Lembra o número Pi da época da escola? Esse número é tão especial que tem até um dia que o celebra. Hoje, 14 de março.
No universo das formas e figuras, os círculos ocupam um lugar de destaque, fascinando-nos com sua simplicidade e simetria perfeita. Essas formas, tão comuns em nosso cotidiano – dos anéis de Saturno às rodelas de cebola – guardam em si um mistério matemático que desafia nossa intuição: a constante π (pi). Este aponta que as circunferências dos círculos estendem-se cerca de três vezes, ou seja, π vezes, mais do que os seus diâmetros. nos leva a uma viagem pelo infinito, onde o caos e a ordem se encontram em uma complexidade fascinante.
Antes de começarmos… O que é normalidade em números?
Um número é considerado normal quando, em sua expansão decimal infinita, cada dígito (de 0 a 9) aparece com a mesma frequência. Mas a definição de normalidade não para por aí, e também exige que todas as possíveis sequências de dois dígitos (de 00 a 99), todas as sequências de três dígitos (de 000 a 999), e assim por diante para sequências de qualquer comprimento, ocorram com a mesma frequência relativa. Isso significa que, ao longo do infinito, não há preferência por nenhum número ou sequência de números — cada possível sequência aparece em proporção ao seu tamanho.
Outra coisa importante para entender nesta primeira aproximação é a relação numérica e textual
Para entender como essa propriedade numérica se traduz em uma relação textual, precisamos considerar um sistema de codificação que transforme números em letras. Por exemplo, podemos associar cada dígito a uma letra (como 0 = a, 1 = b, …, 25 = z) ou usar pares de dígitos para representar todo o alfabeto e sinais de pontuação (como 01 = a, 02 = b, …, 26 = z, 27 = espaço, 28 = ponto, etc.).
Um exemplo: Vamos imaginar uma simples codificação onde 01 = A, 02 = B, …, 26 = Z, 27 = espaço. A frase “HELLO WORLD” poderia ser codificada numericamente como 08 05 12 12 15 27 23 15 18 12 04. Se pi for de fato um número normal, então em algum lugar em sua infinita sequência de dígitos, essa exata sequência de números apareceria, representando a frase “HELLO WORLD”.
Dada esta introdução, vamos ao Pi.
Pi é um número irracional, o que significa que sua expansão decimal é infinita e não não se repete. À primeira vista, pode parecer surpreendente que um número tão desordenado governe a forma mais perfeita e simétrica: o círculo. Afinal, por que o universo não escolheu uma razão mais “normal”, como 3, para essa forma básica? Aqui reside o cerne de nossa exploração: a hipótese de que pi, de fato, é “normal” em um sentido matemático muito específico.
Sob a suposição de que um número como pi é normal, sua expansão decimal infinita conteria, em algum ponto, qualquer sequência numérica que, quando decodificada, representaria qualquer texto possível.
Logo, se pi (ou qualquer outro número provado ser normal) contém todas as possíveis sequências de números, então, por extensão, contém todas as possíveis sequências de texto que esses números podem representar. Isso transforma uma simples constante matemática em um vasto armazenamento de todo o conhecimento, linguagem e arte humana, limitado apenas pela nossa capacidade de buscar e decodificar as sequências relevantes dentro de sua expansão decimal.
Isso inclui todas as obras de Shakespeare, por exemplo, convertendo cada letra e espaço das suas obras em números seguindo o esquema de codificação escolhido, e isso serve até mesmo conversas diárias, letras de músicas, e teoricamente até este texto que você está lendo e os diálogos de toda a sua vida.
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Dia do Pi: Por que é um número tão especial
A ideia de que um número pode conter tal tesouro de informação é ao mesmo tempo fascinante e um pouco bizarra, postulando a possibilidade de colocar em uma codificação numérica a abrangência de toda a expressão humana e muito mais. Contudo, a extensão desses dígitos é tão vasta que encontrar uma obra específica, como um soneto de Shakespeare, exigiria uma busca difícil, mergulhando bilhões de dígitos na expansão decimal de pi.
Ainda assim, a noção de que pi é normal não é uma garantia. A matemática, em sua precisão, exige prova, e até agora, a normalidade de pi permanece uma conjectura, ou seja, é só uma hipótese apoiada por evidências estatísticas, mas ainda não rigorosamente demonstrada. Outros números irracionais, como número de Euler, “e” (a base dos logaritmos naturais) e a raiz quadrada de dois, também são candidatos a essa propriedade intrigante, embora a prova de normalidade para qualquer número específico seja um grande desafio.
Dentre os poucos exemplos de números provadamente normais, está a constante de Champernowne, construída simplesmente concatenando todos os inteiros em ordem crescente após um ponto decimal. Embora a prova de sua normalidade seja um feito matemático, ela destaca o quão raras são essas certezas em um universo de números infinitos.
A ideia de que quase todos os números são normais é outra noção que desafia nossa intuição. Fechar os olhos e apontar para um ponto aleatório na linha dos números muito provavelmente resultará na escolha de um número normal. Este conceito, paradoxalmente simples e complexo, nos leva a refletir sobre a natureza do infinito e da probabilidade, territórios onde a intuição humana muitas vezes falha.
A normalidade nos números, e a possibilidade de pi ser um desses números, oferece uma resolução fascinante para o paradoxo de encontrar ordem no caos. Se pi for de fato normal, não deveria ser surpreendente que ele contenha todas as obras de Shakespeare, além de qualquer outra sequência concebível de caracteres, e esse fato de ser um número normal não diminui a beleza ou a importância de pi, pelo contrário, ele amplia nosso senso de maravilhamento ao contemplar a profundidade oculta dentro dos círculos simples que vemos todos os dias.
Ao explorar a normalidade de pi, somos convidados a considerar as maneiras pelas quais a ordem e o caos se entrelaçam no universo, se tratando de uma jornada matemática que reflete uma verdade mais ampla sobre a natureza da realidade: por baixo da superfície do que parece familiar e ordenado, jaz uma complexidade infinita, esperando ser descoberta.
A matemática se revela mais do que uma ferramenta de precisão e lógica, transitando no território da linguagem poética e indagações filosóficas capaz de de nos fazer questionar profundamente a realidade.
Fonte: Scientific American