Em uma viagem pelo tempo para revistar culturas ancestrais, voltamos à Europa da Idade do Gelo, entre 34.000 e 24.000 anos atrás, onde uma recente descoberta arqueológica nos revela uma face até então velada da humanidade primitiva.
Uma exploração encontrou adornos pessoais de nossos antepassados, e esses pequenos objetos que, à primeira vista, podem parecer triviais, na verdade carregam em si histórias e segredos de civilizações há muito desaparecidas.
A pesquisa, meticulosamente conduzida por Jack Baker, um doutorando em pré-história da Universidade de Bordeaux, e sua equipe, analisou mais de 100 tipos de contas feitas de conchas, marfim e outros materiais, provenientes de 112 sítios arqueológicos espalhados pela Europa, de Paviland, no País de Gales, até Kostenki, na Rússia. Esses objetos não são meros bibelôs, são verdadeiras cápsulas do tempo que nos contam sobre a diversidade cultural de nossos ancestrais.
Os adornos encontrados são de uma variedade estonteante. Tratam-se de colares de marfim esculpidos em formas que lembram corujas, contas talhadas para se assemelharem a seios humanos, pingentes de âmbar, conchas perfuradas e uma vasta gama de dentes de animais. Cada peça é uma obra de arte apresentando novos indícios ancestrais de uma cultura diversa.
Através desses objetos, os pesquisadores identificaram nada menos que nove grupos culturais distintos de caçadores-coletores. Mas o que realmente impressiona não é apenas a diversidade, e sim a forma como esses grupos expressavam sua identidade cultural, uma maneira tão singular através de seus adornos. No leste, por exemplo, predominavam o marfim, os dentes e as pedras, enquanto do outro lado dos Alpes, as pessoas se adornavam com cores vibrantes e extravagantes: vermelhos, rosas, azuis.
Compreendendo a história dos nossos ancestrais
A pesquisa trouxe à tona uma percepção intrigante sobre a história dessas civilizações ancestrais: a distância geográfica e o isolamento não eram os principais fatores que moldavam as diferenças nos adornos entre os grupos, o que sugere que outros elementos estavam em jogo, talvez a disponibilidade de materiais, o compartilhamento cultural entre os grupos ou até mesmo o status social de um indivíduo.
Curiosamente, as diferenças culturais se cristalizavam mais claramente nos sítios de sepultamento do que nos locais onde as pessoas viviam, apontando para a importância dos rituais funerários na expressão cultural.
A descoberta dessas nove culturas ancestrais distintas está em grande parte alinhada com os dados paleogenômicos, que identificaram vários grupos presentes na Europa durante aquele período. No entanto, um aspecto particularmente fascinante foi a identificação de uma cultura aparentemente distinta para a qual atualmente não existem dados genéticos, reforçando a noção de que a genética não é um reflexo direto da cultura.
A pesquisa oferece uma perspectiva crítica sobre como devemos abordar o estudo da identidade no passado, a partir da complexidade da vida humana durante a Idade do Gelo. Segundo Sheela Athreya, professora do departamento de antropologia da Texas A&M University, a pesquisa mostra que há uma maneira certa e uma maneira errada de estudar e relatar sobre a identidade no passado: Os genes não são substitutos para a identidade de grupo ou individual; nossas identidades são moldadas por nosso meio cultural.
Para Baker e sua equipe, o estudo aponta mais do que a capacidade extraordinária da humanidade de sobreviver em condições ambientais desafiadoras, como as da Idade do Gelo, também destaca a capacidade de prosperar e criar objetos de beleza que servem não apenas como adornos, mas manifestam a cultura de nossos ancestrais.
A paleontologia nos coloca diante de novas informações de nossos ancestrais em cada um desses adornos que contam histórias de comunidades, de indivíduos, de aspirações e de uma capacidade inata de expressão cultural que transcende o tempo e o espaço.
Fonte: Scientific American