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Nobel 2023 de literatura vai para o “minimalismo” de Jon Fosse

O Nobel 2023 de Literatura é do norueguês Jon Fosse, um nome que tem, silenciosamente, mas com grande impacto, transformado o mundo da literatura contemporânea. Conhecido por sua capacidade literária singular, ele foi contemplado com o prêmio “pelas suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível”.

Nascido em 1959, na pitoresca cidade de Haugesund, na costa oeste da Noruega, Fosse escolheu o Nynorsk, uma forma da língua norueguesa, para produzir sua obra. Seu repertório abrange desde peças teatrais até romances, coleções de poesia, ensaios e livros infantis. Sua estreia literária, ‘Raudt, svart’ em 1983, não apenas estabeleceu sua presença no cenário literário, mas também lançou as bases de sua abordagem única, explorando temas como o suicídio.

A trajetória de Fosse na Europa foi marcada pelo sucesso de ‘Nokon kjem til å komme’ em 1999, uma peça que destaca sua habilidade em expressar as mais profundas emoções humanas com uma linguagem radicalmente reduzida. E, embora ele tenha se inspirado em grandes nomes como Tarjei Vesaas, Samuel Beckett, entre outros, a visão literária de Fosse permanece distintamente única, evitando o niilismo e, em vez disso, irradiando calor, humor e uma vulnerabilidade palpável.

O que torna Fosse verdadeiramente especial, pode ser visto em seu romance “Stengd gitar” de 1985, onde ele nos apresenta a agonia de uma mãe que se tranca acidentalmente fora de casa, deixando seu bebê sozinho. A situação, embora descrita em termos que lembram as obras kafkianas, é cotidiana, mas que, nas mãos de Fosse, se transforma em um estudo intenso de emoção e conflito, uma variação angustiante sobre um de seus temas centrais: o momento crítico de irresolução. A agonia, ao perceber que não pode buscar ajuda sem abandonar a criança, é quase tangível. 

O universo estilístico da literatura de Fosse, tão meticulosamente despojado deu origem a um termo próprio: o ‘minimalismo Fosse ’. E não se engane pelo termo “minimalismo”! Embora sua escrita possa parecer simplificada, a profundidade e a intensidade das emoções que ela evoca são imensuráveis.

Em suas obras, ele frequentemente intercala pausas e interrupções, infundindo-as com uma carga emocional potente. Confronta-nos com palavras ou ações que parecem inacabadas, levando-nos a uma contemplação interna. Esse estilo provocador, que brinca com a incerteza, é parte do motivo pelo qual suas peças e romances têm ressoado tão profundamente com os leitores ao redor do mundo.

No cerne da obra de Fosse está a condição humana, abordada de maneiras variadas, mas sempre com um olhar agudo e empático. Não é apenas sua habilidade literária, mas sua coragem em se expor às incertezas e ansiedades da vida cotidiana que o tornou digno do reconhecimento extraordinário que recebeu, o Prêmio Nobel de Literatura de 2023.

A literatura do minimalista do drama contemporâneo

Como mencionamos, Fosse escreve em Nynorsk, uma das formas da língua norueguesa. Seus textos são ricos em gêneros: peças de teatro, romances, coleções de poesia, ensaios, livros para crianças e traduções. Pode-se dizer que ele tem um estilo eclético na arte de contar histórias.

Em 1983, Fosse fez sua estreia na literatura com o romance “Raudt, svart“. Um livro que não apenas provocou uma impressão duradoura no mundo literário, mas também introduziu um tema caro a ele, o suicídio. Isso, de certa forma, lançou as bases para o que viria a ser uma constante em sua obra: explorar as profundezas emocionais da condição humana.

Sua consagração como dramaturgo ocorreu em 1999, quando sua peça “Nokon kjem til å komme“, escrita três anos antes, foi encenada em Paris. O que torna a escrita de Fosse tão cativante é sua habilidade em traduzir em sua escrita as expressões de emoções humanas poderosas. Ele captura a essência da ansiedade, da antecipação, do ciúme, e, muitas vezes, apresenta uma orientação humana em direção à divindade. 

Embora as comparações sejam frequentemente evitadas no mundo literário, é possível identificar características de Tarjei Vesaas, outro gigante da literatura Nynorsk, no trabalho de Fosse. Ele também tem uma conexão profunda com outros autores de grandes obras da literatura como Samuel Beckett, Thomas Bernhard e Georg Trakl. Mas, diferente de alguns de seus predecessores, a visão de Fosse não é de um pessimismo frio e distante. Em vez disso, há uma calorosa humanidade em suas obras, mesmo quando elas exploram os cantos mais sombrios da experiência humana.

