A resistência aos antibióticos surge como um dos principais adversários da medicina moderna. Estima-se que em 2019, esta resistência foi diretamente responsável por cerca de 1,27 milhão de mortes e contribuiu para quase cinco milhões de outras.
A pandemia de COVID-19 só agravou esse cenário, tornando ainda mais premente a necessidade de novos antibióticos. Neste contexto, uma equipe de 21 pesquisadores do Broad Institute do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Harvard University, liderada por James Collins, professor de Engenharia Médica e Ciência no MIT, alcançou um avanço significativo: a descoberta de uma nova classe de candidatos a antibióticos por meio da inteligência artificial.
O emprego da IA, especificamente algoritmos de aprendizado profundo (deep learning), permitiu a triagem de milhões de compostos químicos, um processo que, manualmente, seria impraticável.
Desta vasta análise emergiram vários compostos eficazes contra patógenos resistentes, como o Staphylococcus aureus (uma bactéria comum que pode causar desde infecções de pele leves até condições mais graves como pneumonia e infecções do sangue) resistente à meticilina (MRSA ou SARM – sigla em português), e enterococos (bactérias comuns no intestino que podem causar infecções graves, especialmente em ambientes hospitalares), resistentes à vancomicina. Estes resultados representam uma luz no fim do túnel no combate a infecções que há muito desafiam os profissionais de saúde.
A pesquisa, que se apoia em descobertas anteriores tanto deste grupo quanto de outros, destaca-se não apenas pelo seu resultado promissor, mas também pela abordagem inovadora na utilização da IA. Em um campo onde a complexidade e a quantidade de dados são esmagadoras, a IA oferece uma eficiência inatingível pelo esforço humano isolado. Em contraste com o pipeline tradicional de descoberta de antibióticos, que pode levar cerca de 12 anos para desenvolver um novo medicamento, a IA pode identificar milhares de candidatos pré-clínicos em questão de horas.
César de la Fuente, professor assistente no departamento de psiquiatria da Perelman School of Medicine da Universidade da Pensilvânia, compartilha o entusiasmo com este avanço, observando que a área de pesquisa em IA para descoberta e design de antibióticos é extremamente nova e emergente, tendo ganho tração apenas nos últimos cinco anos. Seu próprio laboratório tem trabalhado nessa direção, evidenciando a crescente importância dessa abordagem.
Um aspecto particularmente notável do estudo é a implementação de conceitos de “IA explicável”. Em contraste com modelos de IA tradicionais, que operam como “caixas pretas“, os pesquisadores conseguiram acompanhar o raciocínio do modelo e entender a bioquímica por trás de suas escolhas. Isso é crucial, pois permite aos cientistas desvendar e compreender os processos internos do modelo, uma etapa importante para transformar a IA em uma disciplina de engenharia.
A eficácia dos compostos identificados foi comprovada em modelos de infecção em ratos, um passo importante na pesquisa biomédica, pois oferece uma simulação mais próxima de como os medicamentos podem funcionar em humanos. Esses resultados são particularmente encorajadores porque indicam a possibilidade real de que esses compostos possam reduzir infecções em modelos realistas.
Os próximos passos dos novos antibióticos
Entretanto, para que esses novos antibióticos se tornem uma opção clínica viável, ainda há um longo caminho a percorrer. São necessários estudos sistemáticos de toxicidade e estudos pré-IND (investigational new drug, “novo medicamento experimental”, em tradução livre) para avaliar se os compostos promissores podem efetivamente avançar para os ensaios clínicos de fase I, conforme exigido pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA. A fase I é a primeira etapa de testes em humanos para avaliar a segurança, dosagem ideal e efeitos colaterais de um novo medicamento ou tratamento.
Além disso, a pesquisa também explorou outros domínios fascinantes, como a mineração de genomas e proteomas de organismos extintos, em busca de candidatos a antibióticos clínicos. Esta abordagem ilustra o potencial extraordinário da IA na descoberta de novos medicamentos e na expansão do nosso entendimento da biologia.
A importância de uma inteligência artificial “explicável” não pode ser subestimada. Em um campo onde decisões e descobertas podem ter implicações significativas na saúde pública, a transparência e a compreensão dos processos de IA são fundamentais. Assim, a capacidade de decifrar o “como” e o “porquê” por trás das escolhas da IA é um passo crucial para transformá-la em uma ferramenta mais confiável e útil na engenharia e na ciência.
Este avanço da inteligência artificial em relação à descoberta de novos antibióticos representa mais do que apenas a promessa de novos medicamentos, simboliza uma nova era na descoberta para a saúde e para a medicina.
Fonte: Scientific American