Algoritmos estão cada dia mais presentes em nossas vidas. Mas será que sabemos o lugar deles e o nosso?
“O que caracteriza a algoritmização do pensamento é a sua redução a uma sequência de interações do tipo estímulo-resposta com as memórias e fontes externas de informação.”
Álvaro Machado Dias
“Algoritmização do pensamento“. Esse termo me pegou desde o começo, e me assustou muito quando percebi o quanto fazia sentido.
Por que a gente faz o que faz? Quanto de vontade e quanta convenção existe em cada ação? Quantos protocolos a gente segue, sem nem entender muito bem o porquê? Quantas vezes a gente é só reativo, sem exercer a nossa potência de ser? Ou ainda pior, sem nem perceber que essa potência existe?
Ficamos presos a estruturas normativas que nos conduzem e reduzem a vida a experiências previsíveis, à busca por uma recompensa ou, no mínimo, uma validação, que talvez não ajude em nada, nem faça diferença realmente… E talvez nem consigamos perceber que, de fato, não faz diferença. Porque parece haver uma miopia que apreende a validação como o lugar de potência. É uma transvaloração da transvaloração nietzschiana dos valores, um retorno ao rebanho depois de tanto esforço para sair dele, consumado nos botões de like que nos desconstroem, sorrateiramente.
E não estou falando de um negócio, uma empresa, que precisa ganhar alcance, escala, conversão, posicionamento em redes sociais. Aqui falo da nossa humanidade, que às vezes fica ameaçada. A nossa autenticidade ilusória na rede social, e opaca no mundo real.
Essa algoritmização do pensamento, essa disposição para seguir parâmetros, é encaixar nossas ideias em universais. Universais de Spinoza, não de Aristóteles. Universal não da essência que nos constitui, como queria Aristóteles, mas universal como aquilo que banaliza e sufoca a singularidade, como denunciou Spinoza.
Muito se fala dessa necessidade de autoconhecimento, e quando falamos isso, a intencionalidade de conhecer a si mesmo parece se direcionar para um desprendimento de padrões para que possamos expressar e viver nossa autenticidade. Mas parece que isso não acontece sempre.
Ao contrário, parece que quando nos propomos a nos conhecer, imediatamente buscamos um método. Tá certo, referências podem ajudar, mas não podem ser determinísticas, ou a chance de sair da inspiração para virar frustração é grande.
A gente se frustra por não conseguir seguir o método, por não entender que antes de se encontrar, a gente vai se perder um tanto… A gente “algoritmiza” as ideias, as ações. Por quê?
Será que é por medo? Medo que existe porque tentamos evitar a vida trágica de Nietzsche, que é composta pela dicotomia constitutiva de bem e mal da nossa única forma possível de existência? O medo também é uma algoritmização do pensamento, um monte de padrões descabidos de um amanhã projetado no hoje, é uma maneira inapropriada de se relacionar com o mundo, é o que impede a presença no presente, a fruição do agora.
Eu entendo a algoritmização do pensamento como uma tentativa da mente controlar o corpo, como se houvesse uma mente que manda e um corpo que obedece. No limite, isso quer dizer que existe uma mente e um corpo dissociados, como se isso fosse sequer concebível.
Projetar no real uma possível dor no futuro, identificar o passado no presente, pensar por padrões, aceitar o pensamento do “estímulo-resposta”, são experiências vagas que negam a experiência real; é dizimar a presença, é uma mente que ignora os sentidos e vive na possibilidade de ser ou na impossibilidade do que já foi. Pensar assim é extinguir a autenticidade que é expressa na autonomia que só se realiza longe de universais.
Os algoritmos não combinam com a nossa singularidade
Então… Como se afastar dessa algoritmização do pensamento?
Nem sempre vai ser possível, mas é preciso buscar superá-la quando a percebermos.
Não há manual. E achar que há, pode ser fruto dessa algoritmização, desses universais inibidores da nossa potência de ser tudo que somos. Nem tento dizer o que funcionaria para todo mundo porque seria muito pretensioso, e também porque vejo e aceito as singularidades. Mas me arrisco a deixar as ideias fluírem e dou lugar à Spinoza, que nos aponta uma direção quando diz que somos seres relacionais, que é nas nossas relações que se constroem os sentimentos, as sensações, os sentidos… O que ele chama de afetos.
A novidade é que pensar por parâmetros não nos garante mais alegrias nem tampouco evita tristezas, uma e outra vão acontecer inevitavelmente, e alegrias serão tão mais frequentes quanto mais aprendermos a nos relacionar com o mundo da forma que é própria da nossa natureza, sem tentar seguir a receita da felicidade alheia.
A construção da nossa autonomia, da nossa posição ativa de buscar nosso bem-estar, vai se dar em entender como interagir com as coisas do nosso jeito, o único jeito genuíno que reflete uma disposição singular para a vida. Isso é autonomia: buscar ativamente a melhor maneira de se colocar e se relacionar no mundo, da única maneira possível, a nossa. Eu, da minha maneira, você, da sua.
Somos todos peças em um mesmo tabuleiro, de um jogo sem perdedores se conseguirmos nos mover enquanto peças fundamentais da nossa rodada única e irrepetível.
Nossa essência é a que Spinoza viu, nossa essência é desejo, não é parâmetro, não são algoritmos. É desejo de se alegrar mais e de evitar a tristeza tanto quanto possível. Tudo por causa da nossa natureza que teima em existir, em perseverar. E só se faz isso da nossa forma inédita de ser. Existir é desejo de existir, é vontade de vida.