Os físicos de partículas estão dando uma forcinha à ciência, se transformando em verdadeiros influenciadores! Essa galera está em campanha massiva para promover o colisor de múons.
E caso você esteja se perguntando, múons são tipo os primos turbinados dos elétrons. Você pode saber um pouco mais sobre essas partículas neste artigo aqui. É só clicar!
Em 2021, um manifesto intitulado The Muon Smasher’s Guide (O Guia do Esmagador de Múons, em tradução livre) foi lançado. Nele, a mensagem era clara: “Não construímos aceleradores para confirmar o que já sabemos, mas para explorar o desconhecido.“
O acelerador de múons combina o melhor dos dois mundos dos aceleradores atuais, que colidem prótons ou elétrons. Cada técnica tem suas vantagens. Os prótons que são pesados, – que na verdade são a conjunção de partículas menores –, resultando em colisões com alta energia mas um pouco bagunçadas, enquanto os elétrons colidem de forma limpa, porém com menos energia.
O LHC (Large Hadron Collider – em tradução livre: Grande Colisor de Hádrons) é um acelerador que colide prótons para testar os limites do Modelo Padrão da Física. Esse modelo ainda tem suas limitações, por exemplo: Não explica a gravidade e muito menos o que é essa tal de matéria escura.
Até hoje, ninguém conseguiu fazer múons colidirem, principalmente porque eles têm uma vida curtíssima, de apenas 2,2 microssegundos. Mas se conseguíssemos fazer isso, teríamos colisões limpas e super energéticas, perfeitas para desvendar os mistérios além do Modelo Padrão, causando uma verdadeira revolução na ciência.
O futuro dos aceleradores está nas mãos do P5 (Particle Physics Project Prioritization Panel – em português: Painel de Priorização de Projetos de Física de Partículas), um comitê que decide, a cada década, as prioridades da física de partículas.
Mesmo sem garantias de que encontrem novas partículas, estão todos na expectativa para o acelerador de múons estar nas prioridades do relatório do P5, que tem previsão para ser lançado agora, no outono nos EUA (entre setembro e novembro), porque afinal de contas, isso seria algo que mudaria como compreendemos o universo.
Os múons entram no palco da física de partículas
O “probleminha” com os múons é sua curtíssima vida. Por isso, eles precisam ser resfriados, focados e acelerados quase à velocidade da luz. A técnica mais promissora envolve fazer os múons passarem por um meio, como o hidrogênio líquido, que drena sua energia. Depois, imãs potentes os focam e os aceleram em um circuito, onde colidem antes de se desintegrar. E, por curiosidade, já existem variações deste plano há décadas.
Em 2011, o Departamento de Energia dos EUA fundou o Programa de Aceleradores de Múons (MAP – Muon Accelerator Program). Um grupo de físicos mergulhou em modelos computacionais para descobrir quais designs poderiam realmente funcionar, e duas descobertas parecem ter mudado a rota do foco do colisor de múons.
A primeira foi que quando os múons se desintegram, produzem neutrinos, – partículas tão levinhas que mal interagem com a matéria. A produção de neutrinos por múons sempre chamou a atenção e acreditava-se que um acelerador de múons seria o único jeito de verificar se neutrinos se comportam diferente de antineutrinos. Mas, em 2012, essa questão foi respondida pelo Experimento de Neutrinos do Reator Daya Bay, na China, então direcionando a atenção dos físicos de partículas para esse projeto, deixando de lado o acelerador de múons.
E a segunda reviravolta foi a descoberta do bóson de Higgs, a partícula que “dá” massa às outras partículas elementares. Muitos físicos, fascinados com o Higgs, querem estudá-lo em detalhe, transformando o LHC em uma “fábrica de Higgs”. Assim, em 2014, ao invés de investir em aceleradores de múons, a proposta foi melhorar o LHC. Com isso, o MAP acabou sendo descontinuado.
A história não terminou por aí porque uma equipe de físicos italianos surgiu querendo estudar uma nova forma de gerar múons, e, sem recursos, Donatella Lucchesi, do Instituto Nacional de Física da Itália, voou para Fermilab buscando resgatar códigos antigos. Mesmo que a abordagem italiana não tenha decolado, pesquisadores nos EUA ficaram atentos e retomaram as pesquisas.
Lá em 2010, a ideia de um acelerador de múons parecia apenas um sonho distante para muitos físicos nos EUA, e ninguém parecia saber por que precisariam do acelerador, mas as coisas começaram a mudar..
