Pode parecer estranho falar em escrever e atrelar isso a uma indicação da medicina. Mas a médica e autora Silke Heimes mostrou como esses dois campos podem se harmonizar.
Com um papel crucial como professora de jornalismo na renomada Darmstadt University of Applied Sciences e uma trajetória marcante como diretora do Institute for Creative and Therapeutic Writing em Darmstadt, Heimes dedicou décadas a conduzir grupos em exercícios terapêuticos que unem pensamento e papel.
Em uma recente entrevista, Heimes debruça-se sobre a poderosa prática da escrita como forma de aprofundar nosso autoconhecimento. A escrita, argumenta ela, não é apenas uma maneira de registrar pensamentos, mas também uma ferramenta terapêutica e um exercício mental essencial.
Para além do simples ato de escrever, Heimes propõe a comparação da rotina de colocar palavras no papel, todos os dias, por 5 a 20 minutos, a uma higiene mental, semelhante à maneira como cuidamos de nossa saúde física. Estudos mostram que essa prática diária pode, de fato, trazer inúmeros benefícios: desde a melhoria da saúde mental, diminuição do estresse, aumento da autoconfiança até o acendimento da chama da imaginação.
Se você está pensando em embarcar nesta jornada introspectiva, pode estar se perguntando por onde começar. Para os iniciantes, Heimes sugere a técnica da “escrita automática“. Ao contrário do que o nome pode sugerir, não há nada de robótico nisso. A ideia é simples: escolha um período curto, digamos cinco minutos, e escreva continuamente, sem pausas, sem reler, sem filtros, com o objetivo de deixar fluir os pensamentos, evitando que o crítico interno tome as rédeas.
Para aqueles que preferem um pouco mais de estrutura, existem diários direcionados que propõem questões a serem respondidas. No entanto, é essencial lembrar que, por vezes, questões predefinidas podem guiar o pensamento a seguir caminhos pré-concebidos, limitando a livre expressão do subconsciente.
Todos nós temos aqueles dias em que as palavras parecem escapar, que é difícil ter inspiração. Nesses momentos, Heimes sugere o método da “meia frase“, onde se completa sentenças como “Quando acordei esta manhã…” ou “O que aconteceu comigo hoje…”. Tais pontos de partida podem ser a faísca necessária para fazer a caneta deslizar no papel.
E por falar em escrever… quando a inteligência artificial escreve, quem é o autor? Ja parou pra pensar nisso?
Escrever à mão na era digital?
Na era digital, muitos podem se perguntar se faz diferença escrever à mão ou digitar, e segundo Heimes, sim, a escolha do como escrever faz diferença.
Escrever à mão, sendo uma atividade complexa, ativa diversas áreas do cérebro, fomentando a. Além disso, o ritmo mais lento da escrita manual nos convida a uma reflexão mais profunda.
Por outro lado, a digitação tem seu valor, especialmente pela facilidade de compartilhamento e pelo ritmo quase terapêutico que o ato de teclar pode proporcionar.
Escrever em grupo
Heimes, com sua vasta experiência conduzindo grupos, esclarece algumas ideias preconcebidas sobre a escrita em conjunto. Primeiro, é crucial entender que ninguém começa a escrever obras-primas instantaneamente, e assim como qualquer habilidade, a escrita requer prática.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos participantes é a autocrítica excessiva. Por isso, é essencial lembrar as palavras de André Breton, pioneiro da escrita automática, que aconselha os escritores a encontrarem um lugar tranquilo e simplesmente esquecerem de buscar pensamentos brilhantes.
Após horas de escrita, o que os participantes dos grupos de Heimes geralmente levam para casa, além de páginas cheias, é uma autoestima renovada, uma percepção aguçada e uma sensação de clareza mental. A capacidade de expressar pensamentos e emoções no papel pode, surpreendentemente, libertar a mente para outras facetas da vida.
Se a ideia de escrever diariamente parece desafiadora, lembre-se das palavras da Dra. Heimes, que, como muitos de nós, também tem uma rotina agitada e mesmo assim encontra tempo todos os dias para se dedicar à sua higiene mental, seja trabalhando em um novo livro ou apenas registrando pensamentos matinais em um breve intervalo de três minutos.
Talvez, no final das contas, tudo o que precisamos seja de um momento, uma caneta e um pedaço de papel para, mais do que escrever, para verdadeiramente nos encontrarmos.
Fonte: Scientific American