A matemática vai muito além de números! Recentemente, matemáticos descobriram uma nova classe de formas que pode ser observada em vários elementos da natureza, desde o modo como as sementes se organizam nas plantas até as câmaras na icônica concha espiralada do náutilo. Essas formas, chamadas de “células suaves”, apresentam características únicas: cantos arredondados e pontas afiadas, ajustando-se perfeitamente em um plano, o que as torna especialmente intrigantes tanto para a matemática quanto para as ciências naturais.
A ideia central dessa descoberta está relacionada ao conceito de “teselagem” ou “tesselação”, ou seja, como formas podem se agrupar em uma superfície sem deixar espaços vazios entre si. Esse problema de preencher um plano com ladrilhos idênticos vem sendo explorado há milênios, desde os antigos matemáticos gregos, que já sabiam que certos polígonos, como quadrados e hexágonos, podem cobrir uma superfície sem deixar lacunas.
O que torna a descoberta das células suaves tão interessante é que, apesar de toda essa história de estudo sobre tesselação, os pesquisadores perceberam que havia espaço para novas possibilidades geométricas. As formas descobertas não são os polígonos tradicionais, mas sim novos blocos de construção geométricos que têm seus cantos arredondados, algo que, até então, não havia sido explorado em profundidade.
Segundo o matemático Chaim Goodman-Strauss, que não participou diretamente do estudo, é surpreendente que algo tão básico não tenha sido considerado antes. Essa nova classe de formas abre portas para repensar como entendemos o preenchimento de superfícies e volumes, sugerindo que ainda há muito a ser explorado nesse campo.
As tesselações não convencionais
Na matemática tradicional, somente formas com padrões regulares, como quadrados, triângulos ou hexágonos, conseguem preencher um espaço bidimensional de maneira contínua e sem falhas. Entretanto, desde a descoberta das tesselações não periódicas — que não seguem padrões repetitivos —, o interesse por formas mais complexas aumentou, especialmente com o surgimento dos quasicristais na década de 1980. Esses padrões não periódicos, como as tesselações de Penrose, são fascinantes por sua capacidade de preencher o espaço sem repetição de forma alguma, algo que parecia impossível até então.
O trabalho de Gábor Domokos e seus colegas da Universidade de Tecnologia e Economia de Budapeste levou essa investigação adiante, ao considerar o que acontece quando os cantos de polígonos regulares são suavizados. Quando certos ângulos são arredondados, a tesselação ainda pode preencher o espaço, mas apenas quando alguns cantos se transformam em formas chamadas “cúspides”, cantos com ângulos internos de zero graus. Esses cantos têm bordas que se encontram tangencialmente, como acontece em uma gota de lágrima, e se ajustam perfeitamente às bordas arredondadas dos ladrilhos.
Embora nas duas dimensões o número de formas possíveis seja relativamente limitado — todas as formas devem ter pelo menos dois cantos em forma de cúspide —, no mundo tridimensional a introdução de suavidade nos ladrilhos revela surpresas. As “células suaves” 3D podem preencher o espaço sem apresentar nenhum canto, um fenômeno incomum e difícil de imaginar com as formas geométricas tradicionais que estamos acostumados a visualizar.
Para quantificar essa nova classe de formas, os pesquisadores criaram uma medida específica de “suavidade”. Curiosamente, descobriram que as formas mais suaves não são compactas, mas desenvolvem estruturas semelhantes a “asas” circulares em suas extremidades, geralmente emergindo de superfícies semelhantes a selas. De fato, os elementos de forma mais suave se aproximam de discos circulares, o que parece ser um limite da suavidade que os ladrilhos tridimensionais podem alcançar.
Domokos acredita que, para qualquer tesselação inicial formada por poliedros (forma geométrica tridimensional composta por faces planas poligonais, arestas retas e vértices, sendo um exemplo comum o cubo, que possui seis faces quadradas), existe uma tesselação única que maximiza a suavidade. Ele suspeita que essa tesselação otimizada também maximiza certas propriedades físicas, como a energia de curvatura nas bordas ou a tensão superficial nas interfaces. No entanto, essa conjectura ainda não foi comprovada matematicamente, e Domokos espera que outros matemáticos possam se interessar por esse desafio.
Essa ideia de maximização da suavidade pode ter implicações diretas no entendimento de como materiais reais se comportam. A natureza parece evitar cantos sempre que possível, provavelmente porque esses pontos representam um custo energético alto em termos de deformação e podem ser fontes de fraqueza estrutural. Por essa razão, muitas das formas observadas no mundo natural, como as ilhas formadas em rios entrelaçados ou as camadas concêntricas de uma cebola, tendem a ter bordas suaves e evitar ângulos agudos.
A matemática e a natureza das células suaves
A observação das conchas de náutilo foi um ponto de virada no estudo. As conchas de náutilo são as carapaças espiraladas externas de um molusco marinho chamado náutilo, pertencente à família dos cefalópodes.
Essas conchas são conhecidas por sua forma geométrica perfeita, seguindo uma espiral logarítmica. Internamente, elas possuem uma série de câmaras dispostas em espiral que o náutilo usa para regular sua flutuabilidade, preenchendo-as com gás ou líquido. Essa estrutura fascinante faz das conchas de náutilo um exemplo emblemático de padrões naturais encontrados tanto na biologia quanto na matemática.
Neste estudo, à primeira vista, as câmaras internas da concha, em corte transversal, pareciam células suaves bidimensionais com dois cantos. No entanto, a colega de Domokos, Krisztina Regős, suspeitou que a câmara em três dimensões não tivesse cantos. Essa hipótese foi, a princípio, recebida com ceticismo, mas posteriormente confirmada, adicionando mais uma camada de complexidade à descoberta.
Essa presença das células suaves na natureza é uma prova de que a evolução encontrou soluções eficientes para evitar cantos, devido ao seu alto custo energético. Estruturas com cantos tendem a ser menos estáveis e mais suscetíveis a falhas, o que faz com que formas arredondadas sejam preferidas tanto nos organismos vivos quanto nas formações geológicas.
Embora a matemática por trás das células suaves seja antiga, a formalização dessas formas só aconteceu recentemente. Domokos acredita que isso ocorre porque os matemáticos, durante séculos, se concentraram nos polígonos regulares e nas formas poliedrais, sem sentir necessidade de explorar novas fronteiras. Porém, agora que essa nova classe de formas foi identificada, suas aplicações começam a emergir para além da matemática, em áreas como a arquitetura e o design.
Arquitetos renomados, como Zaha Hadid, parecem ter usado essas formas intuitivamente ao longo dos anos, evitando ou minimizando cantos para criar estruturas visualmente impactantes e, ao mesmo tempo, estruturalmente eficientes. Mais recentemente, Domokos e seus colegas levaram a matemática para colaborar com arquitetos da California College of Arts, que usaram elementos de células suaves para projetar uma estrutura premiada feita de cascas de ovos, um material que, por sua natureza, também evita cantos.
A descoberta matemática das células suaves expande nosso entendimento sobre como as formas podem preencher espaços bidimensionais e tridimensionais, oferecendo também uma nova linguagem para descrever estruturas vistas tanto na natureza quanto nas criações humanas. A matemática envolvida pode parecer simples à primeira vista, mas suas implicações são vastas, tocando áreas que vão da física dos materiais à estética arquitetônica a partir do olhar da matemática sobre natureza e suas soluções elegantes…
Fonte: Nature