Tentar entender a física quântica pode ser muito contra intuitivo. Vamos usar uma analogia que vai nos acompanhar ao longo de todo esse artigo.
Imagine-se dirigindo pela cidade tarde da noite e, ao se deparar com um semáforo, você o vê vermelho, indicando para parar. Naturalmente, você para. Agora, suponha que, com um simples gesto de cobrir a luz vermelha com a mão, as luzes verde e amarela aparecessem simultaneamente. Por mais estranho que possa parecer, no mundo quântico, essa cena não só é possível como foi comprovada!
Pesquisadores em Berlim divulgaram seus estudos na Nature Photonics, onde decidiram iluminar um único átomo com um feixe de laser e quando observavam a luz dispersa desse átomo, os fótons – que são como os “pixels” da luz – chegavam ao detector um de cada vez. Ao bloquear a cor mais brilhante, como cobrir a luz vermelha do nosso semáforo imaginário, de repente, fótons de duas cores diferentes começaram a aparecer no detector juntos, como as luzes verde e amarela do semáforo da nossa analogia.
Isso acontece porque os átomos são multitarefa e conseguem espalhar várias cores ao mesmo tempo, mas devido a uma coisa chamada interferência quântica, normalmente só vemos uma das cores, como no semáforo que nos mostra apenas uma luz de cada vez.
A interferência quântica refere-se ao fenômeno em que as probabilidades associadas a estados quânticos se combinam, resultando em padrões de interferência. Essa interferência ocorre porque, no mundo quântico, uma partícula, como um fóton, pode seguir vários caminhos ou estados possíveis simultaneamente, um conceito conhecido como superposição.
Quando esses diferentes caminhos ou estados se encontram, eles interferem uns com os outros, seja de forma construtiva (se reforçando) ou destrutiva (se cancelando).
O experimento de dupla fenda é um exemplo clássico desse fenômeno, onde fótons individuais passam por duas fendas e criam um padrão de interferência no detector, mesmo quando enviados um de cada vez.
A descoberta feita a partir do bloqueio da luz mais brilhante pode ser uma revolução para o mundo da comunicação e computação quântica. Quando bloqueamos a cor mais brilhante e os fótons aparecem em pares, eles estão, basicamente, se movendo juntos em uma sintonia perfeita, não importa quão longe um esteja do outro. Isso pode ser usado para criar uma forma super segura de comunicação e até armazenar informações de maneira inovadora.
Entendendo a teoria da multitarefa no mundo quântico
Agora que já embarcamos juntos nessa aventura quântica e exploramos um semáforo de átomo único, é hora de entender um pouco mais sobre esse intrigante mundo e como os átomos interagem com a luz.
Primeiramente, precisamos entender que os átomos são bem seletivos quando se trata de luz, e eles têm suas “cores favoritas” para espalhar, tudo graças à arrumação dos elétrons que os constituem. Se você iluminar um átomo com um laser ajustado para uma cor específica que corresponda ao acoplamento adequado de dispersão desse átomo, ele vai espalhar fótons dessa cor.
O curioso é que os fótons entram no detector um por um, como se estivessem em uma fila indiana. A visão até o começo dos anos 80 era que os átomos só podiam espalhar um fóton por vez.
Mas 1984, dois pesquisadores, incluindo o físico Jean Dalibard, resolveram olhar mais a fundo para essa matemática, descobrindo então que no mundo quântico tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Os átomos, nesse frenesi, não só espalham um único fotão, mas também pares, trios e até quartetos de fótons, mas por causa da tal da interferência quântica, só um fóton de cada vez dá aparece no detector.
Falando em interferência, sabe quando jogamos uma pedrinha em uma lagoa e vemos aquelas ondulações se espalhando? Isso é interferência de ondas. No mundo quântico, essa interferência não acontece só entre ondas reais, mas também entre probabilidades. A interferência regular acontece entre duas ondas, igual nas ondas do lago, que criam saliências e depressões.
No experimento da fenda, o fóton enviado entre as duas fendas tem uma probabilidade de entrar na fenda da esquerda e uma probabilidade de entrar na fenda da direita, e acontece que os dois padrões interferem um no outro, criando um padrão de saliências e depressões. Bloqueando uma das fendas, o padrão desaparecerá.
Dalibard usa uma analogia divertida sobre isso: Imagine tentar evitar que um ladrão entre na sua sala. Em vez de fechar todas as portas, você deixa duas abertas e, graças à interferência, o ladrão não consegue entrar, isso seria a chamada interferência destrutiva. Pode parecer brincadeira, mas no modelo do Dalibard, isso é levado a sério.
O detalhe é que essa interferência acontece entre dois processos: o espalhamento de um único fóton e o de múltiplos fótons. E isso ocorre no tempo, não no espaço, fazendo com que pareça que dois fótons não podem chegar juntos.
