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Entenda Deus em Spinoza e seja feliz

Se nem sabemos o que é felicidade, como ser feliz? Deus nos traria essa felicidade?

Mesmo que a gente não consiga definir felicidade, entender um conceito específico de Deus pode ajudar a pensar como alcançar isso que tanto buscamos. Calma, este não é um texto religioso, não quero impor regras morais, tampouco te dar uma fórmula para ser feliz.

O que quero dizer é que em Spinoza podemos encontrar conceitos importantes para pensar a nossa condição humana e o que queremos dizer quando dizemos que queremos ser felizes. Deus é um desses conceitos. Afetos, potência, conatus, alegrias ativas e passivas, tristeza, beatitude, eternidade… são outros. 

Quero dizer que aqui você vai encontrar um conceito possível de felicidade. Que é uma que Spinoza inspirou, mas que não é a de sempre, que não é a única. E por eu me reconhecer tão humana, tão longe de um absoluto, posso e mudo toda hora. Mas nunca vou deixar de me encantar com certas ideias que extraio da minha jornada de tentar buscar provocações para vida. Porque no fim das contas, pra mim, isso é filosofia. Território de pensamentos, mas não necessariamente de certezas…

Isto é um ensaio, uma leitura particular de um autor incrível. Nada se pretende verdade, mas quero tentar te explicar conceitos complexos e como os vejo aplicados na minha vida prática.

E aqui quero me colocar no meu lugar: Ler Spinoza não é fácil. Se alguém te disser o contrário, arrisque-se e tire suas próprias conclusões. Eu precisei de ajuda, e muitas vezes me pego divagando se não preciso de mais ajuda, cada vez que volto às suas obras. Acho que vou sempre precisar. Mas humildemente quero te contar o que aprendi com Spinoza, que ajuda na minha “caixa de ferramentas” para viver a vida. Que fique claro, eu tive muita ajuda, e ouse dizer que você também deveria buscar, se quiser ir fundo em Spinoza.

Eu tive o privilégio de ter um dos maiores especialistas de Spinoza do Brasil e do mundo, André Martins, como orientador de mestrado. Ele me ensinou a ler. Sim, ensinou a ler, porque para ler as obras de Spinoza, antes é preciso aprender o que as palavras dele significam isoladamente, antes de se aproximar no texto. É preciso se debruçar sobre os parágrafos e compartilhar com alguém (ou muitos “alguéns”) as ideias que podem surgir dali, as diferentes aproximações possíveis e propostas de conclusão. E eu acho importante um alguém ser um especialista. Embora depois de ler Spinoza, talvez você sinta vontade de sair compartilhando um monte de coisas, com um monte de gente. Eu senti isso. Eu sinto isso.

Sou tributária da ideia de que uma obra de filosofia não se encerra no que um autor coloca no papel, e há quem diga o contrário, e com razão. “É preciso entender o que o autor diz.” – eles dizem, com razão. Mas para mim, mais que isso, é preciso entender o que o autor diz para você, para mim, para cada um de nós. Ué… já que filosofia não se pretende uma ciência objetiva, por que não? Mas vamos deixar isso de lado. É uma outra discussão.

Neste texto quero pedir licença aos especialistas, vou me abster de tentar me aproximar de um rigor acadêmico (eu nem me sinto apta a sustentar este rigor mesmo…). A ideia é deixar tudo aplicável na vida. No hoje, no agora. 

Também, de antemão, peço desculpas ao André, caso minha interpretação, que nasceu da dele, em algum momento se distancie. Ele me guiou, simplificou ideias complexas que me fizeram pensar tudo que penso hoje. E serei eternamente grata pela jornada que ele pacientemente me ajudou, e ainda me ajuda, a traçar. Mas é preciso tirar as rodinhas da bicicleta.

E se quiser ler um texto do André, que ele fala de arte e filosofia, você pode clicar aqui!

Deus de Spinoza

“Deus imanente”, “Substância única”… “Imane…” o que? Substância é tipo coisa da química? Não quero ficar dando voltas. Vou direto ao ponto. Ao meu ponto. Na minha leitura, Deus para Spinoza é a realidade. Tão simples quanto isso.

