O que um pequeno rato pode nos dizer sobre a adaptação da vida em ambientes considerados inabitáveis? A natureza nunca deixa de nos surpreender!
Em uma revelação incrível, cientistas descobriram que o árido e inóspito Deserto do Atacama, situado no alto dos Andes e lembrando paisagens de Marte, abriga vida de maneira inesperada. E não se trata de minúsculos micróbios como se pensava antes, mas sim de pequenos roedores que, contra todas as expectativas, parecem chamar essa região de lar.
O Deserto do Atacama, localizado na curva do joelho da costa oeste da América do Sul, é conhecido por ser um dos lugares mais secos e inóspitos do planeta Terra. Devido à sua severidade e semelhança com Marte, astrobiólogos da NASA frequentemente o visitam, procurando compreender como poderiam identificar vida no planeta vermelho.
Até então, era consenso na ciência que apenas micróbios poderiam sobreviver em um ambiente tão extremo, mas uma recente pesquisa publicada no Current Biology jogou essa noção pela janela.
Jay Storz, biólogo evolucionista da Universidade de Nebraska-Lincoln e co-autor da nova pesquisa, descreveu a região como um cenários semelhante ao de Marte, desolado e hostil, especialmente nos cumes dos vulcões, onde foram encontrados camundongos mumificados.
A descoberta surgiu quase por acaso, durante uma exploração próximo ao topo do vulcão andino Llullaillaco. A equipe de Storz tropeçou em um camundongo naturalmente mumificado da espécie Phyllotis vaccarum.
Este achado provocou uma série de perguntas. Será que esses camundongos eram apenas visitantes ocasionais dessas altitudes extremas, ou será que realmente viviam lá? Descobertas anteriores de camundongos mumificados, próximas a sítios Incas nas montanhas, levaram à suposição de que os roedores poderiam ter sido trazidos por seres humanos em excursões a esses locais. No entanto, o camundongo descoberto por Storz estava longe de qualquer sítio Inca conhecido, o que provocou a busca do biólogo por mais camundongos naquela região.
Ratos adaptados em ambiente semelhante ao de Marte
E a ideia de que era provável haver mais ratos se confirmou quando, em 2020, a equipe de Storz capturou um camundongo vivo, da mesma espécie, a uma altitude impressionante de 6.205 metros. Um recorde! Nessas altitudes, as condições são extremamente desafiadoras: a vegetação é escassa, os ventos são implacáveis e o ar contém metade do oxigênio encontrado ao nível do mar. Capturar um rato vivo em um ambiente tão adverso é realmente surpreendente, segundo os pesquisadores.
A fim de entender melhor esses camundongos de alta altitude, a equipe realizou análises mais aprofundadas com o rato capturado e mais 13 corpos mumificados da mesma espécie.
Primeiro, usaram a datação por carbono nos ratos mumificados e descobriram que todos viveram há no máximo 350 anos, o que significa que sua presença não tinha relação com o Império Inca. Posteriormente, sequenciaram os genomas dos camundongos e descobriram que eram da mesma espécie dos encontrados em altitudes mais baixas, sugerindo que tinham uma população estável e consistente nos cumes dos Andes.
Pablo Teta, curador de mamíferos no Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, não participou do estudo, mas destacou que os pesquisadores apresentaram provas suficientes para validar a presença do rato Phyllotis vaccarum a mais de 6.000 metros de altura. Ele também ressaltou a extraordinária capacidade adaptativa desses camundongos, sugerindo uma “enorme plasticidade”. Storz e sua equipe continuam suas pesquisas nas montanhas andinas, estudando as adaptações desses ratos a temperaturas gélidas e baixos níveis de oxigênio.
Eduardo Palma, zoólogo da Pontifícia Universidade Católica do Chile, que não fez parte da pesquisa, não se mostra surpreso com a descoberta porque, segundo ele, esses ratos são comuns na região, tem uma grande capacidade de adaptação, e agora, os cientistas descobriram que suas estruturas fisiológicas são especialmente boas em conservar água.
As descobertas de Storz e sua equipe ao observar esses ratos, nos mostram que os limites da vida são muito mais expansivos do que imaginávamos. Storz diz que com essas constatações, claramente subestimamos os limites fisiológicos da vida vertebrada.
A natureza mostrou a vida como uma possibilidade onde se acreditava em possível. Vai saber se a possibilidade de vida complexa em Marte não esteja tão distante assim, não é?
Fonte: Scientific American