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Como buracos negros supermassivos se fundem? As hipóteses para resolver o problema do parsec final

Há muito tempo, cientistas investigam a forma como buracos negros supermassivos — enormes concentrações de massa localizadas no centro de galáxias — conseguem se fundir após a fusão de suas galáxias hospedeiras. Quando duas galáxias se fundem, é esperado que seus buracos negros centrais acabem também se fundindo, gerando um buraco negro ainda mais massivo. Entretanto, esse processo, na prática, esbarra em um desafio conhecido como o “problema do parsec final”. Segundo cálculos, ao se aproximarem a uma distância de cerca de um parsec (cerca de 3,26 anos-luz), esses buracos negros deveriam perder o embalo e ficar eternamente orbitando um ao outro, sem conseguir a proximidade necessária para se fundirem de fato. A questão que intriga os astrofísicos, então, é: como esses buracos negros supermassivos conseguem superar essa barreira e, de fato, se fundirem?

O problema do parsec final: Por que buracos negros supermassivos não deveriam se fundir

O “problema do parsec final” aparece justamente porque, em simulações, a aproximação entre os buracos negros deveria desacelerar drasticamente quando alcançam uma certa proximidade. O motivo disso é a conservação do momento angular, uma propriedade fundamental que impede que dois objetos em órbita se aproximem indefinidamente sem alguma forma de perda de energia ou interferência externa. Na prática, esse mecanismo de desaceleração tornaria impossível a fusão entre buracos negros supermassivos no tempo que conhecemos do universo atual.

No entanto, evidências sugerem que, apesar desse entrave teórico, esses buracos negros de fato conseguem se fundir. Em 2023, um importante indício foi revelado: a detecção de um fundo de ondas gravitacionais no universo, captadas por meio do estudo do comportamento de pulsares — estrelas com campos magnéticos intensos que emitem radiação em intervalos regulares. Esse fundo de ondas gravitacionais provavelmente resulta de buracos negros supermassivos que estão a menos de um parsec de distância um do outro e próximos de se fundirem. Assim, temos provas de que buracos negros supermassivos não apenas orbitam, mas eventualmente se unem. Mas como?

Uma nova hipótese vem ganhando força entre astrofísicos: a de que a matéria escura poderia ajudar esses buracos negros a superar o problema do parsec final. A matéria escura, que compõe aproximadamente 85% de toda a matéria no universo, permanece até hoje um mistério em termos de composição, já que não interage com a luz ou outras formas de radiação de maneira direta, sendo perceptível apenas por seus efeitos gravitacionais sobre a matéria visível.

O conceito tradicional de matéria escura — conhecido como “matéria escura fria” — refere-se a partículas hipotéticas que são pesadas, lentas e pouco interativas. Esse tipo de matéria escura não ajudaria na fusão de buracos negros supermassivos, pois seria facilmente dispersa pela gravidade dos próprios buracos negros antes que eles se aproximassem o suficiente. No entanto, uma forma mais complexa de matéria escura chamada de “matéria escura autointerativa” poderia fornecer a solução para o problema do parsec final. Diferente da matéria escura fria, partículas de matéria escura autointerativa podem interagir umas com as outras, de forma semelhante a uma fricção. Essa interação cria uma espécie de “viscosidade” que poderia desacelerar os buracos negros, ajudando-os a se aproximarem até que a fusão ocorra.

Em julho, uma equipe de físicos no Canadá propôs que essas partículas autointerativas poderiam causar um efeito de arrasto nos buracos negros, fazendo-os perder momento angular e se moverem cada vez mais para perto um do outro, o que acabaria resultando em uma fusão no prazo de aproximadamente 100 milhões de anos. Se essa teoria estiver correta, a natureza da matéria escura pode ser mais complexa do que imaginamos.

Outra variante de matéria escura que também pode ajudar a resolver o problema do parsec final é a chamada “matéria escura fuzzy” ou “matéria escura difusa”. Essa forma de matéria escura seria composta por partículas de massa extremamente pequena, que se comportam como ondas em vez de partículas individuais. Essas ondas poderiam criar um efeito de atrito sobre os buracos negros, permitindo que percam energia e momento angular o suficiente para se fundirem.

Soluções alternativas: Ações de estrelas e gás próximos

Embora a matéria escura autointerativa e a matéria escura fuzzy sejam propostas promissoras, outras soluções mais convencionais também estão em consideração. Uma delas é o papel das estrelas que orbitam próximo aos buracos negros em processo de fusão. A ideia é que, ao passar perto desses buracos negros, as estrelas retiram uma parte do momento angular deles, permitindo uma aproximação gradual. Esse processo é complexo e incerto, uma vez que modelos mostram que não é fácil direcionar um número suficiente de estrelas para essa zona específica ao redor dos buracos negros. 

Outra possibilidade envolve discos de gás que circundam cada buraco negro. Esses pequenos discos de gás próximos poderiam ser alimentados por um disco maior de gás ao redor da área onde os buracos negros estão em órbita. À medida que esses discos menores trocam energia com o disco maior, eles podem drenar energia dos buracos negros e acelerar o processo de fusão. Essa ideia é atrativa pela quantidade abundante de gás no centro de muitas galáxias.

Ainda, uma abordagem intrigante sugere que uma terceira galáxia poderia se fundir com o sistema binário de buracos negros, trazendo consigo um terceiro buraco negro. A interação entre três buracos negros pode gerar forças gravitacionais intensas, onde um dos buracos negros é ejetado, ou onde todos acabam se fundindo em um prazo muito mais curto.

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Como testar essas hipóteses?

Os astrofísicos estão agora focados em testar essas possíveis explicações. Para a matéria escura autointerativa, uma das ideias é observar os dados de ondas gravitacionais obtidos por “arrays de temporização de pulsares”, que são redes de telescópios que monitoram os pulsos extremamente regulares de pulsares para detectar distorções no espaço-tempo causadas por ondas gravitacionais de baixa frequência. 

Nesses dados, será possível analisar se existe uma redução específica na intensidade das ondas gravitacionais em torno de um parsec, o que indicaria a presença de matéria escura autointerativa. Isso ocorreria porque essa matéria escura “absorveria” uma parte da energia das ondas gravitacionais, reduzindo sua intensidade.

Além disso, a Agência Espacial Europeia (ESA) planeja lançar em 2035 o LISA (Laser Interferometer Space Antenna), um observatório de ondas gravitacionais que estudará com mais precisão o processo de fusão de buracos negros supermassivos. Esse tipo de observação permitirá a coleta de informações sobre as ondas gravitacionais emitidas durante os estágios finais da fusão, o que pode revelar “assinaturas” que demonstrem a presença de processos específicos de desaceleração, como os que a matéria escura autointerativa ou fuzzy poderiam causar.

Embora o problema do parsec final permaneça um desafio intrigante para a astrofísica, os avanços na detecção de ondas gravitacionais e novas teorias sobre a matéria escura estão nos levando a respostas mais claras. Hoje, a questão não é se os buracos negros supermassivos conseguem se fundir — sabemos que conseguem. A dúvida é como esse fenômeno ocorre, e qual das várias hipóteses se mostra mais eficaz em acelerar a fusão.

A resposta pode envolver um único processo, como a matéria escura autointerativa, ou uma combinação de diferentes mecanismos, incluindo a ajuda de estrelas próximas, discos de gás, ou mesmo a interferência de um terceiro buraco negro. Cada uma dessas alternativas traz consigo a promessa de expandir nossa compreensão sobre a física do universo e, particularmente, sobre o papel misterioso que a matéria escura pode desempenhar.

Fonte: QuantaMagazine

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