E por realidade entenda a materialidade e imaterialidade, mas não o místico, nem nada a que possamos atribuir um caráter divino e manter uma relação de idolatria. A imaterialidade é, por exemplo, o nosso pensamento, ou ainda o que gosto de chamar de “explicação ou “racionalidade” por trás da materialidade”. 

Que explicação/racionalidade seria essa? Bom… Quando uma planta morre, quando um metal oxida, tem alguma razão, algum motivo, uma disposição das moléculas que muda, um movimento natural do material… certo? Esse movimento precisa da materialidade, invariavelmente, mas ele mesmo, não é material. No dicionário, movimento é “ato ou efeito de mover-se“. É o ato ou efeito de um verbo, a realização desse verbo, por algo ou alguém material que tornou o material visível, perceptível, compreensível. É essa a imaterialidade da realidade, do Deus de Spinoza: uma imaterialidade que, como acontece com um verbo, depende da materialidade. 

Vamos subir um degrau. Fica fácil perceber que um verbo é a imaterialidade da realidade… tenta pegar um verbo, desenhar um verbo, no caso, o “mover-se”. Não dá para desenhar o “mover-se” sem desenhar um “trequinho”, seja uma bolinha, seja uma pessoinha de palitinho ou algo assim… certo? Pois bem, essa necessidade da materialidade é a necessidade da materialidade em Spinoza, do Deus de Spinoza. Necessidade aqui entendida como algo que é como só poderia ser, não podendo ser de outra maneira. Portanto, a materialidade é necessária.

E aqui tem algo fundamental em Spinoza: Não existe materialidade sem imaterialidade, nem imaterialidade sem materialidade.

Na terminologia… Ops, antes de avançar, vale um parênteses: “Terminologia” é só uma palavra difícil que, grosso modo, quer dizer “no vocabulário de”, “nos termos de”, “no jeitinho de falar de”… sabe? É o conjunto de palavras com significados específicos do pensador, neste caso.

…Feita a digressão…

Na terminologia de Spinoza, essa materialidade seria a extensão, – o corpo –, e a imaterialidade o pensamento, – a ideia do corpo. Então, como já te contei que não pode haver imaterialidade sem materialidade, isso é mostrado por uma coisa única: o “corpo-e-sua-ideia”. Cada um de nós é isso.

Só que pensa assim: cada um de nós, e cada coisa que existe, é uma coisa só. E essa “coisa” é a realidade. A realidade existe, certo? Então tudo que tem essa materialidade e imaterialidade unidos existe, e pode ser chamado de realidade. Não “realidades”, mas “realidade”. Por isso é uma coisa só. Percebe que faz todo sentido? 

Há quem considere realidades paralelas, vá lá… Não vou entrar nesse mérito. Mas ainda que as pessoas considerem essas realidades paralelas, elas são, na última linha, realidade. Até no nome isso fica claro: “realidade paralela”. É “realidade” antes de ser “paralela”. É a existência. 

Se você entendeu até aqui, você entendeu o que é Deus para Spinoza. É mais simples do que parece. Para Spinoza, Deus é igual à realidade.

O que esse Deus se diferencia dos outros deuses?

Muita coisa. Mas vamos ao básico. 

Se Deus é a realidade, que é a mesma coisa que existência, olha o que temos quando procuramos o que é existência no dicionário: 

  1. estado de quem ou do que subsiste, sobrevive.
  2. maneira de existir.
  3. o fato de ser real.

Pronto, não precisamos ir além para ver que todas essas coisas não têm uma forma definida, não têm um rosto, não tem um corpo. Sobreviver, existir, ser real: Essas palavras são verbos, fatos.

MASUÉ… verbos e fatos lá têm uma cara? A gente já falou que um verbo é uma imaterialidade que precisa de uma materialidade para existir. Então não tem uma cara nem uma forma a não ser através de coisas, de pessoas, de qualquer coisa que EXECUTE o verbo. Verbo é uma ação, que precisa de quem realize a ação. (Se você lembrar das regras gramaticais da escola, é o sujeito da frase.)