Resumindo: o átomo faz várias coisas ao mesmo tempo, mas devido à interferência quântica, parece que ele está apenas fazendo uma coisa.
A mágica da luz quântica
O detalhado trabalho de Dalibard sobre átomos multitarefa, que estava meio esquecido, foi revivido por esse grupo de pesquisadores de Berlim, que tropeçou nesse artigo. Dalibard disse ter ficado bem feliz que o grupo tenha encontrado esse papel, e que nem mesmo ele sabia como o tinham achado.
Os investigadores de Berlim ficaram fascinados, vendo algo especial na teoria proposta pelo Dalibard e pelo físico Serge Reynaud lá nos anos 80. Max Schemmer, ex-pesquisador de pós-doutorado na Universidade Humboldt de Berlim, que participou do estudo recente, falou sobre como ficaram curiosos ao destrinchar essa literatura antiga.
Então a equipe de Berlim percebeu que, com a tecnologia atual, dava para fazer um experimento e testar a teoria de Dalibard, então começaram por resfriar átomos de rubídio até quase o zero absoluto, e usando uma técnica chamada “pinças ópticas”, isolaram e prenderam um único átomo. Depois, iluminaram esse átomo com um laser sintonizado exatamente na cor de preferência de dispersão do rubídio, com uma lente, posicionada do lado que coletava essa luz dispersa e a direcionava para uma fibra óptica.
Agora, o desafio era filtrar aquela cor mais viva e brilhante, e para isso, eles usaram um filtro especial feito de um anel de fibra óptica. Esse anel foi ajustado na medida certa para bloquear só uma cor específica, e ao colocar esse filtro, de fato, a cor mais viva sumiu!
E como num passe de mágica, exatamente como Dalibard e Reynaud tinham previsto, fótons de duas cores diferentes começaram a chegar ao detector em pares, simultaneamente.
Portanto, ao bloquear essa cor super brilhante, os pesquisadores conseguiram tirar do jogo o processo de interferência destrutiva do átomo dominante, aquele que nos faz ver um único fóton.
Agora ficou ainda mais clara a analogia com o semáforo que, ao bloquear o vermelho, mostra o verde e o amarelo juntos, né?
O tesouro escondido da descoberta quântica
Essa habilidade incrível dos átomos de espalhar fótons em pares, pode revolucionar o universo da comunicação e da computação quântica.
E quando bloqueamos aquela cor super brilhante que mencionamos antes, esses pares de fotóns que aparecem estão entrelaçados! O entrelaçamento é uma das coisas que torna o mundo quântico ainda mais impressionante do que o mundo clássico.
Resumidamente, o entrelaçamento quântico é um fenômeno da mecânica (ou física) quântica no qual dois ou mais objetos, como as partículas subatômicas, tornam-se correlacionados de tal forma que o estado quântico de um deles não pode ser descrito independentemente do estado dos outros, mesmo que as partículas estejam separadas por grandes distâncias. Isso significa que uma medição realizada em uma partícula entrelaçada imediatamente determina o estado da outra, independentemente da distância entre elas.
O entrelaçamento tem sido descrito como uma das características mais misteriosas e fundamentais da física quântica, desafiando todas as noções clássicas de localidade e realismo.
Mas… voltemos pro foco. O que podemos fazer com esses pares de fótons entrelaçados? Uma porção de coisas! Transmitir informações quânticas por distâncias enormes ou entre diferentes meios é só o começo.
E aqui vai um detalhe maravilhoso: ao contrário de outros métodos, esses fótons possuem uma cor bem específica, o que facilita muito na hora de guardar informações em dispositivos de memória quântica. Como Schemmer destacou, isso pode preparar o caminho para redes de comunicação quântica super resistentes.
Tem mais. O entrelaçamento desses fótons tem uma característica única: eles se sincronizam no tempo. A especialista em óptica quântica (que não participou do trabalho) Magdalena Stobinska mencionou que já temos técnicas para produzir pares de fótons entrelaçados, mas essa nova descoberta traz uma liberdade diferente e amplia nossas possibilidades.
E não são só pares de fótons que esses átomos espalham. Eles vão além, espalhando fótons em grupos de três, quatro e até mais. Usando a analogia do semáforo de novo:Ao bloquear o vermelho, não só o verde e o amarelo aparecem, mas potencialmente o azul, laranja e outras cores. Essas combinações de fótons entrelaçados podem mudam o jogo da computação quântica baseada em fotões.
O professor Fabrice P. Laussy professor de interações luz-matéria na Universidade de Wolverhampton, na Inglaterra, que revisou o estudo recente (embora não tenha participado) disse que esse sistema é como um baú recheado de correlações quânticas. E ele finalizou: “Tudo está lá!”
O mundo quântico e seus mistérios prometem ressignificar nossa compreensão e possibilidades na realidade como a conhecemos!
Fonte: Scientific American