A energia escura é um dos mistérios ainda não desvendados pela ciência. Nos últimos anos, o universo da cosmologia tem enfrentado um dos seus maiores desafios: a “tensão de Hubble”, um problema que tem intrigado cientistas e gerado novas ideias para entender o ritmo de expansão do universo. Essa questão surge de uma discrepância entre diferentes métodos de medir essa taxa de expansão, conhecida como constante de Hubble, o que coloca em dúvida a precisão do modelo cosmológico padrão que há tanto tempo guia nossa compreensão do cosmos.
A constante de Hubble define o ritmo de crescimento do universo e tem implicações diretas sobre sua idade e sobre o que conhecemos como o Big Bang. No entanto, essa medida tem gerado um conflito entre os resultados obtidos por duas abordagens diferentes: de um lado, a observação de supernovas no universo local, e de outro, as previsões baseadas nas flutuações do fundo cósmico de micro-ondas (CMB), que é a radiação remanescente do Big Bang.
A tensão de Hubble foi identificada pela primeira vez há mais de uma década, mas, inicialmente, muitos pensavam que a discrepância poderia ser resultado de erros nas medições. Com o avanço das tecnologias e a precisão crescente dos dados, essa diferença se solidificou como uma anomalia que desafia os modelos cosmológicos vigentes. Recentemente, com os dados trazidos pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), essa diferença se tornou ainda mais evidente, reforçando a necessidade de uma explicação.
Hoje, o valor da constante de Hubble medido através da observação de supernovas próximas gira em torno de 73 km/s/Mpc (quilômetros por segundo por megaparsec; megaparsec é uma unidade de comprimento astronômica que equivale a 1 milhão de parsecs, ou cerca de 3.260.000 anos-luz), enquanto o modelo cosmológico padrão, com base no CMB (radiação cósmica de fundo, do inglês Cosmic Microwave Background) sugere um valor significativamente menor: cerca de 67,5 km/s/Mpc. Esse descompasso de aproximadamente 9% não pode ser explicado por erros triviais de observação, indicando que algo fundamental pode estar faltando em nossa compreensão do universo.
Como medimos a expansão do universo?
Para entender essa discrepância, é importante revisar como esses valores são obtidos. O método baseado em supernovas usa explosões de um tipo específico, chamadas supernovas tipo Ia. Essas explosões têm uma luminosidade intrínseca conhecida, o que permite aos cientistas calcular a distância dessas supernovas da Terra ao comparar sua luminosidade observada com o brilho real. Ao medir o desvio para o vermelho (redshift) da luz emitida por essas supernovas, é possível determinar a velocidade com que estão se afastando de nós, o que dá uma indicação da taxa de expansão do universo.
Esse método se baseia em uma sequência de calibrações, conhecida como “escada de distâncias”, onde as distâncias de estrelas variáveis Cefeidas (que também têm uma relação conhecida entre seu período de pulsação e sua luminosidade) são usadas como base para calcular distâncias maiores no universo. Essa abordagem, no entanto, tem suas limitações e é sempre sujeita a questionamentos sobre possíveis fontes de erro.
Já o outro método, baseado no fundo cósmico de micro-ondas, depende de uma análise da radiação deixada pelo Big Bang. Durante os primeiros 380 mil anos após o Big Bang, o universo era uma sopa densa de partículas e radiação, que gerou ondas sonoras em sua estrutura. A radiação que hoje observamos como o CMB carrega os ecos dessas ondas, que podem ser usados para medir a “escala do horizonte acústico” — essencialmente a distância que as ondas sonoras percorreram antes de a luz finalmente se libertar dessa “sopa primordial” e começar a viajar livremente pelo cosmos.
Ao medir a distância entre essas ondas no CMB e comparar com a distância física real que essas ondas deveriam ter viajado, os cientistas podem inferir a taxa de expansão do universo naquela época e prever a constante de Hubble atual. O problema é que essa previsão é menor do que o valor medido localmente por supernovas, gerando a tensão de Hubble.
Energia escura precoce: uma possível solução
Diante dessa tensão, várias hipóteses foram levantadas, e uma das mais promissoras é a ideia de “energia escura precoce”. Para entendê-la, precisamos relembrar o conceito de energia escura, que foi descoberto nos anos 1990 e representa uma força misteriosa que acelera a expansão do universo. A energia escura que conhecemos hoje parece ser constante e permeia todo o espaço, mas o que os cientistas estão propondo é que, nos primeiros momentos após o Big Bang, essa energia pode ter agido de forma diferente, contribuindo para uma expansão acelerada que depois desapareceu.
Essa energia escura “temporária” teria tido um efeito semelhante ao de uma força repulsiva, acelerando o crescimento do universo em seus estágios iniciais, antes de decair e deixar de influenciar o cosmos. Isso poderia explicar por que o universo parece ter se expandido mais rápido no início do que os modelos preveem, sem contradizer as observações mais recentes de que a energia escura atual é estável.
Em busca de explicações
Embora a hipótese da energia escura precoce seja atraente, ela ainda precisa ser testada com mais rigor. Nos últimos anos, vários experimentos começaram a medir sinais que poderiam indicar a presença dessa energia escura nos primeiros tempos do universo, mas os resultados são mistos até agora. No entanto, com a chegada de novos dados nos próximos anos, como os esperados do Observatório Vera C. Rubin e do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, há esperanças de que finalmente possamos verificar se essa teoria é realmente a chave para resolver a tensão de Hubble.
Caso a energia escura precoce não se mostre a solução definitiva, existem outras ideias que ainda estão sendo exploradas. Uma delas é que algo esteja faltando na nossa compreensão da matéria escura, que compõe grande parte do conteúdo de massa do universo. Outra possibilidade é que existam propriedades desconhecidas do plasma primordial que influenciaram a formação de átomos e, portanto, a forma como a luz viaja pelo espaço desde o Big Bang.
Também há quem proponha que os campos magnéticos no universo primitivo possam ter tido um papel maior do que imaginamos, ou que as condições iniciais do universo — como as flutuações quânticas que deram origem às primeiras estruturas cósmicas — não sejam exatamente como as entendemos hoje.
Independentemente da solução, o fato é que a tensão de Hubble está impulsionando uma nova era de questionamentos na cosmologia. As discrepâncias entre os dois métodos de medir a constante de Hubble sugerem que estamos à beira de uma possível revisão do modelo padrão, que tem sido a base da cosmologia moderna por décadas.
À medida que novos dados chegam e novas técnicas de observação são desenvolvidas, os cientistas estão cada vez mais focados em refinar suas medições e, quem sabe, descobrir uma nova física que explique essas anomalias, sendo pela energia escura precoce ou outras hipóteses que ainda estão por vir. Entre as ferramentas que podem ajudar a esclarecer essa questão estão os sinais de ondas gravitacionais, gerados pela fusão de buracos negros e estrelas de nêutrons, que podem fornecer medições precisas de distâncias cósmicas, além de novos métodos de medir a expansão do universo com lentes gravitacionais.
A cosmologia moderna, portanto, vive um momento de grande expectativa. Sejam os resultados futuros confirmando a hipótese da energia escura precoce ou apontando para uma solução completamente nova, estamos diante de uma oportunidade única de expandir nosso entendimento sobre os processos fundamentais que governam o universo. Para os cientistas e para o público, essa busca representa um dos capítulos mais emocionantes da ciência contemporânea. O cosmos, com seus mistérios, continua a nos desafiar e a nos inspirar a encontrar respostas cada vez mais profundas sobre nossa origem e destino.
Fonte: Scientific American