E se “existência”, como vimos no dicionário, dá conta de verbos e fatos, logo, ela não pode ter uma forma sem um meio (um sujeito) pelo qual esses verbos e fatos se dariam, portanto, não podem ser um homem, uma mulher, um animal, justamente por não ter uma forma definida antes de se realizar. Concordamos até aqui?

Vamos adiante: Verbos e fatos têm uma vontade? Eles não querem nada. Eles são o que são, realidade pura.

E se a realidade para Spinoza é Deus, aqui já temos o fundamental para entender as diferença entre os conceitos de Deus do senso comum: A realidade não quer não quer nada, logo, Deus de Spinoza não tem vontade, não tem essas características imateriais humanas. E se não tem forma, também não pode ter características materiais humanas. Portanto, não podemos atribuir características humanas àquilo que não é humano. Isso é a chamada antropomorfização, que é uma tendência bem natural nossa.

A realidade ou existência (pode usar um termo ou outro), que para Spinoza é a realidade, é o que é: materialidade e imaterialidade unidas, sem uma forma definida, sem sentimentos humanos.

E agora vamos subir mais um nível…

Nós, seres humanos, só conhecemos a realidade por meio de tudo que é real… Coisas, pessoas, lugares, e tudo… certo? Conhecemos a realidade por maneiras pelas quais a realidade acontece. Uma caneca, um cachorro, eu, você: somos maneiras pelas quais percebemos e vivenciamos a realidade. Spinoza chamaria tudo isso (coisas, pessoas, eu, você e tudo) de “modos” o que seria o meio pelo qual a realidade acontece: com sua materialidade e imaterialidade unidas indissociavelmente, e presentes em cada coisa pela qual ela acontece.

E é aí que nós, eu, você e todo mundo, entramos…

O que somos nós então?

Se concordamos que a realidade só tem materialidade através de mim, de você, de um cachorro, de uma caneca, e a realidade é uma coisa só, nós que temos, por nossa natureza, a possibilidade de EXISTIR (e note que existir é um verbo, portanto uma imaterialidade que precisa da materialidade) somos um modo da realidade, – daquilo que falamos que é uma coisa só, que para Spinoza chama-se Deus.

Então para usarmos os termos de Spinoza (ou a chamada “terminologia”), nós somos “modos de Deus”. Portanto, tal como a caneca e o cachorro e todo o resto do mundo, nós somos a materialização da realidade. Fazemos parte da realidade, parte que constitui a realidade, mas somos diferentes uns dos outros, únicos, singulares: e é assim para cada coisinha, cada pessoinha. Mas sempre como parte da realidade, ou seja, como parte de Deus.

Se a realidade é infinita, por que nós somos finitos se somos parte constituinte da realidade?

Já te mostrei que essa realidade é Deus. E que essa realidade só pode ser entendida se tiver a materialidade. E que nós somos um modo dessa materialidade essa realidade, que é Deus.

Bem, tudo que existe aponta para um presente, uma atualidade do tempo, mas também aponta para um futuro: tudo que existe tende a continuar existindo. E para continuar existindo tem que haver algo que sustente esse movimento de existir que leva o que existe hoje para existir amanhã. Isso que permite a cada coisa existir é a manifestação da realidade (ou Deus, para Spinoza) que é materializada em cada um de nós.

A realidade se manifesta através de nós, se movimenta através de nós, passa de um presente para o futuro através de nós, é o movimento natural da realidade. E nós manifestamos mais ou menos esse movimento da realidade, de uma forma mais potente ou menos potente.

Para entender melhor, vamos ao dicionário de novo. Potência: Qualidade de potente, poder, força, vigor, capacidade de realizar. 

Em Spinoza, essa potência é chamada de conatus. Esse conatus é o que nos permite realizar a realidade, ou seja, nos permite existir. Mas a realidade (ou Deus) é o que é, e não tem um tempo cronológico, porque ela é infinita. Nós percebemos o tempo porque temos um começo e um fim, a realidade, para Spinoza, não.

No nosso modo de ser, essa manifestação da realidade, que é infinita, naturalmente tende a se afastar no finito, do que acaba. Porque se a realidade é infinita e ela se manifesta através de tudo que é finito, se ela não se manifestar em uma coisa, vai se manifestar em outra! Ou seja.. a realidade vai se transformando… infinitamente.

