O entendimento de sistemas complexos e dinâmicos, como o cérebro humano, o clima e a economia tem sido muito expandido na intersecção entre ciência e a tecnologia nos últimos anos. Uma das maiores dificuldades ao estudar esses sistemas é que as relações de causa e efeito nem sempre são estáveis: em vez de seguir padrões constantes, essas interações costumam aparecer, desaparecer e até mudar de intensidade ao longo do tempo. Essa natureza mutável impõe grandes desafios para pesquisadores que tentam prever ou analisar o comportamento desses sistemas, especialmente com modelos computacionais.
Para lidar com essa complexidade, um novo modelo de aprendizado de máquina chamado Temporal Autoencoders for Causal Inference (TACI) foi desenvolvido. Esse modelo inovador consegue identificar e mensurar a direção e a força das interações causais em sistemas onde essas relações mudam continuamente. Essa capacidade de análise é crucial, pois permite que cientistas observem e compreendam como fatores interagem em sistemas não lineares e que se transformam com o tempo.
Grande parte das ferramentas atuais para análise de sistemas complexos assume que o sistema é aproximadamente “estacionário”, ou seja, que suas propriedades dinâmicas permanecem inalteradas ao longo do tempo; o que pode até funcionar bem para algumas análises, mas essa suposição falha em capturar o comportamento real de sistemas cujas interações causais mudam de forma imprevisível. Por exemplo, os relacionamentos entre variáveis em um sistema climático ou em redes neurais no cérebro podem se transformar repentinamente, ora se intensificando, ora se enfraquecendo, tornando os modelos lineares e de dinâmica invariável pouco eficazes para fornecer um retrato fiel da complexidade desses sistemas.
A equipe responsável pelo desenvolvimento do TACI, ciente dessas limitações, optou por criar um modelo que pudesse superar esses obstáculos. “Sistemas complexos como o cérebro e a economia apresentam relações de causa e efeito que não se mantêm constantes,” explica Josuan Calderon, um dos autores do estudo, publicado recentemente na revista científica eLife. “Métodos tradicionais podem prever relações causais, mas frequentemente falham ao quantificar mudanças na intensidade ou direção dessas interações.”
A inovação do TACI está em sua habilidade de capturar interações que variam com o tempo, mapeando a direção e a força dos vínculos entre variáveis que se comportam de maneira não-linear. Para validar a eficácia do modelo, os pesquisadores adotaram uma abordagem em duas etapas. Primeiro, o TACI foi testado em um conjunto de dados simulados, permitindo que sua capacidade de detectar causalidade em cenários complexos fosse comparada com a de outros modelos. Esse processo mostrou que o TACI não só identificou corretamente as interações causais, mas também evitou a previsão de relações inexistentes.
Além disso, a equipe desenvolveu cenários onde as interações mudavam ao longo do tempo, com as “conexões” entre variáveis surgindo e desaparecendo. Nesses testes, o TACI foi capaz de identificar quando as relações causais deixavam de existir e, ainda, detectou alterações na direção e na força dessas relações. Essa característica é particularmente importante, pois muitas técnicas anteriores falham ao captar mudanças em sistemas dinâmicos.
Analisando o mundo real: Clima e cérebro
Após os testes em dados simulados, a equipe de pesquisa aplicou o TACI em dois conjuntos de dados do mundo real: uma série histórica de dados meteorológicos da cidade de Jena, na Alemanha, e um conjunto de imagens cerebrais de um macaco, antes, durante e depois da aplicação de anestesia. Esses dois experimentos mostram como o TACI pode ser uma ferramenta poderosa para desvendar interações causais em contextos muito diferentes.
No caso dos dados climáticos, que incluíam informações como temperatura e umidade ao longo de quase oito anos, o modelo conseguiu detectar picos nas interações causais em momentos de queda de temperatura, sugerindo que o TACI pode captar mudanças reais em dados desordenados do mundo real, ajudando a entender melhor os processos subjacentes que controlam o clima.
Já na análise dos dados do cérebro, o modelo foi capaz de identificar alterações nas interações entre diferentes regiões do cérebro durante a anestesia. Durante o estado anestesiado, quase todas as interações desapareciam, mas, ao longo do processo de recuperação, essas conexões voltavam a emergir gradualmente. Esse nível de detalhamento permitiu aos pesquisadores observar, por exemplo, que o acoplamento entre duas regiões específicas do cérebro diminuía ao início da anestesia, mas aumentava rapidamente alguns minutos após o início da recuperação. Após um refinamento maior da análise, foi possível obter insights sobre como diferentes áreas do cérebro se influenciam mutuamente em tarefas cognitivas.
Potencial de limitações do sistema
Apesar dos avanços, o TACI não é uma solução completa para todos os desafios. Sua aplicação demanda um alto poder computacional, o que limita sua velocidade e eficiência. Contudo, os pesquisadores estão otimistas sobre as melhorias no projeto do modelo e nos métodos de treinamento, que podem torná-lo mais ágil e aplicável em larga escala.
Segundo Gordon Berman, coautor do estudo e professor da Emory University, uma vantagem fundamental do TACI é que ele permite treinar um único modelo capaz de capturar toda a dinâmica de uma série temporal, sem a necessidade de retreinamentos. Isso significa que o modelo pode analisar padrões em um conjunto de dados completo, em vez de dividir a análise em fragmentos. “Acreditamos que essa abordagem será amplamente aplicável a muitos tipos de séries temporais complexas, com destaque para dados de redes cerebrais, onde podemos começar a entender melhor como as interações entre partes do cérebro se alteram conforme os estados comportamentais e as necessidades mudam no mundo,” afirma Berman.
O futuro da análise de sistemas complexos
Com sua capacidade de mapear interações causais mutáveis, o TACI representa um avanço significativo na análise de sistemas complexos, à medida que expande a compreensão sobre como essas relações de causa e efeito evoluem em tempo real, podendo ser aplicado em uma gama diversificada de áreas, desde estudos sobre o comportamento humano até a previsão de flutuações econômicas.
Em áreas como a neurociência, que estuda o funcionamento do cérebro, que é um dos sistemas mais complexos e dinâmicos, o TACI pode abrir novas possibilidades de estudo sobre como as interações entre diferentes regiões do cérebro se adaptam em resposta a estímulos externos e internos. Da mesma forma, na meteorologia, a capacidade de entender melhor as interações entre diferentes fatores climáticos pode trazer avanços significativos para a previsão do tempo e estudos sobre mudanças climáticas.
Embora ainda haja desafios a serem superados, o TACI oferece uma nova perspectiva para o estudo de sistemas dinâmicos, superando algumas das limitações impostas por modelos tradicionais.
Fonte: Neuroscience News