Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Filosofia Forma Pensadores Melhores?

A ideia de que estudar filosofia melhora a capacidade de pensar não é nova. Desde Platão e Aristóteles, passando por Bertrand Russell e outros filósofos contemporâneos, muitos têm defendido que a prática filosófica desenvolve habilidades intelectuais valiosas: argumentação lógica, clareza conceitual, pensamento crítico e abertura ao diferente. Mas até pouco tempo, essa era uma convicção mais filosófica do que empírica.`

Um estudo recente, publicado no Journal of the American Philosophical Association, oferece agora a evidência mais robusta até o momento de que a filosofia, de fato, torna seus estudantes melhores pensadores. Utilizando um banco de dados que inclui registros de mais de 649 mil estudantes de graduação em mais de 800 instituições nos Estados Unidos, os autores aplicaram técnicas de inferência causal para investigar se a formação filosófica tem impacto mensurável em habilidades cognitivas e disposições intelectuais.

A técnica utilizada, de inferência causal, é um conjunto de métodos usados para identificar se uma coisa causa outra, e não apenas se elas estão associadas.

Por exemplo, se estudantes de filosofia têm notas mais altas, isso pode ser porque estudar filosofia os ajudou (causa) ou porque alunos mais preparados escolhem filosofia (seleção). A inferência causal tenta isolar o efeito real de estudar filosofia, controlando por fatores prévios (como notas iniciais), para entender se a formação, de fato, contribuiu para o desenvolvimento observado.

É uma forma de responder, com dados e estatística, à pergunta: “Isso aconteceu por causa disso, ou apenas junto disso?”. Isso aponta para um aspecto importante do conhecimento humano: a capacidade de avaliar dados e informações estabelecendo, de forma clara e distinta, a relação causal (ou não) entre eles.

A Base do Argumento: Filosofia Tem Valor Porque Forma Boas Mentes

O raciocínio central que embasa a pesquisa e que buscou ser validado é direto: 

Premissa 1: Se uma atividade cultiva habilidades e disposições intelectuais valiosas, então ela tem valor. 

Premissa 2: Estudar filosofia cultiva essas habilidades e disposições. 

Conclusão: Logo, estudar filosofia tem valor.

A primeira premissa é quase autoevidente para qualquer pessoa preocupada com educação de qualidade. A segunda, por sua vez, depende de evidências empíricas, e é justamente ela que o estudo se propõe a investigar em profundidade.

A Importância de Controlar a Autoseleção

Os testes que foram usados no estudo como indicadores confiáveis de habilidades cognitivas desenvolvidas ao longo da graduação, especialmente aquelas que a filosofia se propõe a fortalecer foram o GRE (Graduate Record Examination) e LSAT (Law School Admission Test), amplamente utilizados nos Estados Unidos para admissão em programas de pós-graduação e em faculdades de Direito, respectivamente.

O GRE Verbal mede compreensão de textos, vocabulário e raciocínio lógico com linguagem, o GRE Quantitativo avalia habilidades matemáticas e resolução de problemas com números, e o LSAT foca principalmente em raciocínio lógico e análise de argumentos, sendo altamente valorizado em contextos que exigem pensamento crítico rigoroso.

Um desafio metodológico recorrente em pesquisas educacionais é a autoseleção. Alunos que escolhem filosofia já tendem a ter certas características: são mais reflexivos, mais curiosos, têm melhor domínio verbal e maior abertura ao novo. Não basta, portanto, observar que estudantes de filosofia têm desempenho melhor em testes como GRE ou LSAT, pois isso pode simplesmente refletir o perfil de quem escolhe esse curso,  e não o impacto do curso em si.

Para lidar com esse problema, os autores utilizaram um método chamado “ajuste por covariáveis”, controlando estatisticamente os escores iniciais dos alunos (no ingresso à faculdade) ao comparar seus desempenhos na saída (ao fim da graduação). Isso permite isolar, com mais precisão, o efeito real do curso sobre as habilidades avaliadas.