Nós, enquanto existimos, isso equivale dizer que nos a manifestamos, finitamente, por um curto espaço de tempo que é a nossa vida. Mas a nossa vida tende ao infinito porque fazemos parte da realidade que é infinita. Isso se traduz em nós como um desejo de existir! Por isso, para Spinoza, somos seres desejantes… Porque a realidade em nós é desejo de infinitude, é da nossa natureza de buscar a realidade, que é infinita. (Coisa linda isso, né…!)

Mas nós somos finitos e como a realidade se daria por meio de nós ou por meio de outra coisa, poderíamos ou não existir e a realidade continuaria aí, sendo o que é. A nossa existência é só uma possibilidade que se concretizou… E percebe o quão improvável é nossa vida, e ainda assim aconteceu? (Uau… é lindo demais!)

Sendo finitos, estando dentro da realidade infinita, nós um dia vamos nos transformar em outra coisa, mas o nosso modo finito, por ser parte desse infinito que é a realidade, busca naturalmente a infinitude! 

E como isso acontece na gente?

Aí vem uma parte ainda mais linda… Quando sentimos alegria é quando nosso desejo de ser infinito, de integrar a realidade infinita, é sentido por nós. Esse desejo que é a manifestação da potência, o vigor, da realidade. (A potência da realidade que se manifesta em nós é o conatus, como já falamos.)

O que acontece é que em nós, por sermos finitos, essa potência não é uma constante, diferente do que acontece na realidade, porque ela é infinita, portanto está sempre potente, com vigor de acontecer! Mas a nossa potência sofre uma variação, porque é como se o finito nos assombrasse, mesmo que naturalmente tendamos ao infinito por sermos parte da realidade infinita. O nosso modo de existir simplesmente não pode ser infinito, a nossa finitude é algo inescapável. E isso se traduz em nós no que chamamos de tristeza, que é quando a nossa potência, – ou conatus –, diminui.

Por outro lado, quando nos sentimos parte da realidade, nos sentimos mais próximos da infinitude, é como se a nossa finitude não existisse, e nossa potência de existir (ou conatus) aumenta! E isso é traduzido em nós no sentimento contrário à tristeza: no sentimento de alegria!

Mas calma lá, que nem toda alegria é tão boa assim…!

“Como assim?” –Você pode estar se perguntando. Mas é assim mesmo. 

Vamos do começo…

Primeiro sobre a tristeza… Ninguém ama a tristeza, ninguém busca intencionalmente a tristeza. Ninguém em suas plenas faculdades mentais, pelo menos, busca o que o faria infeliz, o que traria a finitude para se sobrepor à nossa natureza que tende ao infinito.

Você pode argumentar que existem pessoas que sentem prazer com a dor, que têm uns gostos meio…. “sinistros”, digamos. Mas ainda assim, encontra alegria na dor, na tristeza, ou em qualquer coisa que entendemos como o oposto de alegria. O prazer encontrado em coisas ruins por um certo perfil de pessoas é, antes de tudo, um prazer, logo, uma coisa boa, uma alegria. 

Tirando esses casos que são exceção, a tristeza é sempre passiva. Nós não a buscamos, mas estamos vulneráveis a ela, porque é a finitude, – que nos constitui, que faz parte de ser o que somos – , que tenta se impor, diminuindo nossa potência de existir. Estamos sujeitos à tristeza invariavelmente, e quando ela nos alcança, tendemos a buscar o que nos faça sair dela, buscando alegrias….

Quando tristes, ao buscar alegrias que nos façam não estar mais tristes, buscamos algo que nos deixe de novo mais potentes, mais alegres, e esse sentimento bom é o efeito de algumas ações que deliberadamente executamos, de coisas que deliberadamente buscamos, ações e coisas que são causa de alegria, porque a alegria é um efeito, logo, precisa de uma causa.

Tal como entendemos que existe uma causa da nossa tristeza, que é externa a nós, assumimos que há, fora de nós, uma causa da nossa alegria.

