Um grande avanço na observação de partículas: Pela primeira vez na história da física quântica, cientistas observaram o entrelaçamento quântico em quarks — as partículas mais pesadas conhecidas no universo. Este feito notável foi alcançado no Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN, o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo, localizado perto de Genebra, na Suíça. Essa descoberta pode abrir portas para novas formas de explorar a física quântica em ambientes de altíssima energia, o que representa um marco importante no entendimento de como o universo funciona em suas menores escalas.
O entrelaçamento quântico, também chamado de “ação fantasmagórica à distância”, é um fenômeno previsto pela mecânica quântica, onde duas ou mais partículas se conectam de maneira que suas propriedades ficam intrinsecamente ligadas, independentemente da distância que as separa. Isso significa que, se você medir uma propriedade de uma das partículas, como seu spin (um tipo de movimento angular), a outra partícula, mesmo que esteja a anos-luz de distância, terá automaticamente uma propriedade correlacionada.
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Esse fenômeno já foi amplamente estudado em partículas como elétrons e fótons, mas sempre em ambientes de baixa energia, como os super-resfriadores usados em experimentos de computação quântica. Até então, o entrelaçamento em partículas que interagem em ambientes de alta energia, como aqueles criados em colisores de partículas, nunca havia sido detectado. A dificuldade sempre residiu no “ruído” gerado por essas interações, que torna o fenômeno difícil de medir.
Este “ruído” refere-se às interferências e efeitos indesejados que surgem em ambientes de alta energia, como as colisões de partículas no LHC. Nessas condições, muitos eventos e interações ocorrem simultaneamente, gerando uma grande quantidade de dados e sinais que dificultam a identificação de fenômenos sutis, como o entrelaçamento quântico. Esse ruído torna mais complicado isolar e medir precisamente as propriedades quânticas das partículas.
No entanto, os avanços nas tecnologias de detecção permitiram que os cientistas finalmente comprovassem o entrelaçamento quântico em quarks, as partículas que formam prótons e nêutrons.
Observando o entrelaçamento de partículas
O entrelaçamento foi observado entre pares de quarks top e antiquarks top, os quarks mais pesados do modelo padrão da física quântica. Essas partículas são formadas nas colisões de alta energia do LHC e, em seguida, decaem rapidamente em outras partículas. Os cientistas da equipe ATLAS do CERN, publicado na Nature, analisaram aproximadamente um milhão de pares de quarks top e antiquarks top e encontraram evidências robustas de entrelaçamento quântico entre eles. Em seguida, a equipe CMS, que opera outro detector no LHC, confirmou esses resultados em um estudo publicado no repositório arXiv (este é um repositório de pré-publicações, portanto, é importante destacar que o artigo da equipe do CMS, até o momento, não foi revisado por pares).
Os quarks top são particularmente adequados para esse tipo de estudo devido à sua breve existência. Eles “vivem” por um tempo incrivelmente curto — cerca de 10⁻²⁵ segundos — antes de decaírem em partículas mais estáveis. Essa curta duração evita que eles se misturem com outras partículas (um processo chamado hadronização), o que torna possível medir com precisão suas propriedades, como o spin.
Essa peculiaridade permitiu que os pesquisadores não apenas medissem o spin dos quarks top, mas também inferissem se suas propriedades estavam correlacionadas de maneira suficiente para indicar o entrelaçamento quântico. Para isso, eles usaram um parâmetro chamado D, que mede o grau de correlação entre os spins dos quarks. Se o valor de D fosse inferior a -1/3, as partículas estariam entrelaçadas. Os resultados mostraram que o D foi medido em -0,537 pela equipe do ATLAS e em -0,480 pela equipe do CMS, confirmando assim o entrelaçamento.
Embora o entrelaçamento quântico seja um conceito amplamente aceito e bem estabelecido na física quântica, sua observação em ambientes de alta energia é uma novidade significativa. A física de partículas em grandes colisões de hádrons, como o LHC, costuma lidar com energias e interações extremamente violentas, o que torna difícil observar fenômenos delicados como o entrelaçamento. No entanto, essa descoberta abre caminho para novas investigações na área de informação quântica em energias muito altas.
É importante destacar que os cientistas já esperavam que o entrelaçamento ocorresse em pares de quarks top, conforme previsto pelo modelo padrão da física de partículas, que é amplamente baseado na mecânica quântica. No entanto, até essa medição ser feita, nunca houve uma comprovação experimental em um ambiente de colisão de partículas tão energético. Para Juan Aguilar-Saavedra, físico teórico do Instituto de Física Teórica em Madri, a relevância da descoberta não se dá apenas por ser algo esperado, mas porque demonstra que ainda há muito a aprender com a verificação de previsões teóricas em cenários complexos.
O papel dos quarks top para a física de partículas
Uma das razões pelas quais o entrelaçamento pôde ser observado em quarks top é justamente sua natureza “transitória”. Diferente de outros tipos de quarks, que rapidamente se combinam com outras partículas para formar prótons e nêutrons, os quarks top decaem antes que esse processo de hadronização ocorra. Isso preserva suas informações quânticas, como o spin, permitindo que os cientistas as estudem em detalhe.
Essa característica foi fundamental para o sucesso do experimento, algo que havia sido sugerido anos atrás por Yoav Afik, físico experimental da Universidade de Chicago, e Juan Muñoz de Nova, físico de matéria condensada da Universidade Complutense de Madri. Durante uma conversa casual, os dois cientistas imaginaram se seria possível medir o entrelaçamento em colisões de partículas e, em seguida, desenvolveram um modelo para testar a ideia. O resultado foi uma nova abordagem que permitiu a observação do fenômeno nos quarks top.
A medição do entrelaçamento em quarks top pode revolucionar a forma como os cientistas estudam a física de partículas em colisores de alta energia. Além de melhorar o entendimento sobre as propriedades dos quarks top, o experimento abre a possibilidade de testar o entrelaçamento em outras partículas, como o bóson de Higgs, e realizar testes quânticos ainda mais rigorosos, como o Teste de Bell, que poderia confirmar a presença do entrelaçamento de maneira ainda mais detalhada.
No início, muitos físicos estavam céticos sobre a utilidade de estudar o entrelaçamento em ambientes de alta energia, já que o fenômeno já havia sido comprovado inúmeras vezes em condições mais controladas. No entanto, essa descoberta recente está mudando essa percepção. Como aponta James Howarth, físico da Universidade de Glasgow, a física de partículas está começando a perceber que colisores como o LHC podem ser usados para explorar fenômenos quânticos complexos e, assim, expandir ainda mais os horizontes da ciência.
A observação do entrelaçamento quântico em quarks marca um avanço significativo no campo da física de partículas, validando previsões teóricas e abrindo novas perspectivas para o estudo da física quântica em energias elevadas, com implicações que podem transformar nosso entendimento sobre as partículas fundamentais que compõem o universo.
Fonte: Scientific American