Surge uma nova confirmação para as previsões do modelo padrão física, contrariando um resultado anterior de 2022, que sugeria a existência de fenômenos que poderiam desafiar essa teoria consolidada.
Cientistas do experimento CMS, localizado no Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN, anunciaram recentemente um marco importante: uma medição extremamente precisa da massa do bóson W, uma partícula fundamental no modelo padrão da física de partículas.
Em setembro de 2023, durante um seminário no CERN, foi revelado que a massa do bóson W é de 80.360,2 milhões de elétron-volts. Essa descoberta trouxe alívio para muitos físicos, já que, em 2022, o experimento CDF, realizado no Fermilab, nos Estados Unidos, havia calculado um valor mais alto para a massa do bóson, gerando especulações sobre a possibilidade de algo além do modelo padrão — uma das teorias mais bem-sucedidas da física contemporânea — estar em xeque.
O bóson W, junto com o bóson Z, é uma partícula responsável por mediar a força nuclear fraca, uma das quatro forças fundamentais da natureza, que atua em processos como o decaimento radioativo. A força fraca, apesar de ser uma das menos conhecidas pelo público em geral, é crucial para entender fenômenos como a fusão nuclear no Sol e certos tipos de decaimento radioativo que ocorrem naturalmente na Terra.
Um dos pontos que tornam a massa do bóson W particularmente importante é o fato de que ela pode ser calculada com alta precisão pelas equações do modelo padrão, permitindo que experimentos verifiquem essas previsões. Quando os cientistas medem essa massa e encontram valores que batem com as previsões teóricas, isso reforça a robustez do modelo. No entanto, qualquer discrepância entre teoria e resultado experimental pode indicar lacunas no modelo e sugerir a necessidade de uma nova física.
A anomalia de 2022 e a possibilidade de novas descobertas na física
Em 2022, a colaboração CDF, utilizando dados de mais de uma década coletados no colisor Tevatron, no Fermilab, sugeriu que a massa do bóson W era mais pesada do que o previsto pelo modelo padrão. Isso deixou a comunidade científica em alerta, já que qualquer desvio substancial nos valores esperados poderia indicar fenômenos além da física conhecida — algo que os cientistas têm procurado avidamente, especialmente em áreas como a matéria escura e a energia escura, que o modelo padrão não explica.
O resultado da CDF trouxe esperança para muitos físicos que buscam por essas “rachaduras” no modelo, que é amplamente bem-sucedido, mas incompleto. Mesmo com todo o seu sucesso, o modelo padrão não aborda questões fundamentais como a gravidade quântica e a matéria escura, sugerindo que ele não é a teoria final da física. Assim, qualquer sinal de que algo estava errado com a massa do bóson W poderia ser uma pista valiosa para o futuro da ciência de partículas.
A nova medição do CMS, que envolveu mais de 100 milhões de decaimentos de bósons W no LHC e uma análise detalhada de bilhões de colisões simuladas, trouxe à tona uma precisão sem precedentes. Esse resultado coloca o valor da massa do bóson W em linha com as previsões do modelo padrão e também com outros experimentos realizados anteriormente no LHC, como o ATLAS e o LHCb.
O ATLAS e o LHCb são dois dos principais experimentos realizados no Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN, cada um com objetivos distintos. O ATLAS é um dos maiores detectores de partículas do LHC e busca uma ampla gama de fenômenos, como a detecção do bóson de Higgs e a procura por partículas que possam explicar a matéria escura. Já o LHCb (Large Hadron Collider beauty) foca no estudo das diferenças entre matéria e antimatéria, analisando principalmente partículas contendo quarks pesados, como o quark bottom. Ambos os experimentos contribuem significativamente para a verificação de previsões do modelo padrão e a busca por novos fenômenos na física de partículas.
Embora a comunidade científica, de certa forma, estivesse animada com a possibilidade de a anomalia de 2022 abrir novas portas, o fato de o CMS ter confirmado o modelo padrão foi um alívio. A ideia de que o modelo padrão poderia estar fundamentalmente errado teria implicações profundas para toda a física de partículas, exigindo uma reavaliação de décadas de teoria e experimentos.
Medições como essa são extremamente difíceis de realizar. O bóson W é produzido em colisões de alta energia, como as que ocorrem no LHC, mas ele se decai muito rapidamente em outras partículas, como léptons (elétrons ou múons) e neutrinos. Um dos principais desafios é que os neutrinos não deixam rastros nos detectores, tornando a reconstrução dos eventos uma tarefa incrivelmente complexa.
A equipe do CMS, no entanto, conseguiu usar software de última geração e teorias avançadas para comparar os dados experimentais com bilhões de simulações de colisões. Essas simulações consideraram diferentes valores para a massa do bóson W e múltiplos outros parâmetros que poderiam influenciar os resultados. Foi esse nível de detalhe e precisão que permitiu à equipe alcançar um resultado tão confiável.
Além disso, o fato de o experimento CMS ter utilizado diferentes detectores e métodos de análise em comparação com o CDF sugere que os dados do CMS são particularmente robustos. No entanto, a questão sobre por que o CDF obteve um resultado diferente ainda permanece em aberto. O CDF utilizou uma abordagem distinta, trabalhando com um colisor de próton-antipróton, enquanto o LHC colide apenas prótons. É possível que essa diferença, juntamente com outras variações metodológicas, tenha levado à discrepância observada.
Agora, o próximo passo para os cientistas será entender por que os dois experimentos chegaram a resultados tão divergentes. Para isso, será necessário que especialistas de ambas as equipes e teóricos se reúnam para revisar metodologias, comparar dados e encontrar possíveis explicações para essa anomalia.
Como destaca a física experimental Florencia Canelli, da Universidade de Zurique, é fundamental não deixar o resultado do CDF como uma simples exceção. Compreender o porquê dessa diferença é essencial, mesmo que a nova medição do CMS tenha trazido um valor em conformidade com as previsões do modelo padrão.
Embora o CMS não tenha encontrado uma anomalia que sugira nova física, o trabalho feito ao longo de 10 anos trouxe ferramentas poderosas que permitirão aos cientistas realizar medições de precisão ainda mais refinadas no futuro. A busca por possíveis falhas no modelo padrão continua, e é exatamente esse tipo de investigação rigorosa que, no longo prazo, pode abrir caminho para novas descobertas.
A física de partículas é um campo em constante evolução, e a cada medição como essa, os cientistas avançam no entendimento dos blocos fundamentais que compõem o universo. Seja confirmando o modelo padrão ou encontrando desvios, o futuro da ciência de partículas continua repleto de possibilidades emocionantes.
Fonte: Nature