A ciência voltada à investigação de partículas está prestes a dar um passo gigantesco. Uma estrutura monumental, enterrada sob a paisagem bucólica da França e da Suíça, promete expandir nosso entendimento sobre a matéria que compõe o universo e desafiar a física como a conhecemos.
Este plano é o novo supercolisor proposto pelo CERN, o laboratório europeu de física de partículas localizado perto de Genebra, Suíça. Com um orçamento estimado em 15 bilhões de francos suíços (aproximadamente US$17 bilhões), o Future Circular Collider (FCC) pretende ser uma “fábrica de Higgs”, permitindo estudos detalhados do bóson de Higgs, uma partícula fundamental para a compreensão do universo.
O Large Hadron Collider, ou LHC (Grande Colisor de Hádrons), predecessor do FCC e atualmente o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo, com seus 27 quilômetros de circunferência, já proporcionou descobertas revolucionárias, incluindo a primeira observação do bóson de Higgs em 2012. No entanto, apesar de seus feitos impressionantes, o LHC não conseguiu desvendar novas físicas além do Modelo Padrão, o que levanta questões e expectativas sobre o que o FCC poderia alcançar.
O FCC planejado vai muito além, com uma circunferência de 91 quilômetros, mais de três vezes o tamanho do LHC, situando-se a cerca de 200 metros abaixo da superfície. O projeto inclui quatro salas experimentais e abrangerá uma área maior que a cidade de Chicago, nos EUA. A primeira fase do estudo de viabilidade, focada em identificar onde e como tal máquina poderia ser construída na região do CERN, revelou que não há obstáculos técnicos ou científicos que impeçam sua construção, uma notícia animadora para a comunidade científica.
A construção do FCC, caso aprovada, poderia começar em 2033, com uma decisão final do conselho esperada antes de 2028, depois da apresentação do estudo completo no ano que vem. O custo e a complexidade do FCC são enormes, e os cientistas estão sob pressão para convencer financiadores e o público da importância de continuar explorando o desconhecido, mesmo quando os resultados não são garantidos.
Investigando partículas
Planejado para iniciar suas operações em torno de 2045, o FCC tem o objetivo ambicioso de colidir elétrons com seus parceiros de antimatéria, os pósitrons, gerando e estudando com precisão cerca de um milhão de bósons de Higgs. É uma investigação de partículas que permite explorar as fundações mais profundas da matéria e do cosmos.
A descoberta do bóson de Higgs em 2012 foi um momento definidor para a física moderna, revelando uma partícula que interage de forma única, distinta de todas as outras conhecidas no modelo padrão. A importância de estudar o Higgs vai além da mera curiosidade, é considerada a melhor chance de identificar inconsistências ou lacunas no modelo padrão — essa teoria incrivelmente bem-sucedida, mas ainda incompleta, que descreve as partículas fundamentais e as forças que regem o universo.
Nesse contexto, a construção do FCC foi destacada como um projeto prioritário durante o exercício de priorização conhecido como a Estratégia Europeia para a Física de Partículas em 2020. Fabiola Gianotti, diretora-geral do CERN, ressaltou o FCC como o instrumento científico mais convincente dentre os avaliados, sublinhando sua importância não apenas para a física de partículas, mas para o avanço do conhecimento humano como um todo.
Contudo, trazer esse visionário projeto à realidade é uma jornada repleta de desafios, principalmente financeiros. Embora uma parte considerável dos 15 bilhões de francos suíços necessários para sua construção deva ser provida pelo orçamento existente do CERN, o projeto ainda requer contribuições financeiras significativas dos países membros da Europa, além de apoio de nações parceiras como os Estados Unidos e o Japão. A complexidade do financiamento reflete a magnitude do FCC, com detalhes específicos sobre custos e contribuições de estados não-membros permanecendo incertos, levantando questões sobre a transparência e a distribuição de responsabilidades financeiras.
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Outros supercocolisores
A comunidade científica global não se limita a um único projeto ambicioso para investigar essas minúsculas partículas. Outros países estão projetando suas próprias “fábricas de Higgs”, cada uma com sua abordagem e tecnologia. O Japão, por exemplo, expressou interesse no Colisor Linear Internacional, enquanto a China desenvolve seu Circular Electron Positron Collider, uma máquina em formato de anel. Essas iniciativas refletem o desejo global de avançar na compreensão dos blocos fundamentais do universo.
No entanto, é o Future Circular Collider (FCC) que se destaca, conforme indicado pelo exercício de priorização chamado Estratégia Europeia para a Física de Partículas (Strategy for Particle Physics), por seu potencial superior de pesquisa física. Capaz de produzir bósons de Higgs em uma taxa mais elevada e oferecendo a possibilidade de uma futura adaptação para colisões de prótons de alta energia, o FCC é visto como um passo adiante na busca por novas descobertas.
Apesar do consenso sobre a importância dessas pesquisas, a comunidade da física de partículas não é unânime em sua visão. Donatella Lucchesi, física de partículas da Universidade de Pádua, na Itália, por exemplo, questiona a ênfase no FCC, sugerindo que outras tecnologias, como colisores de múons, poderiam trazer benefícios científicos alternativos. A discussão sobre a viabilidade e o potencial dos colisores de múons adiciona outra dimensão ao debate sobre o futuro da física de partículas, destacando a diversidade de opiniões e abordagens dentro da própria comunidade científica.
Fabiola Gianotti, por outro lado, defende a construção do FCC como um investimento no desconhecido, uma jornada que, apesar da falta de garantias teóricas claras, é essencial para o progresso científico. Afinal, a história da ciência está repleta de avanços que foram alcançados não seguindo um mapa claro, mas explorando o desconhecido com as ferramentas disponíveis.
Fonte: Nature