de um respaldo científico, a teoria está sendo apresentada como se estivesse solidamente estabelecida no mundo científico e, em sua opinião, não é o caso da IIT.

A questão permanece: seria justo rotular a IIT de pseudociência? 

Se a IIT é ciência, então é testável?

Hakwan Lau e alguns de seus colegas co-autores da carta argumentam que as premissas fundamentais da teoria podem não ser empiricamente testáveis, o que, em sua opinião, poderia justificar a rotulação da teoria como “pseudociência”.

Anil Seth, que, vale dizer, não é exatamente um fã da IIT, embora já tenha trabalhado com ideias semelhantes, discorda dessa perspectiva de Lau. Para Seth, os principais argumentos da IIT podem ser mais difíceis de testar em comparação com outras teorias, principalmente devido à sua natureza ambiciosa, mas que existem previsões feitas pela teoria, especialmente aquelas ligadas à atividade neural relacionada à consciência, que podem ser postas à prova. Para ilustrar, ele cita uma revisão de 2022 que identificou nada menos que 101 estudos empíricos relacionados à IIT.

Outra voz nessa discussão é a de Liad Mudrik, neurocientista da Universidade de Tel Aviv, que co-liderou o estudo que colocou IIT e GNW lado a lado. Mudrik defende a testabilidade da IIT, especialmente em relação à atividade neural. Ela disse que não apenas testaram, como conseguiram falsear uma de suas previsões.

Para quem não sabe, o falseamento é fundamental para a ciência. Popularizado por Karl Popper, é o princípio segundo o qual uma teoria científica só pode ser considerada científica se for passível de ser testada e refutada através de observações ou experimentos empíricos

Dito isso e levando em consideração a ocorrência da falseabilidade nos experimentos, Mudrik parece genuinamente intrigada com a resistência que muitos na área têm à IIT, ponderando sobre o que justifica os questionamentos à sua relevância teórica.

Por fim, temos a perspectiva de Erik Hoel, neurocientista e ex-aluno de Giulio Tononi, que amplia a discussão, observando que a crítica sobre a falta de testes empíricos significativos poderia ser aplicada a várias outras teorias da consciência, não apenas à IIT. Ele também destaca as limitações da tecnologia atual de mapeamento cerebral, questionando sobre por que a IIT é especificamente destacada na carta como tendo um problema singular nesse aspecto.

Ciência ou pseudociência? – Os efeitos do debate

Os efeitos dessa carta vão muito além de simples opiniões, como era de se esperar.

Hakwan Lau acredita que a carta tem seu valor, embora espere que todos concordem. Para ele, mesmo que apenas uma minoria significativa no campo considere a IIT como “pseudociência”, isso já seria uma mensagem relevante, a qual ele espera que chegue aos jovens pesquisadores, editores de revistas científicas, formuladores de políticas e financiadores, destacando o poder da influência da mídia sobre esses grupos

Já Liad Mudrik, apesar de respeitar profundamente aqueles que assinaram a carta, expressa preocupações genuínas, destacando que o documento pode criar um impacto negativo na percepção sobre o campo da pesquisa da consciência, que já enfrenta um longo histórico de ceticismo. Segundo ela, o caminho para combater tal ceticismo não é por meio de confrontos públicos, mas sim através de pesquisas rigorosas e de alta qualidade.

Erik Hoel, se aproxima da opinião de Mudrik e teme que no futuro a carta possa inibir o desenvolvimento de teorias ambiciosas sobre a consciência, e defende veementemente que as hipóteses não devem ser diluídas e tornadas banais apenas para evitar críticas ou o estigma de “pseudociência”.

O campo da pesquisa da consciência tem muitas propostas e nuances, o que já podemos notar com esse embate entre cientistas sobre algo que basilar: é ciência ou pseudociência.  As questões levantadas sobre a IIT parecem estar longe de serem resolvidas, e pode ser importante que essa conversa continue. 

Mas independentemente das controvérsias, pesquisadores com foco em entender o que é e como funciona a consciência devem se manter motivados a desvendar a mente humana, nos fazendo avançar no entendimento sobre esse assunto que é complexo já em sua essência.

Fonte: Nature

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