Na jornada para transformar a fusão nuclear em uma fonte de energia prática e sustentável, um experimento recente conseguiu superar dois dos principais obstáculos que têm desafiado cientistas. Em um reator tokamak pequeno, o experimento realizado na Instalação Nacional de Fusão DIII-D, poderia significar uma nova página para o futuro da energia limpa, embora uma aplicação comercial ainda pareça estar a alguns anos de distância.
No coração do reator tokamak, plasma — o quarto estado da matéria, mais quente até que a superfície do sol — é confinado magneticamente em uma câmara em forma de rosquinha. Controlar esse plasma superaquecido é uma das maiores dificuldades da fusão nuclear. Tradicionalmente, atingir e manter altas densidades de plasma tem sido um desafio devido ao limite de Greenwald, uma barreira teórica que prevê até onde a densidade do plasma pode ser aumentada antes que ele escape do controle magnético, com potencial de causar danos ao reator.
No entanto, a equipe de Siye Ding da General Atomics em San Diego, Califórnia, não só aumentou a densidade do plasma em 20% acima deste limite, mas também manteve essa densidade por 2,2 segundos, uma duração e estabilidade sem precedentes. Eles alcançaram este resultado manipulando a densidade do plasma de maneira que fosse mais alta no núcleo e mais baixa nas bordas mais próximas ao vaso de contenção. Isso permitiu que o plasma central operasse acima do limite de Greenwald sem risco de escapar, enquanto as bordas permaneciam dentro de limites seguros.
Um aspecto crucial deste experimento foi a utilização da métrica H98(y,2), que combina várias medições e valores para indicar quão bem o plasma está sendo contido pelos ímãs. Um valor de 1.0 ou mais significa que o plasma está sendo efetivamente mantido no lugar, e neste experimento, esse valor foi superado, sinalizando um confinamento bem-sucedido do plasma.
Gianluca Sarri da Universidade Queen’s em Belfast explica que os plasmas são extremamente complicados e sensíveis, e por isso pequenas mudanças nas condições podem levar a grandes alterações no comportamento do plasma. O método de experimentação até agora tem sido bastante empírico, dependendo de tentativa e erro para descobrir configurações que funcionem melhor. Isso envolve forçar o plasma a se comportar de maneiras que são contra sua natureza, um desafio que exige precisão e inovação constante.
Desafios de escala e o futuro da fusão nuclear
Um dos maiores questionamentos que surgem desse sucesso é se esses resultados podem ser replicados em reatores maiores, como o ITER, que está sendo construído na França. O ITER terá um raio de 6,2 metros, bem maior do que o raio de 1,6 metros do reator DIII-D, e espera-se que comece a criar plasma em 2025. A capacidade de replicar essas técnicas em uma escala tão maior será crucial para o progresso da fusão nuclear como uma fonte de energia viável.
Embora este experimento represente um passo significativo em direção à realização da fusão nuclear como uma fonte de energia prática, ainda estamos provavelmente a uma década, senão mais, de ver um reator comercial em operação. Siye Ding expressa esperança de que este trabalho possa ajudar a focar os esforços de pesquisa em todo o mundo, enfatizando que muitos projetos de reatores exigirão altos níveis de confinamento e densidade simultaneamente, algo que agora foi demonstrado ser possível, pelo menos em escala experimental.
Este pode ser um sinal de que a era onde a fusão nuclear poderia oferecer uma fonte de energia quase inesgotável e sustentável pode estar se aproximando ou que, pelo menos, existem muitos esforços direcionados a viabilizar uma fonte de energia alternativa.
Embora os desafios nessa longa jornada não sejam poucos e nem fácil de serem superados, essa investigação se mostra fundamental onde a humanidade se vê diante de impactos climáticos preocupantes com as fontes de energia que utilizamos hoje. A degradação do meio ambiente é um assunto urgente e a fusão nuclear, com sua promessa de uma energia limpa e abundante, pode mudar a nossa realidade.
Fonte: NewScientist