Quando o assunto é crise climática, o cientista James Hansen se destaca. Com quase quatro décadas dedicadas a alertar o mundo sobre os riscos do aquecimento global, Hansen não só trouxe o tema para o debate público em seu emblemático testemunho no Senado em 1988, mas também moldou o caminho da ciência climática.
Depois de ter passado décadas como diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, agora, aos 82 anos, lidera o Columbia University’s Climate Science, Awareness and Solutions program (em tradução livre, “programa de Ciência Climática, Consciência e Soluções”) da Universidade Columbia, nos oferecendo uma nova perspectiva preocupante sobre o futuro do clima terrestre e os desdobramentos relacionados à crise climática.
Hansen e seus colaboradores apresentam em um recente artigo científico uma visão alarmante, com a questão central da “sensibilidade climática”, ou seja, quão intensamente a Terra reage ao acúmulo de gases de efeito estufa em nossa atmosfera. O consenso científico anterior, endossado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estimava que a temperatura do planeta poderia aumentar entre 2,5 e 4 graus Celsius caso os níveis de CO2 dobrassem em relação à era pré-industrial. Contudo, segundo as novas descobertas de Hansen, esse número pode estar subestimado.
O estudo sugere que, em vez de um aumento de 3 graus Celsius — a estimativa central do IPCC —, podemos estar olhando para um aumento de 4,8 graus. Isso pode não parecer muito à primeira vista, mas representa quase dois graus a mais do que o previsto anteriormente, o que teria implicações catastróficas para a condição climática global. E há razões para prestar atenção: a história antiga do clima da Terra, que serve de base para essas conclusões, mostra uma reação mais intensa do que os modelos atuais prevêem.
Os efeitos podem se desdobrar rapidamente. O estudo de Hansen indica que o marco de 1,5 graus de aquecimento global pode ser ultrapassado antes do final desta década, e o limiar de 2 graus, por volta de 2050, – o que é particularmente perturbador quando consideramos o Acordo de Paris, onde líderes mundiais se comprometeram a manter o aquecimento bem abaixo de 2 graus.
Uma das razões para essas estimativas serem mais altas é a diminuição da poluição do ar. Embora pareça contra-intuitivo ao pensar nas causas da crise crise climática, mas certos poluentes atmosféricos têm um efeito de resfriamento temporário. À medida que limpamos o ar, removendo essas partículas, o efeito mascarado do aquecimento global pode se tornar mais pronunciado, acelerando a elevação das temperaturas.
Diante desse cenário, Hansen não apenas apela por uma ação mais urgente para cortar emissões de gases de efeito estufa, mas também por esforços para reduzir as temperaturas globais, possivelmente até mesmo através de geoengenharia, como a gestão da radiação solar, – sendo este um tópico controverso que propõe refletir a luz solar de volta ao espaço para esfriar a Terra. Embora ainda não testado em grande escala e cercado de dilemas éticos e possíveis efeitos colaterais, Hansen sugere que a verdadeira questão ética poderia ser a inação diante de tais propostas.
É claro que, como acontece com qualquer nova pesquisa, há vozes críticas. Especialistas como Piers Forster, diretor do Centro Internacional Priestly para o Clima da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e principal autor do capítulo do último relatório de avaliação do IPCC e Michael Oppenheimer, cientista climático e diretor do Centro de Pesquisa Política sobre Energia e Meio Ambiente da Universidade de Princeton reconhecem que os cenários desenhados no estudo sobre sensibilidade climática são possíveis, e sugerem também a importância de se considerar cenários extremos para gestão de riscos, mas, por outro lado, tratam os novos números como especulativos, destacando que ainda há muitas incertezas nos fatores de feedback climáticos.
Neste ponto, podemos perceber que a ciência ao redor da crise climática está longe de ser uma narrativa fechada. Cada novo estudo é um capítulo que desafia nosso entendimento e estratégias frente à crise climática. O que Hansen e seus colegas deixam claro é que, talvez, precisemos nos preparar para um enredo mais complexo e urgente do que o previsto.