Aqui vai uma lista de suas obras mais notáveis, e algumas características dessa literatura, para entender melhor seu estilo e temática:

  • “Stengd gitar” (1985) é um estudo sobre um momento crítico de indecisão. A que trouxemos anteriormente sobre a jovem mãe que se tranca para fora de casa, deixando seu bebê sozinho lá dentro. A tensão palpável é algo que Fosse maneja magistralmente.
  • Em “Natta syng sine songar” (1998), ele explora impulsos e contra-impulsos em relacionamentos. A história é permeada por uma sensação de trepidação e ambivalência poderosa, e destaca a habilidade de Fosse de usar pausas e interrupções para expressar incerteza.
  • “Namnet” (1995) também tem sua cota de emoção. Apresenta uma jovem grávida esperando pelo pai do filho que carrega, e a tensão se constrói em torno da incerteza de seu retorno.
  • Fosse também tem uma inclinação para explorar a transição entre a vida e a morte, como visto em “Morgon og kveld” (2000). Em meio a um intenso período de produção dramática, esta pode ser sua obra mais esperançosa. 
  • E, claro, não podemos esquecer sua magnum opus em prosa, a “Septologia”, concluída em 2021. São impressionantes 1250 páginas de monólogo introspectivo.

A poesia também é uma parte crucial do repertório de Fosse. Desde a publicação de sua primeira coleção poética em 1986, a língua lírica sempre desempenhou um papel significativo em sua escrita. Recentemente, ele até traduziu obras dos poetas Georg Trakl e Rainer Maria Rilke para o Nynorsk.

A obra-prima de Fosse: Uma introspecção artística

Quando falamos em obras-primas da literatura que resistem ao teste do tempo e desafiam as convenções, a ‘Septologia’ de Jon Fosse, concluída em 2021, merece destaque.É um estudo profundo e íntimo, de 1250 páginas, da mente de um artista idoso que se comunica consigo mesmo como se fosse outra pessoa. É um diálogo interno, um monólogo extenso e sem pausas, mantido unido por repetições, temas recorrentes e um período fixo de sete dias, que traz insights profundos.

O começo desta obra é particularmente cativante. Aborda um quadro que o narrador, Asle, nunca conseguiu concluir, mas que mantém um lugar especial em seu coração. Representando dois traços – um roxo e um marrom – cruzando-se em diagonal, este quadro de aparência abstrata adquire uma significância profunda à medida que a narrativa avança. Esse ícone, com seu emblema de uma cruz, torna-se um símbolo potente do tema da morte que perpassa o trabalho.

Além da simbologia da pintura, Fosse mergulha no conceito de doppelgänger, que trata-se de um termo alemão que se refere a um duplo ou sósia de uma pessoa. Geralmente, o termo é usado para indicar uma réplica exata de alguém, seja em aparência física ou em comportamento. O conceito sugere que cada pessoa tem um gêmeo ou um reflexo em algum lugar, que pode ou não se manifestar como uma entidade real. Em algumas tradições, é a manifestação física do lado sombrio ou oculto de uma pessoa.

No início da obra de Fosse, somos apresentados aos pensamentos de Asle enquanto ele vaga pela cidade tentando salvar seu amigo e xará de uma morte iminente. Curiosamente, este outro Asle surge como uma versão infeliz e alcoólatra do artista cristão. Poderíamos interpretar as duas personagens, o artista e seu doppelgänger, como os traços da pintura: um roxo e outro marrom, com destinos que se cruzam no momento da morte.

Mas a Septologia não é apenas uma introspecção da alma do narrador, é também um elegia através da qual Asle lamenta a morte prematura de sua esposa e uma Künstlerroman – um tipo especial de romance que explora a evolução de um artista – lidando com sua carreira artística menos do que bem-sucedida. A profundidade de sua conexão com a pintura é evidente: ele se debate com a ideia de simplesmente pintar sobre ela em branco.

Este mergulho profundo nas complexidades da mente humana, explorando temas de vida, morte, arte e dualidade, é uma das razões pelas quais a literatura de Jon Fosse é digna do Nobel 2023, uma literatura que são janelas para a alma, desafiando-nos a refletir sobre questões intrínsecas ao ser humano. E para aqueles de nós que buscam compreensão e significado através da literatura, Fosse é, verdadeiramente, um guia inestimável.

Fonte: NobelPrize.org | Social Nobel Prize

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