A possível detecção da matéria escura, uma substância que se acredita compor 85% da massa do universo, é um desafio da ciência que já dura mais de duas décadas. Um mistério que intriga os físicos ao redor do mundo, extremamente difícil de observar diretamente. Este enigma, iniciado pelos resultados do experimento DAMA/LIBRA no Laboratório Nacional de Gran Sasso (LNGS) na Itália, está prestes a ganhar um novo capítulo, em um novo laboratório multi-milionário na Coreia do Sul, chamado Yemilab, que promete apresentar um novo panorama dessa controversa reivindicação.
A matéria escura é um dos maiores mistérios da física moderna. Embora se acredite que ela compõe a maior parte da massa do universo, sua detecção é um desafio monumental. Isso ocorre porque a matéria escura interage muito pouco com a matéria comum e não interage com a luz, tornando-a invisível aos métodos de observação tradicionais.
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O experimento DAMA/LIBRA, realizado no LNGS, vem registrando há anos uma flutuação anual em seus detectores de flashes de luz, que parece indicar a presença de matéria escura. Segundo a teoria, essas flutuações correspondem ao movimento da Terra em relação à matéria escura enquanto orbita o Sol e, por sua vez, o centro da Via Láctea. Em junho, a Terra estaria se movendo na mesma direção que o Sol através da matéria escura, aumentando a quantidade de interações e, consequentemente, de sinais detectados. Em dezembro, a Terra estaria se movendo na direção oposta, resultando em menos interações.
No entanto, até hoje, nenhum outro experimento conseguiu replicar de forma definitiva os resultados do DAMA/LIBRA, gerando dúvidas sobre a veracidade das descobertas. Para resolver essa controvérsia, uma nova abordagem experimental está sendo implementada no coração de uma montanha em Jeongseon, na Coreia do Sul.
O papel do Yemilab na investigação da matéria escura
Em junho, pesquisadores concluirão a instalação de um detector aprimorado no Yemilab, um novo laboratório subterrâneo de ponta, com o objetivo de que o experimento atualizado, conhecido como COSINE-100, esteja operando plenamente até agosto. Liderado por Hyun Su Lee, físico do Instituto de Ciência Básica (IBS) em Daejeon, Coreia do Sul, o COSINE-100 pretende finalmente resolver a polêmica sobre a matéria escura.
O Yemilab, com seus 3.000 metros quadrados de espaço e situado a um quilômetro de profundidade, supera seu antecessor, o Laboratório Subterrâneo de Yangyang (Y2L), tanto em profundidade quanto em volume. Desde setembro de 2023, os experimentos do Y2L estão sendo transferidos para o Yemilab, onde iniciarão suas novas fases de pesquisa até o final deste ano.
Diversos grupos tentaram replicar os resultados do DAMA/LIBRA usando métodos e materiais similares. Entre esses, destaca-se o próprio COSINE-100, que desde 2016 opera no Y2L. O detector utiliza cristais de iodeto de sódio, os mesmos usados no DAMA/LIBRA, que emitem pequenos flashes de luz ao serem atingidos por partículas subatômicas. No entanto, nenhum dos experimentos conseguiu reproduzir os resultados italianos, levantando questões sobre possíveis erros nos métodos de análise ou problemas inerentes aos detectores.
Um dos desafios enfrentados é que os cristais utilizados no COSINE-100 contêm até três vezes mais radiação do que os usados no DAMA/LIBRA, o que pode mascarar os sinais sutis das possíveis partículas de matéria escura. Para superar essa dificuldade, a equipe do COSINE-100 está desenvolvendo cristais de iodeto de sódio ainda mais puros, com níveis de radiação mais baixos. Esse aprimoramento, previsto para a próxima fase do experimento, chamada COSINE-200, visa gerar dados suficientes em um período de tempo menor, permitindo conclusões mais sólidas sobre os resultados do DAMA/LIBRA e uma busca por matéria escura de baixa massa.
Além da matéria escura, o Yemilab também está focado na detecção de neutrinos, partículas sem carga que possuem massa extremamente pequena. O experimento AMoRE, em sua segunda fase, buscará sinais de um processo hipotético chamado decaimento beta duplo sem neutrinos, onde dois nêutrons se transformam em prótons e elétrons sem emitir neutrinos. A observação deste processo demonstraria que os neutrinos são suas próprias antipartículas, fornecendo pistas sobre sua massa e explicando a predominância de matéria sobre a antimatéria no universo.
A fase aprimorada do detector de neutrinos utilizará cerca de 160 quilos de cristais de molibdênio-100, um radioisótopo natural. Com o início das operações do AMoRE-II previsto para o final deste ano, o experimento será 100 vezes mais sensível do que sua versão anterior.
A busca pela matéria escura e neutrinos no Yemilab é aguardada com grande expectativa pela comunidade científica. Independentemente de os experimentos confirmarem ou não a presença da matéria escura ou observarem processos raros de neutrinos, os resultados terão profundas implicações. Se os experimentos não detectarem nada, pode ser necessário repensar muitas das nossas teorias atuais sobre o universo.
Nicola Rossi, físico de partículas do LNGS, ressalta o esforço significativo da comunidade científica em reproduzir os resultados do DAMA/LIBRA. Henry Tsz-King Wong, físico da Academia Sinica em Taiwan, enfatiza a importância de se ter uma comparação rigorosamente equivalente entre os experimentos, apontando que os aprimoramentos do COSINE-100 são cruciais para uma análise mais clara e definitiva.
Em resumo, a instalação do Yemilab representa um marco na pesquisa sobre a matéria escura e neutrinos. Com a expectativa de resultados conclusivos vindos dos experimentos COSINE-100 e AMoRE-II, a comunidade científica aguarda ansiosamente pelo desenrolar desses estudos. A confirmação ou refutação dos resultados do DAMA/LIBRA poderá redefinir nossa compreensão do universo, abrindo novas perspectivas e talvez uma possível revisão sobre as teorias da física de partículas e cosmologia.
Fonte: Nature