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Onde física quântica e filosofia se encontram

Filosofia, física quântica, psicologia, mente, cérebro… Quanto nó! Quero compartilhar um incômodo. Eu não podia ficar com essa “bucha” só pra mim. 

A academia pode ter alguns caminhos bem tortuosos e, em um desses, reencontrei Filipe Salles, um antigo professor que há muito já me despertou admiração. Agora, além da admiração, suas ideias têm me causado um tremendo desconforto, me colocando cara a cara com a minha ignorância e com a minha incapacidade infinita de responder a algumas coisas…

Quando pensamos na mistura de física quântica, com a filosofia, com a mente, com psicologia analítica, a coisa parece bizarra, e ao mesmo tempo exerce um magnetismo sobre nós… Ou, pelo menos, sobre mim. 

Físicos da ciência subatômica e filósofos têm perguntas infindáveis a serem respondidas. Não são os únicos, bem sabemos. Mas será que não é certo, em certa medida, dizer que nestes dois casos as questões são da monta das crises existenciais que nos assolam desde o começo dos tempos? Cada um, à sua maneira, busca oferecer uma nova perspectiva, um sistema de compreensão para lidarmos com tudo que nos cerca, refutando o que já é dado, o que é intuitivamente assimilável

Ciência e filosofia pretendem nos oferecer modelos de compreensão, modelos de pensamento a partir de uma interpretação de determinado fenômeno, do que aparece para nós, de onde depreende-se sistematicamente um método que se pretende, no mínimo, comunicável e cognitivamente aceitável. Mas e quando o cognitivo parece insuficiente?

A física quântica, a filosofia e mais um monte de coisas…

A ideia de informação não-localizada é intrigante, embora eu não reconheça a possibilidade de conhecer sem experienciar algo, ainda que só em pensamento. Tem coisa que fica só na ideia, tudo bem, mas, no geral, a idealização me parece mais sinal de perigo do que outra coisa e, pra minha vida prática, adoto condutas e premissas que nem de longe encerram minhas dúvidas, sempre crescentes. E os absolutos, que sempre foram distantes, parecem quase inconcebíveis.

Salles, o professor que comentei, me apresentou ao físico David Bohm e ao seu universo holográfico, princípio que diz que subjacente à ordem manifesta (ordem explicada) das coisas está a ordem implicada, que descreve a estrutura fundamental da realidade, onde tudo está interconectado, e que o todo pode estar contido em suas partes. Pense no que acontece com o holograma: É um plano bidimensional (uma parte) em que vemos de forma tridimensional (o todo).

Igualmente fui apresentada ao neurocientista Karl Pribram, que depois de seus experimentos falou em um modelo muito similar, a consciência holográfica. Retirando pedaço por pedaço dos cérebros de animais sem que sua memória fosse alterada, Pribram concluiu então sobre a impossibilidade de localizar a memória no cérebro, chegando à sua tese de que a consciência não poderia estar em um lugar só, logo, outra hipótese da não-localidade.

Depois veio o fundador da psicologia analítica Carl Jung e a sua ideia de inconsciente coletivo, que postula que todo o conhecimento da humanidade desde a sua existência está em todo lugar ao invés de estar em um lugar só e que, por ressonância, acessamos nódulos energéticos que são detentores do conhecimento. Com esses três, Salles já tinha me feito questionar um zilhão de coisas.

Tudo bem abstrato, né? Também acho. E aí vem a física quântica e sua sopa quântica com inúmeras lacunas sobre a interconectividade de tudo que existe, as possibilidades de comportamentos diversos de uma mesma entidade quântica, a superposição, o entrelaçamento e mais um monte de coisas que parecem fugir à nossa capacidade de compreensão… e nesse ponto minha ignorância e incapacidade de entender o mundo já estão escancaradas.

Nem pretendo defender nenhum desses teóricos, nem teria argumentos suficientes para sustentar (ou refutar) os já citados e outros gigantes como Bohr e Heisenberg. Mas até onde sei, as propostas da física quântica resultaram em aplicações práticas como computação quântica, transistores, lasers, LEDs, criptografia quântica, só para citar algumas coisas.