O grande problema é que existem tipos diferentes de causas para nossa alegria. Para nossa tristeza, é sempre o que se impõe como incontrolável, que sabemos claramente que nos faz mal, que diminui nossa potência, aquilo que se impõe e que parece ser avesso a tudo que somos, que queremos, que sentimos de bom.

No caso das alegrias, existem aquelas causas que sabemos que fazem bem, e existem aquelas causas que nos disseram que fazem bem: “Toma um porre que passa!”, “Viaja que passa”, “Tomar banho gelado às 5 da manhã vai te fazer feliz!”… Quem de nós nunca ouviu algumas dessas coisas, né? São causas que fazem bem para outras pessoas, ou que só ouvimos dizer que fazem bem. E ao tentar sair da tristeza, podemos entender que essas causas também resultariam em alegria para nós.

Pois é… O problema é que quando não sabemos o que realmente nos faz bem, quando não nos conhecemos o suficiente para reconhecer a causa de nossas tristezas e para saber o que nos causa mais do que uma alegria momentânea, que seja duradoura, só conseguiremos alegrias pontuais que são só uma fuga. E sem tentar entender o que nos faz mal, talvez não percebamos que muitas vezes só evitar o que faz mal é uma alegria muito mais duradoura do que só tentar buscar uma euforia para afastar imediatamente a tristeza, a nossa potência diminuída. Ao fazermos isso esquecemos que a não ser a realidade, tudo é finito. Tudo tem um tempo para acabar e que esse tempo faz parte da realidade; e fazendo parte da realidade é o que é, dentro de uma finitude, vai passar. O tempo da realização da finitude da tristeza também precisa ser respeitado.

É importante saber reconhecer as alegrias da euforia, que só escondem que a tristeza ainda está ali, ainda não acabou, ainda não tomou o seu curso natural.

Uma alegria duradoura não vai se encerrar na euforia de um momento, não vai tentar maquiar uma tristeza. Ela pode até ser uma euforia, mas passada essa euforia, a plenitude e o bem-estar ficam, porque essa alegria é genuína, se colocou como alegria no lugar da alegria. Não como alegria no lugar que é o lugar da tristeza. A alegria duradoura é a da infinitude, a euforia momentânea da finitude.

Quando usamos drogas, por exemplo, que podem nos fazer esquecer a dor, o que, de certa forma, traz um tipo de alegria, já que a dor “some” por um tempo. Mas quando o efeito passa, vem o mal estar ou a sensação de vazio que nos faz buscar a droga de novo. Estas são as alegrias passivas. Um pico de alegria, que pode ou não trazer mais dor depois, mas que nunca duram… e podem nos dar a ideia de que só com aquele pico de euforia seremos felizes. 

Mas “pico” é isso. É pontual, é efêmero, uma anomalia em linearidade. E o que é pontual é uma coisa que não trará alegria duradoura, por definição. 

Quando buscamos alegria duradoura no que é euforia do momento, procuramos muito no que é obviamente pouco. Essa alegria da euforia que se confunde com a alegria duradoura é chamada de alegria passiva por Spinoza. É quando, erroneamente, achamos que picos de euforia é o que nos fará duradouramente feliz.

A melhor alegria…

Quando sabemos o que nos faz bem, conseguimos buscar as causas que vão fazer as alegrias durarem mais. Não quer dizer que não possamos ter momentos de euforia… Pelo contrário, alguns momentos de euforia podem fazer tão bem, que podem modificar algo em nós para sempre! E até uma dor momentânea pode causar essa alegria duradoura também…

Pense que você vai pular de paraquedas (supondo que é uma coisa que te apetece, claro). Você está passando mal antes de pular do avião: falta de ar, sensação de desmaio, quer desistir, mas insiste. Você pula. Tem um pico de euforia que nunca sentiu antes. Ao pousar, ainda se sente eufórico. 