Em 2020, as teorias supersimétricas (SUSY) propuseram um tanto de novas partículas a serem estudadas, que poderiam até ser a resposta para o enigma da matéria escura. Mas o LHC, mesmo após descobrir o bóson de Higgs, não encontrou nenhuma outra partícula no estilo SUSY. Daí veio a chamada “crise” da nova física, fazendo com que os físicos avaliassem outras opções para conseguir colisões de alta energia para entender melhor a física eletrofraca e o papel do bóson de Higgs.
A física eletrofraca refere-se à unificação de duas forças fundamentais da natureza em energias extremamente altas: a força eletromagnética e a força fraca. Enquanto a força eletromagnética controla o comportamento de partículas carregadas, como os elétrons, a força fraca governa processos específicos, como o decaimento radioativo. Quando essas duas forças se combinam em altas energias, elas operam como uma única força conhecida como “eletrofraca”.
A importância do Higgs é crítica: um simples parâmetro errado e os átomos nunca teriam se formado. Com a ausência de sucessos notáveis da teoria SUSY, reavaliando opções de colisore, perceberam que apenas o acelerador de múons poderia oferecer a energia e precisão necessárias.
Graças ao trabalho da equipe MAP e dos italianos, agora o acelerador de múons não era mais um sonho distante. Em 2020, um experimento comprovou que era possível resfriar múons e com um novo design e técnicas do LHC, acredita-se que, em breve, poderemos ver múons colidindo com clareza.
Em busca de resultados mais rápidos
No mundo da física de partículas, parece que estamos diante de uma intensa competição. Cada colisor tem suas promessas e desafios. O ILC no Japão, embora pronto no papel, está à mercê de decisões políticas. O grandioso sonho do FCC no CERN, embora impressionante, apresenta cronogramas que se estendem além da vida de muitos jovens físicos de hoje. Por outro lado, o colisor de múons oferece uma esperança, prometendo resultados mais rápidos e um salto nas capacidades energéticas.
E o colisor de múons tem algo mais: um grupo de jovens físicos apaixonados defendendo sua causa. Eles desejam não apenas compreender o universo, querem garantir que essa busca permaneça dentro de sua vida profissional. Eles veem o colisor de múons não apenas como uma resposta às muitas questões prementes da física, mas também como uma solução oportuna.
Esse sentimento ecoa a tensão eterna entre a velha guarda e a nova geração na ciência. Os mais velhos, com sua sabedoria e cautela, já passaram por longos ciclos de descoberta, às vezes esperando décadas para ver os frutos de seu trabalho. A nova geração, cheia de energia e urgência, sente mais agudamente o peso de seu tempo limitado.
Quanto tempo alguém pode esperar por respostas? Quantas gerações são necessárias para desvendar os mistérios do universo? O colisor de múons está ganhando impulso e, com seu grupo de jovens defensores, pode oferecer à comunidade da física de partículas o meio termo de que ela precisa: um salto nas capacidades sem a longa espera.
O que ficou pra trás e o futuro da ciência de partículas
Waxahachie, no Texas, tornou-se um símbolo melancólico para a física de partículas nos EUA. Este local marcado por túneis inacabados, carrega consigo os sonhos esquecidos e os bilhões de dólares investidos no Supercondutor Super Colisor (SSC).
Se tivesse sido finalizado, o anel do SSC, abrangendo 87 km, teria sido uma potência no mundo dos colisores, explorando territórios energéticos ainda não alcançados. Muitos acreditam que o esse projeto teria descoberto o Higgs muito antes do LHC, além de, potencialmente, outros segredos do universo.
As razões para a descontinuação do SSC são variadas e complexas: desde má gestão orçamentária e oposição de outros físicos até incidentes diplomáticos insólitos envolvendo líderes mundiais. Esta dolorosa lembrança tem atuado como um aviso constante para os físicos de partículas nos últimos 30 anos: não é garantido que grandes projetos se concretizem.
Mas agora, o entusiasmo pela proposta de um colisor de múons é um testemunho da resiliência e ambição inabaláveis da comunidade científica. Ao se aventurarem na fronteira da física, seguindo o caminho dos múons, os físicos não estão comprometidos porque é fácil, mas porque é difícil; não apenas por causa das possíveis descobertas que podem fazer, mas porque a jornada em si é valiosa para a física de partículas e para caminhos inexplorados da ciência!
Fonte: Scientific American