Além do GRE Verbal, o GRE Quantitativo e o LSAT, o estudo utilizou escalas de autorrelato. Além destes, foram usadas duas escalas desenvolvidas pela Higher Education Research Institute, o Habits of Mind que mede comportamentos associados à curiosidade, rigor intelectual e disposição para aprender de forma autônoma; e o Pluralistic Orientation que avalia abertura para o diálogo com diferentes perspectivas, tolerância e capacidade de lidar com a diversidade.

A Filosofia Ainda Faz Diferença

Mesmo após controlar as diferenças iniciais entre os alunos, – como notas do SAT (um teste padronizado usado nos Estados Unidos para ingresso no ensino superior, que avalia habilidades verbais e matemáticas desenvolvidas no ensino médio) e o perfil socioeconômico –, estudantes de filosofia continuaram se destacando em diversas medidas:

GRE Verbal: filosofia ficou em 1º lugar entre 57 cursos, com desempenho significativamente superior à média.

LSAT: também lideraram, com um efeito considerado “pequeno para médio” em termos estatísticos.

Habits of Mind: novamente em 1º lugar, indicando desenvolvimento de hábitos intelectuais importantes como curiosidade, busca por soluções alternativas e pensamento analítico.

Pluralistic Orientation: filosofia ficou em 6º lugar entre 62 cursos, mostrando uma forte associação com disposições como tolerância e abertura ao contraditório.

Por outro lado, no GRE Quantitativo, o desempenho foi mediano (30º lugar entre 57 cursos), o que confirma que a formação filosófica tem mais impacto em áreas verbais e argumentativas do que em raciocínio matemático.

E Se Só Os Melhores Estudantes de Filosofia Fizessem Esses Testes?

Outro possível viés seria imaginar que só os melhores alunos de filosofia – aqueles mais talentosos ou motivados – decidem fazer o GRE ou o LSAT, inflando a média da área. Para investigar isso, os autores analisaram a relação entre pontuação no SAT e a probabilidade de o aluno prestar o GRE ou LSAT. Eles não encontraram diferença significativa entre estudantes de filosofia e os de outras áreas nesse aspecto. Ou seja: não há evidência de que os “mais brilhantes” da filosofia estejam super-representados nas amostras dos testes.

Implicações para a Educação e a Sociedade

A pesquisa reforça que estudar filosofia tem efeitos concretos e mensuráveis. Isso não significa apenas formar bons argumentadores ou candidatos competitivos para o direito e a pós-graduação, mas também desenvolver capacidades fundamentais para a cidadania em uma sociedade democrática: pensar com rigor, ouvir outras perspectivas, aceitar críticas, questionar pressupostos.

Essas habilidades são especialmente valorizadas hoje, num contexto em que discursos simplistas, polarizações ideológicas e desinformação ganham espaço. Saber argumentar bem é importante, mas saber ouvir, reformular uma crença à luz de bons argumentos e buscar compreender o outro são traços ainda mais cruciais.

Limitações e Perspectivas Futuras

Os autores reconhecem que os testes utilizados não capturam todo o espectro do que se entende por virtude intelectual. Por exemplo, não é possível saber, com esses dados, se os alunos usam essas habilidades com as intenções certas, nos contextos certos, ou em benefício do bem comum. Além disso, não foram avaliadas outras dimensões do valor da filosofia, como sua capacidade de promover autonomia pessoal, senso ético ou compreensão existencial.

Eles sugerem, inclusive, investigações futuras sobre diferenças entre subáreas da filosofia (como ética versus lógica) ou comparações entre estudantes com maior ou menor carga horária em disciplinas filosóficas.

Bem… Se você já suspeitava que estudar filosofia “faz bem para a cabeça”, agora há evidência sólida para sustentar essa intuição. Filosofia não apenas atrai pessoas com habilidades intelectuais acima da média, mas também contribui para desenvolvê-las ainda mais. A clareza de pensamento, a disposição ao diálogo e o rigor analítico estão cada vez mais escassos, e o estudo da filosofia mostra-se não apenas relevante, mas necessário.

Seja por interesse pessoal, desenvolvimento profissional ou formação social ética, mergulhar na filosofia pode ser uma escolha mais prática do que parece.

Fonte: Cambridge

Futuro Relativo

Futuro Relativo

Um espaço de divulgação, de diálogo, de pensar e porque não dizer, de construir o futuro 🪐
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors