A ciência e a guerra se encontram na história de Sergiy Sylantyev. Ele não era um soldado nem um estrategista militar, era, e ainda é, um neurocientista dedicado, liderando um programa de pesquisa sobre sinalização química no cérebro, na Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, mas quando Rússia invadiu sua terra natal, a Ucrânia, em fevereiro de 2022, Sergiy sentiu que não podia ficar à margem da situação.
Para o cientista das neurociências, a invasão não foi apenas um evento noticiado no telejornal, foi algo que trouxe consigo um rastro de devastação e tragédia. Até agosto, cerca de 70.000 soldados ucranianos e 120.000 soldados russos perderam a vida e milhares de civis ucranianos também foram vítimas.
Dada a urgência da situação e a intensidade do conflito, pode-se imaginar que Sylantyev abandonaria completamente a ciência, mas não foi bem assim. Mesmo na guerra, em meio às trincheiras e sob fogo inimigo, ele continuou ligado à sua pesquisa, chegando a trabalhar em um artigo sobre um tratamento à base de aminoácidos para acidentes vasculares cerebrais enquanto estava na linha de frente, e em novembro, retornou ao Reino Unido para sua posição de professor e cientista pesquisador.
Antes de todo esse caos, os sonhos de Sergiy no campo da ciência eram claros: ele queria liderar um grupo de pesquisa em neurociência e disciplinas relacionadas. Desde criança, ele se perguntava sobre os mecanismos cerebrais, como exatamente nossos cérebros funcionam e como podemos direcionar esses mecanismos, aspirando entender as redes neurais por trás da geração autônoma de pensamentos.
Sua carreira o levou por vários cantos do mundo – de Taipei a Canberra, de Londres a Aberdeen. A vida no circuito científico internacional, com seus valores de tolerância e aparente isolamento de questões políticas, parecia distante de conflitos militares.
Compromisso com o país e com a neurociência
Porém, suas origens ucranianas e sua conexão com o país não puderam ser ignoradas quando a guerra irrompeu. A invasão da Rússia não era algo distante para ele, era pessoal. Sergiy que nasceu em Vylkove, uma cidade na região de Odesa na Ucrânia, ouvindo o discurso de Putin e, pouco depois, ao receber a notícia de um ataque com míssil que destruiu a casa de um parente, ele compreendeu a gravidade do que estava acontecendo. Sem hesitação, e mesmo focado na neurociência e sem experiência militar prévia, viajou para a Ucrânia para se juntar à resistência.
A transição de um ambiente acadêmico para o caos do campo de batalha não foi fácil, mas a demanda por novos recrutas era tão alta que o treinamento militar foi curto e intenso.
As probabilidades não estavam a seu favor, ele conhecia os riscos. De seu centro de treinamento, para cada grupo enviado, cerca de 50% morreram. Mesmo nessa situação e, dispostos a lutar pelo seu país, a neurociência nunca o abandonou, nem ele a ela, chegando a fazer correções editoriais em seu artigo enquanto estavam sob ataque de morteiros.
Mesmo pensando que morreria em alguns meses, seu compromisso com a neurociência era tão profundo que ele sentiu a necessidade de finalizar o artigo antes de um possível desfecho fatal.
Depois de estar em uma guerra
Ao voltar para o Reino Unido, o ajuste à vida em um país pacífico foi desafiador. A guerra muda as pessoas, e com Sergiy não foi diferente, mas, curiosamente, não mudou o cientista dentro dele. Ele continuou sua pesquisa e sua paixão pela neurociência. Mas agora, com uma nova perspectiva sobre a vida e sobre os verdadeiros problemas e desafios que enfrentamos.
Antes da guerra, Sergiy tinha algumas colaborações com colegas cientistas russos, mas após o início do conflito, ele cortou relações com eles. Ele até chegou a cancelar sua inscrição em conferências que tinham a participação de cidadãos russos, a menos que eles declarassem publicamente que não apoiavam o regime de Putin.
Sergiy acredita que a ciência não pode ser separada da guerra, e que ela é uma força que sustenta o maquinário militar, defendendo, portanto, que a comunidade científica tem um papel a desempenhar.
Seu relato é um testemunho poderoso dos tempos tumultuados em que vivemos. Embora seu trabalho no campo da neurociência não tenha sido abandonado, um cientista se voluntariar para ir à guerra traz algumas reflexões à tona.
Ao assumir que qualquer habilidade pode se tornar uma vantagem no campo de batalha, ele menciona que o pensamento sistemático demandado pela ciência se destaca, e que vários cientistas estrangeiros também se voluntariaram para lutar na Ucrânia.
Entre colegas e familiares, Sergiy perdeu 11 pessoas na guerra em ataques com mísseis, o que, para ele, ia de encontro à educação dos cientistas sobre aceitar os valores de uma sociedade internacional tolerante.
Parece que as linhas entre ciência, política e guerra são mais tênues do que parecem. E no meio de tudo isso, estão pessoas como Sergiy, que fazem escolhas difíceis, movidas por paixão, princípios e amor à pátria.
Fonte: Nature