Quando a adrenalina vai abaixando, a euforia vai passando e aquela experiência mudou algo em você, te fez ver o mundo diferente, te fez sempre sorrir quando conta sobre o dia do salto, te fez entrar em aulas de paraquedismo para um dia saltar sem instrutor, e a cada aula sua evolução te faz um bem inexplicável… Isto é uma alegria ativa. É algo que te causou e vai causar euforia eventualmente, mas porque você entendeu o que verdadeiramente te faz bem. Entendeu que as sensações e os sentimentos acerca daquela prática são bons para você, independente do que dizem aqueles que não gostam de pular de paraquedas.

Percebe uma coisa… As alegrias da euforia, as passivas, as que vão embora rápido podem se tornar ativas. Ora, você nunca havia pulado de paraquedas, quando pulou percebeu que aquilo te fazia bem. Deliberadamente, ativamente, você busca mais daquela euforia, mas nunca sai triste de nenhum salto de paraquedas.

Diferente das alegrias passivas. Que sempre que a euforia passa, você se sente incompleto, sofrendo, triste… 

O que te causa a alegria que dura mais é justamente o que você pode considerar de causa adequada da sua alegria. Adequada porque se adequa a você, ao seu modo de existir, àquilo com o que você se encontra e se sente mais potente… Com mais vontade de existir, com mais vontade de ser infinito!

Essa perspectiva ajuda a pensar a felicidade, em ser feliz…

Spinoza não disse desse jeito que vou te dizer agora, sou eu que estou dizendo, a partir da minha leitura dele: Quanto mais sentimos essas alegrias duradouras, é sinal de que mais conseguimos manifestar a potência da realidade que se dá através de nós. E se a realidade, como dissemos anteriormente, é infinita, quando nos sentimos nessa alegria duradoura, sentimos que fazemos parte da realidade, que é infinita! Nos sentimos integrados ao infinito! 

​​A felicidade é essa vontade de infinitude, vontade de ETERNIDADE! E para Spinoza, quando temos essas alegrias ativas, duradouras, experimentamos a eternidade!

Eternidade se somos finitos? Sim! Porque o tempo do relógio não conta no infinito, de onde nos sentimos parte nas alegrias ativas, porque nos sentimos tão potentes quanto possível, com a tamanha potência da realidade infinita. O que conta nessa alegria ativa é a fruição do momento que faz com que nada sobre, nada falte, porque tudo é infinito. E porque a realidade se manifesta em nós em forma desse vigor vital (o conatus, a potência) é que sentimos a verdadeira alegria que traduz a potência igual a da infinitude da realidade. Nos sentimos integrados nesse infinito, que é a realidade! 

Essa experiência de eternidade, onde o tempo não se coloca, e nada mais se coloca, que é a presença total, e só fruição de alegrias que são duradouras, Spinoza chama de beatitude. Ele usa esses nomes mesmo, muito ligados às religiões. Mas pra nós, aqui… esquece isso. Eu chamo de felicidade possível, muito mais possível do que uma ideia de felicidade que só fica na nossa imaginação!

O que é felicidade então?

Eu não faço a menor ideia do que é felicidade pra você! E nem sempre é fácil saber o que é pra mim. Felicidade é algo que não cabe em palavras, que é coisa do sentir, não do dizer. É coisa diferente para cada um de nós. Porque só quem sente sabe VERDADEIRAMENTE como se sente, e o que o faz se sentir bem.

E quando sabemos, por nós mesmos, o que nos faz bem, o que aumenta a nossa potência, que nos faz ter essa experiência do eterno nos fazendo sentir como se nossa vida fosse infinita, a tal ponto que não sentimos falta de nada, é a sensação de plenitude. Não pensamos no tempo cronológico porque nos sentimos tão parte dessa realidade, que sentimos que nada além do que já existe poderia existir, já que tudo que existe está nessa realidade, infinita eterna.

Spinoza chamou de Deus, eu chamo de realidade, eu chamo de existência. Seja como for, é isso que é infinito e eterno… E se é infinito, se é eterno… e se nossa vida está nessa realidade, e se o que chamamos de felicidade acontece no nosso tempo finito que é a nossa vida, a felicidade EXISTE! É real, é possível. 

A nossa vida, finita, que era só uma possibilidade do infinito veio a existir. E é através da nossa vida, do jeito que é, que acontece o que chamo de felicidade. Alegrias ativas, experiência de eternidade, que são a expressão da realidade e do aumento da potência da realidade em nós. 

