A nossa interação com a inteligência artificial por meio da nossa linguagem natural foi um dos fatores-chave para o alvoroço que essa tecnologia causou. Agora imagine que esses sistemas inteligentes não sejam só capazes de entender nossa linguagem, mas também consigam incorporar novas palavras e contextos com a mesma destreza que um ser humano. Pois é, pode ser que estejamos um passo mais perto disso!
Cientistas acabam de anunciar um enorme avanço na área de redes neurais, com a criação de uma inteligência artificial que demonstra uma habilidade quase humana para fazer generalizações sobre a linguagem.
Essa IA não é apenas um passo à frente, ela está literalmente correndo na frente do pelotão, superando até mesmo o famoso ChatGPT em sua capacidade de assimilar novas palavras rapidamente e utilizá-las de maneira inovadora.
Quando o ChatGPT surgiu sua habilidade de conduzir conversas de maneira incrivelmente natural impressionou a todos, mas agora, colocado à prova contra essa nova rede neural, o chatbot queridinho pareceu um pouco antiquado.
Os novos estudos com a impressionante nova inteligência artificial foram divulgados na revista Nature recentemente, apontando um grande potencial de redefinir como as máquinas interagem conosco, trazendo uma naturalidade nunca antes vista, mesmo comparado aos melhores sistemas de IA disponíveis hoje.
E é justamente aqui que a coisa fica interessante. Embora sistemas baseados em grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, se destaquem em uma variedade de contextos conversacionais, eles ainda apresentam lacunas e inconsistências notáveis em outros. A nova rede neural, no entanto, parece ter quebrado essa barreira, abrindo caminho para interações mais suaves e intuitivas.
Paul Smolensky, cientista cognitivo especializado em linguagem na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, não poupou elogios ao avanço, destacando-o como um “avanço na capacidade de treinar redes para serem sistemáticas”.
Como essa evolução na compreensão da linguagem pela IA pode afetar nosso dia a dia e a forma como interagimos com a tecnologia?
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Aprendendo a linguagem
A habilidade humana para generalizar e aplicar novas palavras em diferentes contextos é impressionante.
Essa generalização sistemática é reconhecida pela nossa capacidade de utilizar, sem esforço, termos e palavras recém adquiridos, mesmo em novos ambientes. Por exemplo, depois que alguém compreender o significado da palavra ‘trollar’, poderá usá-la em diversas situações, como ‘trollar o amigo’ ou ‘trollar durante uma live’. Da mesma forma, alguém que entende a frase “o gato persegue o cachorro” também entenderá “o cachorro persegue o gato” sem se esforçar.
É quase como se nosso cérebro tivesse uma espécie de superpoder relacionado à linguagem, que o torna capaz de remixar e reaplicar palavras e frases à vontade.
Mas e as máquinas? Como elas lidam com esse truque linguístico?
Historicamente, as redes neurais — nossa melhor tentativa de emular o funcionamento do cérebro humano na inteligência artificial — têm tropeçado quando o assunto é generalização sistemática. Diferentemente de nós, humanos, elas precisam de uma tonelada de exemplos e treinamento para conseguir utilizar uma nova palavra corretamente. É como ter que ler um dicionário inteiro toda vez que você se depara com uma palavra nova!
Brenden Lake, cientista computacional cognitivo da Universidade de Nova Iorque e co-autor do estudo, e sua equipe decidiram encarar esse desafio, montando um experimento para testar como os humanos — e, por consequência, as máquinas — poderiam aprender e aplicar novas palavras em diferentes cenários.
Utilizando uma pseudo-linguagem cheia de palavras inventadas, eles testaram 25 pessoas, garantindo que todos estivessem aprendendo as palavras pela primeira vez. Palavras ‘primitivas’ como ‘dax’, ‘wif’ e ‘lug’ representavam ações básicas, enquanto palavras ‘funcionais’ mais abstratas definiam regras para combinar essas ações. Os participantes aprendiam a associar cada palavra primitiva a um círculo de cor específica e, em seguida, eram apresentados a combinações de palavras e padrões visuais que representavam a aplicação dessas regras abstratas.
Quando os participantes foram desafiados a aplicar essas regras abstratas a combinações mais complexas de palavras, eles não só tinham absorvido o significado das palavras novas, mas também eram capazes de aplicá-las em diferentes contextos com facilidade.
Agora, você deve estar se perguntando: “E as máquinas? Como elas se saíram?”
Linguagem humana… e de máquinas?
A rede neural recém-desenvolvida demonstrou uma capacidade quase humana de aprender e aplicar novas palavras em diferentes cenários, atingindo uma taxa de sucesso de 80%. E quando errava, os erros seguiam padrões semelhantes aos dos participantes humanos, mostrando que a máquina não só aprendeu as palavras, mas também adquiriu alguns de nossos vieses e maneiras de pensar.
Por outro lado, o GPT-4, um dos modelos de linguagem mais avançados até o momento, teve dificuldades significativas com a mesma tarefa, apresentando taxas de erro que variaram de 42% a 86%, dependendo de como o problema era apresentado.
Isso ressalta um ponto crucial: para as máquinas, a questão da linguagem não se trata de mágica, mas de treinamento. Assim como uma criança aprende sua língua materna através da exposição constante e da prática, as máquinas também precisam desse treinamento interativo para aprimorar suas habilidades com a linguagem.
Melanie Mitchell, cientista da computação e cognição do Instituto Santa Fé, no Novo México, destaca que, embora esses resultados sejam promissores, ainda temos um longo caminho pela frente antes que possamos afirmar com certeza que as redes neurais podem generalizar de maneira semelhante aos humanos em uma escala maior ou em diferentes tipos de dados, como imagens.
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No entanto, Elia Bruni, especialista em processamento de linguagem natural da Universidade de Osnabrück, na Alemanha, acredita que essas descobertas podem tornar as redes neurais aprendizes mais eficientes, reduzindo a necessidade de grandes conjuntos de dados para treinamento e minimizando fenômenos como a ‘alucinação’, onde a inteligência artificial perceberia padrões inexistentes.
Estamos testemunhando um avanço significativo na capacidade das máquinas de entender e usar a linguagem de maneira mais humana. Isso não só promete sistemas de inteligência artificial mais avançados e naturais no futuro, mas também abre as portas para uma compreensão mais profunda de nossa própria cognição e habilidades linguísticas, o que é um dos fatores mais importantes da inteligência humana.
Fonte: Nature | Artigo completo Nature