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A febre quântica

A física quântica está na moda. Ser quântico, coach quântico, pensamento, travesseiro, colchão quântico e muito mais. O mercado se apropriou indevidamente do termo da ciência.

Existirmos, a que será que se destina?”, pergunta Caetano Veloso em sua linda canção Cajuína. Canção essa feita para homenagear o amigo que tirou a própria vida, o poeta Torquato Neto, aos 28 anos.

Quem não quer uma vida melhor, um trabalho melhor, um salário mais alto, mais prosperidade, seja material ou espiritual, ter o corpo “perfeito”. Somos seres frágeis, mesmo com toda a razão e capacidade de raciocínio. E a irmã mais próxima da expectativa é a angústia. “E se não der certo?”, é a pergunta que sempre vem.

Vivemos carentes de espiritualidade, não podemos suportar o vazio de uma existência sem sentido. Temos de buscar um sentido, afinal, não somos feitos só de razão. Há em nós uma irresistível necessidade de acreditar em algo que possa nos curar de uma certa sensação de desamparo.

E aí é que entra o oportunismo de um mercado que se apropria e distorce algo que não é de entendimento imediato para dar essa aura pseudocientífica, sem nenhuma comprovação na realidade.

Física quântica não é pseudociência!

E para combater a pseudociência, nós, cientistas, temos de nos expor mais, com a obrigação em mente de transmitir os conhecimentos que adquirimos ao longo do tempo.

É quase que um combate diário. Quase todo dia alguém me pergunta, por exemplo, se determinado acontecimento ou objeto é “quântico”. E os termos, “quântica”, “quântico’, por se referirem a algo aparentemente complicado (e é, acreditem!) têm sido usados em tudo, para vender, fisgar seguidores e iludir potenciais consumidores.

Fato é que não há nada de novo nessa onda do “ser quântico”, da “criatividade quântica”, “coach quântico”, “cura quântica” etc. Tudo isso teve início lá na Califórnia com a primeira geração dos hippies e gurus orientais que para lá foram nas décadas de 1960 e 1970.

Na mesma época, na rica Califórnia, os avanços científicos na área foram significativos, incluindo as comprovações experimentais do modelo nascido na Europa décadas anteriores com Max Planck, Erwin Schrödinger, Bohr, Bonn, entre outros, tornando-a uma das teorias mais bem-sucedidas para explicar o mundo microscópico dos átomos e suas partículas, levando, nas décadas posteriores, a avanços tecnológicos jamais vistos na história.

E a moda voltou, no mercado lucrativo das palestras de autoajuda corporativa e por parte de alguns líderes espirituais, colocarem em sua atividade o termo “quântico”. De “coach quântico”, passando por “cabala quântica”, até a promessa perigosa e falsa da “cura quântica” para as doenças mais graves.

Cientificamente falando, desde o início do século passado a física quântica é usada para descrever novos fenômenos da natureza não descritos pela física clássica e muito distintos dos observados em nosso dia a dia, mas com forte impacto no desenvolvimento da tecnologia.

Em smartphones, computadores, TVs, por exemplo, há fenômenos quânticos acontecendo. Os bilhões de componentes nos minúsculos microprocessadores de um computador trabalham de acordo com regras muito bem descritas pela mecânica quântica.

Fenômenos quânticos

Vou te contar sobre algumas coisas que, essas sim, são mesmo da física quântica.

E para saber mais 2 conceitos básicos aplicados a física quântica, a eletrodinâmica e o emaranhamento, clica aqui e leia meu artigo!

Por exemplo, de que modo a Mecânica Quântica, que descreve o mundo atômico e subatômico, pode ter seu paralelo no mundo macroscópico? Vale lembrar que a Mecânica Quântica se ampara no princípio da incerteza, descoberto por Heisenberg, em 1927.

Este princípio estabelece que não é possível a um observador saber de maneira exata a posição e a velocidade de uma partícula num mesmo instante. Coisa que na Mecânica de Newton, que explica o mundo visível, não existe. Para esta, não há a incerteza, é possível saber, no mesmo instante, posição e velocidade de um carro em uma autoestrada, por exemplo.

E o que aprofunda ainda mais o abismo entre o mundo visível e microscópico é que uma partícula, como um próton por exemplo, é descrito como funções de onda.

O gato de Schrödinger

Assim, cada função de onda dessa partícula contém informações de sua energia, sua posição, sua velocidade, respeitada a incerteza. Mas o que já é conhecido desde a década de 1920, antes de ser medida, essa partícula é descrita matematicamente  por uma superposição de infinitas funções de onda.

Assim, o ato de medir, isto é, de observar a partícula, influi nesse resultado, levando ao que os físicos chamam de “colapso da função de onda”, resultando em uma só dessas infinitas funções.

Na época, para tornar o conceito mais palatável ao público leigo, Schrödinger usou o exemplo de um gato em uma caixa. Antes de ser observado, ele, matematicamente, estaria morto “e” vivo ao mesmo tempo. Ao abrir a caixa (observá-lo, portanto), ele estaria morto “ou” vivo.

Esse conceito, o da influência do observador no estado de uma partícula, é preferencialmente distorcido pelos místicos, coachs e autores de autoajuda, alguns ávidos em se aproveitar do desconhecimento de sua plateia para angariar certo “respeito” e, principalmente, dinheiro.

São controversas e habitam o terreno das crendices as interpretações da Mecânica Quântica que pretendem introduzir a consciência na teoria. Ocupam uma posição marginal no mundo acadêmico. A mente humana, sua consciência, não é o observador do qual trata a Mecânica Quântica, como bem observou Bohr.

O observador a que ele e outros pesquisadores se referem é o ato de medir, independente de quem o faça. A mente não é um aspecto elementar da realidade. Afinal, o Universo, com seus átomos, partículas e subpartículas, existe há muito mais tempo do que nós e que esse “pálido ponto azul” (como diria Carl Sagan) em que habitamos.

A venda ou a cura verdadeira não tem nada de “quântica”.

A cura está em sair do obscurantismo e em buscar o prazer de obter conhecimento, maravilhar-se com esta existência que nos possibilita conhecer o Universo e tudo o que nele há, sendo parte consciente dele. Nós, humanos, somos o Universo que despertou, por meio da Ciência.

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Marcelo Lapola

Marcelo Lapola

Professor, pesquisador e físico na Unesp - Rio Claro; Doutor em cosmologia e astrofísica pelo ITA | Ciência, arte, e divulgação científica na veia! 🔭

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