Nossos comportamentos sociais, como a empatia, têm a ver também com nossa biologia? Para entender o universo das interações sociais complexas, uma pesquisa recente se aproximou de uma investigação sobre como nossos cérebros codificam comportamentos sociais, como a empatia e a reciprocidade. Publicado na Nature, o estudo representa um marco, tanto pela sua abordagem inovadora, mas também pelos achados surpreendentes sobre a vida social dos primatas, oferecendo novas perspectivas sobre nossa própria natureza social.
A pesquisa se destaca por se afastar dos tradicionais estudos de laboratório, altamente controlados, para observar macacos rhesus em condições mais naturais. Em um cenário que mais se assemelha ao dia a dia desses animais, os cientistas monitoraram pares de macacos, machos e fêmeas, em diferentes situações sociais dentro de seus habitats, uilizando tecnologia de ponta, com loggers de dados sem fio e implantes aprovados pela FDA (a agência de alimentos e medicamentos dos EUA, do inglês Food and Drug Administration), o que resultou no registro da atividade de centenas de neurônios individuais nos cérebros dos macacos.
Esses registros permitiram a observação de que a reciprocidade, um pilar das relações de amizade e vínculos sociais estreitos, não é apenas um comportamento observado, ela é meticulosamente calculada e registrada em circuitos cerebrais complexos. Os cientistas encontraram evidências de um “livro-caixa” neurofisiológico altamente distribuído que rastreia a dinâmica social, desde a troca de favores até a percepção de apoio social, em áreas do cérebro envolvidas tanto no processamento visual quanto no pensamento de ordem superior.
Esse estudo desafia nossa compreensão de como o cérebro lida com as informações sociais. Enquanto a área do córtex inferotemporal é conhecida por seu papel nos passos intermediários do processamento visual, e uma região do córtex pré-frontal é associada à integração de informações contextuais para suportar o pensamento de alto nível, ambos os locais exibiram atividades notavelmente similares, sugerindo uma complexidade e sofisticação com que nossos cérebros gerenciam as interações sociais, considerando não apenas o que estamos fazendo e com quem, mas também o contexto social mais amplo de nossas ações.
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Biologia do cérebro e comportamentos sociais
A pesquisa detalha como essa codificação cerebral da interação social se manifesta na vida diária dos macacos, com atenção especial à grooming — a prática de limpeza mútua, que serve não só como higiene mas também como um meio de fortalecer laços sociais. O estudo documentou uma quase igualdade na quantidade de grooming compartilhado entre os parceiros, apontando a precisão da reciprocidade nas suas relações.
Além disso, a pesquisa explorou como a presença de um parceiro social pode atenuar as respostas agressivas a ameaças, sugerindo uma base neural para o conceito de apoio social. De forma notável, quando um parceiro feminino estava presente, a resposta masculina a um olhar direto e potencialmente agressivo era moderada, evidenciando os efeitos amortecedores de ter um aliado social. Da mesma forma, os machos respondiam a ameaças direcionadas às suas parceiras como se fossem dirigidas a eles próprios, uma indicação clara da capacidade de empatia nos primatas não humanos.
Mais do que perspectivas sobre as interações sociais no reino animal, essas observações oferecem insights valiosos para entender o funcionamento interno do cérebro humano. A descoberta de que os neurônios podem estar mantendo um registro de créditos e débitos sociais sugere uma estrutura subjacente que poderia explicar como percebemos e reagimos às nossas redes de relacionamentos. Essa “contabilidade” neural de interações sociais pode ser a chave para compreender não apenas a natureza da amizade e da cooperação, mas também como a empatia se desenvolve e se manifesta em nosso comportamento.
Ainda há muitas questões a serem respondidas sobre como exatamente esses processos cerebrais influenciam nosso comportamento social e o que acontece quando esses sistemas falham, como em condições de psicopatologia. Os autores do estudo sugerem que entender a base neural da cognição social é crucial para abordar disfunções sociais, pois, sem esse conhecimento, permanecemos às cegas para os mecanismos subjacentes que possibilitam ou impedem comportamentos sociais complexos.
Portanto, a compreensão de como o cérebro codifica as interações sociais nos primatas abre caminhos para investigar as fundações neurais da vida comunitária tanto dos macacos observados quanto as nossas, destacando a incrível capacidade do cérebro de não apenas processar uma vasta gama de informações sensoriais e contextuais, mas também de integrar esses dados em uma compreensão coesa do mundo social ao nosso redor, abrindo caminho para novas pesquisas que poderiam eventualmente levar a intervenções terapêuticas para transtornos sociais.
Fonte: Scientific American