Crise climática: Urgência e resistência
No turbilhão das discussões sobre o aquecimento global e crise climática a figura de James Hansen ressoa com persistência ao longo das décadas. Como dissemos no início, desde seu depoimento ao Senado em 1988, ele tem sido um pilar na argumentação científica sobre as mudanças climáticas. Aquele momento marcava uma época em que a comunidade científica ainda ponderava se o sinal do aquecimento global induzido pelo homem era discernível dentre as variações naturais do clima da Terra.
Hoje, com um olhar retrospectivo, Michael Oppenheimer, relembra que as primeiras discussões giravam em torno de dados globais, enquanto os impactos localizados, que realmente afetam o dia a dia das pessoas, permaneciam à margem das conversas científicas.
Apesar das barreiras iniciais na ciência em torno da crise climática, Hansen e outros cientistas já alertavam para os perigos iminentes que pairavam sobre o futuro. Hansen, em particular, produziu dezenas de artigos científicos ao longo dos anos, muitos dos quais foram altamente valorizados pela comunidade científica, e foi amplamente reconhecido por ter um histórico de previsões acuradas, como destaca Oppenheimer. No entanto, mesmo com a estima de seus colegas, Hansen não está livre de críticas e debate.
Um exemplo disso é a recepção mista do seu influente “Ice Melt”, paper de 2016, que pintou um quadro sombrio para o futuro da Terra em relação à crise climática, focando nas consequências do derretimento das calotas polares da Groenlândia e da Antártica, prevendo uma ascensão do nível do mar de vários metros dentro do próximo século. Além disso, alertou para a possibilidade de mudanças drásticas nos padrões de circulação oceânica, inclusive a paralisação de uma corrente atlântica gigante — um prognóstico considerado improvável pelo IPCC e por outros estudos subsequentes que apontavam para premissas consideradas pouco realistas.
Um outro estudo recente abordou o derretimento da imensa camada de gelo na Groenlândia. Clica aqui para ler mais sobre o assunto!
No entanto, Hansen permanece firme em suas convicções, e em seu trabalho mais recente, ele critica a omissão de suas previsões pelo IPCC, sugerindo uma espécie de censura e acusando a instituição de “reticência científica”, uma ideia que remonta à noção do sociólogo Bernard Barber sobre a resistência à descoberta científica, que Hansen acredita estar evidente na conduta da comunidade científica em demorar a absorver suas descobertas.
A resistência a novos achados científicos não é estranha para Hansen. Seu testemunho em 1988 inicialmente abalou o establishment político, mas hoje, passadas décadas, a ação relacionada à crise climática global ainda não avança na velocidade necessária para atender aos objetivos do Acordo de Paris. Oppenheimer lamenta que não tenhamos nos antecipado aos impactos das mudanças climáticas, atribuindo o atraso à relutância em apoiar ações governamentais fortes — uma hesitação que só começou a ser vencida diante de eventos climáticos extremos e prejudiciais.
No presente, as opiniões sobre as ações de combate à crise climática global oscilam entre o ceticismo e o otimismo. Existe um sentimento de que estamos “caminhando às cegas”, atravessando um período de dor e adversidade climática, mas com a possibilidade de emergir do outro lado mais fortalecidos e preparados. O otimismo se mistura à interrogação: seremos capazes de alcançar o progresso necessário?
Hansen, por sua vez, se expressa em termos mais contundentes, manifestando surpresa com o crescimento do pensamento anti-ciência na política, e coloca suas esperanças nos jovens. É um chamado para que a nova geração compreenda a situação e assuma as rédeas do controle. Hansen acredita que talvez resida aí a semente de um futuro mais consciente e ativo, onde o conhecimento e a urgência se encontrem para moldar as políticas climáticas do amanhã.
Uma coisa é bastante clara: o diálogo na ciência sobre a crise climática é tão dinâmico quanto o próprio clima que buscamos entender. E nesse diálogo, as vozes como a de Hansen — embora às vezes controversas — são essenciais para impulsionar o debate, a pesquisa e, por fim, as ações que determinarão o futuro do nosso planeta.
Fonte: Scientific American