Vivemos em uma sociedade que constantemente nos aconselha a “encontrar nossa paixão“. Seja através dos nossos pais, professores, chefes ou palestrantes em cerimônias de formatura, essa ideia está profundamente enraizada na cultura moderna. Mas será que essa é realmente a melhor abordagem para descobrir o que nos faz vibrar? A ciência pode nos dizer algo sobre isso!
Paul A. O’Keefe, professor associado de comportamento organizacional na University of Exeter Business School, localizada na Inglaterra e EJ Horberg, pesquisadora sênior no Yale-NUS College, em Cingapura escreveram um artigo para a Scientifc American que nos faz pensar sobre essa narrativa contemporânea. Bora dar uma olhada?
Ao pensar na paixão como algo preexistente, esperando apenas ser descoberto, podemos estar ignorando uma verdade fundamental: A paixão, assim como os interesses, é desenvolvida ao longo do tempo.
Muitas vezes, ela começa com uma faísca de curiosidade, gerada por algo no ambiente — seja uma palestra envolvente sobre física ou uma obra de arte que nos toca de forma subjetiva. Através de repetidas interações, experiências positivas e a acumulação de conhecimento, essa faísca pode crescer e se transformar em um interesse genuíno. E, se esse interesse continuar a ser alimentado, poderá eventualmente evoluir para uma paixão. Existe uma ciência sobre essa paixão.
Mas por que a distinção entre “encontrar” e “desenvolver” a paixão é tão importante? Estudos recentes indicam que ter uma compreensão equivocada sobre como uma paixão surge pode nos limitar de várias maneiras.
Aquelas pessoas que veem a paixão como algo inerente, algo que você tem ou não tem, são menos abertas a novos tópicos, menos resilientes a desafios ao perseguir novos interesses e menos criativas na resolução de problemas. Em contrapartida, aqueles que percebem a paixão como algo a ser desenvolvido possuem uma perspectiva mais aberta e adaptável.
Dentro desse contexto, podemos falar sobre duas mentalidades predominantes: a mentalidade fixa e a mentalidade de crescimento. Na educação, por exemplo, já se sabe que ver as habilidades intelectuais como fixas pode ser prejudicial, enquanto acreditar no desenvolvimento e crescimento das habilidades pode ser extremamente benéfico.
Analogamente, quando se trata de interesses e paixões, a mentalidade fixa sugere que eles são inerentes e imutáveis, enquanto a mentalidade de crescimento vê os interesses e paixões como algo a ser construído e cultivado.
Essas duas mentalidades têm implicações práticas. Por exemplo, indivíduos com uma mentalidade fixa tendem a acreditar que, uma vez encontrada a paixão, não há necessidade de continuar explorando.
Em um estudo específico, estudantes de artes com essa mentalidade mostraram menos interesse em uma tarefa científica do que seus colegas com uma mentalidade de crescimento. De maneira semelhante, quando desafiados a entender tópicos complexos, como teorias sobre buracos negros, aqueles com mentalidade fixa ficaram facilmente frustrados, enquanto os outros mantiveram seu interesse.
A mentalidade fixa não só limita a exploração, mas também pode inibir a criatividade e a inovação. Quando as pessoas se veem limitadas a certos interesses, elas podem perder a capacidade de fazer conexões entre diferentes áreas do conhecimento. Isso foi evidenciado em um estudo que mostrou que estudantes que se identificavam fortemente com artes ou ciências, quando possuíam uma mentalidade fixa, eram menos propensos a gerar soluções criativas que integrassem ambas as áreas.
Então, como podemos cultivar uma mentalidade de crescimento em relação aos nossos interesses? Recentemente, uma intervenção foi projetada com o objetivo de ensinar os alunos a desenvolver interesses, em vez de simplesmente encontrá-los. Neste estudo, mais de 700 estudantes universitários participaram, e a maioria, inicialmente, não se identificava com matemática ou ciências. No entanto, após serem expostos ao programa de intervenção, esses alunos demonstraram maior interesse e até mesmo melhores notas em cursos de matemática e ciência do que o grupo controle.
Ressignificando a paixão
Em primeiro lugar, é vital reconhecer que interesses e paixões não são algo preestabelecido, e podem e devem ser desenvolvidos ativamente. Em vez de esperar que a paixão simplesmente apareça, a ciência nos mostra que devemos nos engajar, explorar nossas curiosidades e aceitar que nem sempre será um caminho fácil.
Para aqueles em posições de influência, como educadores ou líderes, é crucial criar oportunidades para que outros explorem seus interesses e estabelecer uma cultura que valorize a exploração.
Em resumo, a paixão não é algo que simplesmente encontramos prontamente disponível. Segundo Horberg e O’Keef, a ciência sugere que ela é cultivada, desenvolvida e nutrida ao longo do tempo.
Talvez seja hora de reformular o antigo ditado “encontre algo que você ama fazer” para algo mais preciso: “trabalhe para amar o que faz“. Ao fazer isso, podemos nos tornar mais abertos, criativos e resilientes. E, quem sabe, até encontrar novas paixões pelo caminho.
Fonte: Scientific American