Mas é importante lembrar que nossa finitude vai sempre estar presente, é a nossa condição humano, do nosso “modo de Deus”. Essa finitude vai estar sempre “nos assombrando” tentando se impor como eu disse ali em cima, por isso nossa potência varia, e nos sentimos tristes quando ela diminui (quando o finito se impõe) e alegres quando ela aumenta (quando temos a sensação de sermos eternos, plenos).

Entender isso é nossa melhor possibilidade de amar a vida como ela é, mesmo com as dores. Entender que somos finitos e que essa finitude vai tentar se impor, com tudo que vai inibir nossa potência de existir, podemos buscar a sabedoria para amar a vida, mesmo com as tristezas. Aceitando nossa condição finita, com alegrias e tristezas, podemos nos entender como nos colocar no mundo para ter mais alegrias, buscando o que nos traz as alegrias mais duradouras que nos fazem ter o sentimento da eternidade, mesmo sabendo que, em muitos momentos, fracassaremos em buscar essa plenitude.

Ao entender esses antagonismos da vida, não imaginaremos uma felicidade infinita e inabalável, porque nada que é finito poderia ter algo que fosse infinito e estável. Ao nos percebermos finitos, talvez possamos buscar a felicidade possível através das alegrias ativas,  e não uma felicidade irrealizável, de um ideal inalcançável, de uma estabilidade infinita impossível.

A nossa felicidade é algo que pode existir e parece ser natural. Se nossa vida existe, e são esses momentos de plenitude da nossa vida que eu chamo de felicidade, a meu ver… A vida é perfeita. Não porque não tem nada de ruim, mas porque entendemos como buscar o que aumenta nossa potência de existir. Talvez o importante seja compreender o que somos, com todas as limitações e possibilidades para ser feliz.

A vida feliz que nunca tem nenhuma tristeza é impossível. Lembra que temos a nossa variação de potência? Existem sempre coisas que vão diminuir essa potência. E não temos controle sobre essas coisas. Só podemos agir sobre nós mesmos, a partir de entender sinceramente o que na realidade faz com que nossa potência seja aumentada, que nos causem aquelas alegrias ativas. E quando encontramos, eu diria que é possível dizer que encontramos a felicidade, vivemos o eterno, e o infinito, sem pensar na nossa finitude. 

Nós somos algo que vai acabar, vai passar, e mesmo assim conseguimos nos sentir parte daquilo que é infinito e eterno, parte da realidade, portanto, não de algo impossível que criamos na nossa cabeça que poderíamos chamar de felicidade… A felicidade é essa, que nos integra à realidade; não é a idealização, que nos torna reféns de ideais, que só consideram a imaterialidade da realidade. O pensamento irrealizado é a parte imaterial da realidade, sem a materialidade. E o que vejo em Spinoza é que para ser real, é preciso materialidade e imaterialidade indissociavelmente unidas, por tudo que mostrei até aqui.

Quando temos em nosso pensamento, que é imaterial, uma felicidade que construímos, e buscamos isso na realidade, ficamos privamos de experienciar a realidade e o sentimento de eternidade da realidade, que é a felicidade possível!

Na nossa condição humana a felicidade, a beatitude, seja lá o nome que você quer dar, é possível, é realizável se conseguirmos superar tanto a tristeza quanto a euforia. 

Que ideia linda de felicidade eu tiro de Spinoza… A experiência da eternidade. Nada falta, nada sobra, não há tempo, é pura presença, puro estar no momento, porque “sobrar”, “faltar”, passado ou futuro são coisas de que e quem é finito. E quando nos sentimos integrados à realidade, nos sentimos parte do que nunca acabará, ainda que saibamos que vamos acabar. A questão não se coloca na felicidade, no sentimento do eterno que toma conta do nosso ser finito.

Para Spinoza não nos relacionamos com o infinito… Fazemos parte dele. Que ideia linda de uma forma real de ser feliz… ou não?

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Flaw Bone

Flaw Bone

Pesquisadora, curiosa e comunicadora | Filosofia Prática - UFRJ 🙃

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