Dito isso, parece que a física quântica tem uma importância bem tangível, mesmo com tantas lacunas a serem preenchidas. E essa mesma ciência que teve aplicações práticas tão importantes é a que sustenta a não-localidade.

E nessa, não podemos deixar de pensar na possibilidade de tudo poder mesmo estar interconectado. E mais maluco ainda é pensar nas nossas condições de possibilidade (e não estou falando do sentido kantiano da palavra) de entender o mundo, nas nossas capacidades cognitivas que podem ser incrivelmente limitadas, porque tudo que pensamos, pensamos espaço-temporalmente… Mas e se houver outra forma de compreender a realidade que não conseguimos acessar?

Se entendemos tudo em um espaço e em um tempo determinados, como poderemos acessar um jeito de apreender algo que não pelo espaço e tempo? Parece que não tem como saber, percebe? E é exatamente por isso que simplesmente não consigo sustentar ou refutar que todo nosso conhecimento e todas as nossas ações estejam ou não conectadas de certa forma, ou que nossa capacidade de entendimento seja a única ou sequer suficiente para explicar tudo que existe.

Filosofia na prática

A despeito de eu ser capaz ou não de discorrer sobre a possibilidade de um entendimento extremamente limitado da espécie humana ou de tudo estar conectado ou não, é preciso viver, fazer a vida acontecer! 

Pensando nisso, é natural pender para um lado ou outro e, de certa forma, pra mim faz sentido que tudo seja uma coisa só, não sei se da mesma forma que propôs a física quântica ou algum dos teóricos e cientistas que mencionei, talvez seja ainda de outra maneira. 

À maneira de Spinoza, talvez, onde tudo é uma coisa só: a substância única e infinita, com mente e corpo em uma só coisa, da qual somos parte, da qual somos constituintes e não constituídos por ela, da qual somos apenas modos.

Somos pedacinhos pensantes de um todo que em si já é pensante, que é o que é porque somos o que somos, como somos, quando e onde somos. Não só nós somos isso, mas tudo que já existiu, existe e existirá. Um determinismo que não é determinante que, no fim das contas, nos coloca diante de uma possibilidade de ressignificar tudo que naturalmente se impõe, como então só poderia ser. Uma autonomia que nasce de um determinismo, por isso talvez uma das que mais faz sentido, porque afasta as utopias.

Mais do que isso, o ser de Spinoza é o desejo de continuar sendo, a pulsão de perseverar na existência, se compondo da melhor forma com tudo que existe, – já que somos a mesma coisa e por isso uma “composição” –,  em um jogo de forças infinito de tudo que também só deseja ser o que é, ou seja, só se esforça para existir.

Spinoza oferece uma visão suficiente pra que se possa levar a vida: a imanência de tudo. E isso faz vai ao encontro do que é próprio do ser humano, já que só podemos compreender as coisas do jeito que compreendemos, de uma maneira imanente (lembra da coisa do espaço e do tempo?)… com as limitações e maravilhas de ser um ser humano.

Isso faz sentido inclusive no pensamento deliberado de se conectar com o que não conseguimos explicar claramente, porque nem sempre é preciso explicação, basta a verdade do sentir que faz o sentimento pela vida sempre maior. A sensação é verdadeira, ainda que nem sempre explicada.

Seja pela física quântica ou por algum pensador, a visão de que a realidade é uma coisa só parece nos oferecer argumentos para aprender a como nos relacionar com tudo que somos e com tudo que é. Talvez assim possamos nos lembrar da humildade necessária para ter uma vida que vale a pena ser vivida. A humildade que nos diz que o mundo não é nosso umbigo e que tudo que podemos conhecer é pouco do tudo. Se essa não é uma visão linda de mundo… eu sei lá qual seria.

Ou nada disso. O legal da filosofia não é nem concordar, é a disposição para se aproximar. E chegar perto do que causa desconforto parece ainda mais legal!

Fontes: Algumas leituras incríveis pra pensar em tudo isso, por mais que você não concorde com nada: os artigos de André Martins na Revista Trágica, um em especial, e o último livro de Felipe Salles.

Flaw Bone

Flaw Bone

Pesquisadora, curiosa e comunicadora | Filosofia Prática - UFRJ 🙃

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