A inteligência artificial tem criatividade? Esse é um debate já colocado, à medida que a IA está cada vez mais presente em diversas áreas do conhecimento, levantando questionamentos sobre seu real potencial para inovar. Recentemente, um estudo publicado no arXiv trouxe dados que sugerem que um gerador de ideias movido por IA pode ser capaz de produzir conceitos de pesquisa mais originais do que os gerados por cientistas humanos. Este tipo de comparação tem gerado debates interessantes, especialmente no que diz respeito à criatividade e capacidade inovadora das máquinas em relação à mente humana.
Criatividade de IA?
O estudo recrutou mais de 100 pesquisadores da área de processamento de linguagem natural (NLP, na sigla em inglês), uma vertente da ciência da computação que foca na comunicação entre humanos e máquinas. Dentre esses participantes, 49 foram incumbidos da tarefa de desenvolver e escrever ideias de pesquisa com base em um de sete temas predefinidos, no prazo de dez dias. Como incentivo, os pesquisadores foram recompensados financeiramente, recebendo US$ 300 por ideia, com um bônus adicional de US$ 1.000 para as cinco melhores propostas.
Enquanto isso, os cientistas criaram um gerador de ideias baseado na IA usando o Claude 3.5, desenvolvido pela empresa Anthropic. Esse modelo foi alimentado com publicações relevantes sobre os temas de pesquisa através do Semantic Scholar, um motor de busca voltado para a literatura científica. A partir dessa base de dados, a IA gerou impressionantes 4.000 ideias para cada um dos tópicos propostos e, em seguida, ranqueou as mais originais.
Tanto as ideias originadas das criatividade humana quanto as geradas pela IA foram avaliadas por 79 revisores, que não tinham conhecimento sobre a origem de cada ideia. A avaliação foi baseada em quatro critérios principais: novidade, excitação, viabilidade e eficácia. Para garantir que o estilo e o tom dos textos não interferissem no julgamento, um outro modelo de IA foi utilizado para padronizar a forma de apresentação das ideias, sem alterar o conteúdo.
Os resultados surpreenderam: em média, os revisores consideraram as ideias geradas pela IA mais originais e empolgantes do que as propostas pela criatividade humana! No entanto, quando o quesito analisado foi a viabilidade, as ideias humanas levaram uma ligeira vantagem. Isso reflete uma diferença notável entre a capacidade de criatividade da IA e sua limitação em gerar conceitos que sejam, ao mesmo tempo, inovadores e realizáveis na prática.
Curiosamente, ao analisar mais profundamente os 4.000 conceitos produzidos pela IA, os pesquisadores descobriram que apenas cerca de 200 eram verdadeiramente únicos. Isso sugere que, à medida que a IA produzia mais ideias, sua capacidade de originalidade diminuía, gerando conceitos repetitivos ou menos inovadores.
Limitações do estudo
Embora os resultados sejam promissores no que diz respeito ao potencial criativo das IAs, o estudo também apresenta algumas limitações. Primeiramente, ele foi focado em uma única área de pesquisa (NLP), o que restringe as conclusões sobre a aplicabilidade das IAs em outros campos científicos. Além disso, os cientistas humanos foram solicitados a gerar suas ideias de forma relativamente rápida, o que pode ter prejudicado a qualidade de suas propostas.
Outro ponto que merece atenção é o uso de IA para padronizar a apresentação dos textos, tanto os humanos quanto os gerados por IA. Isso pode ter influenciado a percepção dos revisores sobre a novidade das ideias, já que aspectos como estilo de escrita e clareza podem afetar a maneira como o conteúdo é recebido e interpretado. Portanto, essa padronização pode ter, involuntariamente, favorecido as ideias da IA, suavizando possíveis desvantagens de sua forma original.
Adicionalmente, o próprio volume de ideias gerado pela IA é um fator que precisa ser levado em consideração. Enquanto os cientistas humanos dedicaram dias para desenvolver suas propostas, a IA foi capaz de produzir milhares de ideias em um curto período de tempo. Isso levanta a questão de quão justa foi essa comparação direta, visto que a IA não apenas tem maior capacidade de geração, mas também opera em uma velocidade incomparavelmente superior à do ser humano.
Apesar das limitações, o estudo é um marco importante na exploração do uso de modelos de linguagem natural em tarefas científicas. A ideia de que uma IA pode ter criatividade e pode auxiliar ou até mesmo superar os humanos em determinadas áreas, como a geração de ideias inovadoras, abre uma série de questões sobre o papel da tecnologia na ciência do futuro.
Cong Lu, pesquisador em aprendizado de máquina na Universidade de British Columbia, sugere que as IAs podem, de fato, ser capazes de produzir ideias com criatividade que vão além do que já foi explorado na literatura científica. No entanto, ele também questiona se essas máquinas seriam capazes de superar os conceitos mais revolucionários já criados por seres humanos, que não apenas pensam de maneira original, mas também conseguem moldar essas ideias dentro de um contexto prático e realizável.
Jevin West, cientista social computacional da Universidade de Washington, acrescenta que a comparação entre humanos e IA no estudo pode não ser totalmente justa. Ele aponta que o fato de a IA apresentar uma certa criatividade ao ser capaz de gerar milhares de ideias em pouco tempo pode ter influenciado a percepção dos revisores, além de destacar que a edição dos textos por outro modelo de IA pode ter alterado sutilmente como a originalidade foi percebida.
Chenglei Si, um dos autores do estudo e cientista da computação na Universidade de Stanford, acredita que este é apenas o começo de um movimento mais amplo para entender como as IAs podem desempenhar um papel mais ativo no processo de pesquisa. Ele e sua equipe planejam comparar as ideias geradas por IA com artigos de conferências renomadas, buscando uma compreensão mais profunda sobre como a criatividade da IA se compara à de cientistas humanos de ponta.
A discussão sobre o impacto das IAs na pesquisa científica está apenas começando. Com o avanço contínuo dessas tecnologias, é provável que veremos um papel cada vez mais significativo da IA na produção de conhecimento. Porém, questões fundamentais permanecem: até que ponto as máquinas podem realmente inovar? E como equilibrar o uso dessas ferramentas com a criatividade humana, que envolve não apenas originalidade, mas também intuição e experiência prática?
O futuro da pesquisa, portanto, pode ser um campo onde humanos e máquinas colaboram de maneiras ainda mais estreitas, utilizando as forças de cada um para alcançar avanços que, por si só, talvez nenhum dos lados pudesse conquistar.
Fonte: Nature