A IA Generativa é uma grande promessa quando o assunto é medicamento. Na indústria farmacêutica, será que as promessas dessa tecnologia em acelerar a descoberta de novos fármacos são realmente viáveis ou estamos nos iludindo?
Tradicionalmente, novas drogas para tratar doenças é um processo demorado, geralmente levando de 12 a 15 anos até que um medicamento receba a aprovação para ser comercializado. E, acredite ou não, cerca de 90% dos medicamentos que entram em ensaios clínicos não são aprovados, o que significa que por trás de cada medicamento que vemos nas prateleiras, há outros nove que não deram certo. Os custos envolvidos são astronômicos! Estima-se que trazer um novo medicamento ao mercado custe em torno de US$2,5 bilhões, levando em conta os programas bem-sucedidos e os fracassados.
A promessa da IA Generativa para novos medicamentos
Basicamente, a IA Generativa está sendo apontada como a grande revolucionária no encurtamento dos estágios antes dos ensaios clínicos.
A descoberta de medicamentos muitas vezes começa com a identificação de um alvo biológico responsável por uma doença, como DNA, RNA ou proteínas. Uma vez que esse alvo é identificado, inicia-se o processo de rastreio de moléculas que possam interagir com ele – chamamos essa fase de “descoberta”. Depois disso, químicos se debruçam sobre as moléculas bem-sucedidas, otimizando-as para que sejam mais eficazes e menos problemáticas. As moléculas que passam por esse rigoroso processo são levadas para testes pré-clínicos, que analisam questões de segurança e dosagem. Todas essas fases, em média, levam cerca de seis anos.
Porém, alguns estudos recentes trouxeram dados interessantes. Uma análise feita pelo Boston Consulting Group (BCG) em 2022, analisou 20 empresas farmacêuticas intensivas em inteligência artifcial e determinou que 158 candidatos a medicamentos chegaram à fase de ensaios clínicos. Destes, oito alcançaram os ensaios clínicos em menos de dez anos, e cinco em tempo recorde, abaixo da média histórica. Agora, vamos comparar isso com as gigantes do setor: as 20 maiores empresas farmacêuticas do mundo, se considerarmos a receita, contavam com 333 desses candidatos.
Há ainda mais dados que sugerem que a inteligência artificial pode, de fato, ser um game changer. Por exemplo, uma parceria entre o BCG e o fundo Wellcome relatou que a IA tem o potencial de economizar entre 25 e 50% do tempo e dos custos na descoberta de medicamentos até a etapa pré-clínica. Uma empresa chamada Insilico Medicine até anunciou que levou um candidato a medicamento projetado por inteligência artificial do estágio de descoberta para ensaios clínicos em apenas 30 meses.
Em junho, a Insilico começou os testes da fase II, já em pacientes. E você pode ver todos os detalhes clicando aqui!
Os desafios da IA para os medicamentos
Estamos diante de avanços em relação a medicamentos, o que certamente vai atrair atenção e investimentos, porém, antes que nos deixemos levar pelo entusiasmo, é importante frisar que muitas dessas informações promissoras vêm diretamente das empresas que estão apostando alto na inteligência artificial.
Para dar aquele selo de “100% confiável” a esses dados, é fundamental que tudo seja verificado de maneira independente, por meio de publicações em revistas científicas de renome e avaliações por pares, que não têm ligações com as empresas em questão.
Mesmo com tanta inovação, temos desafios pela frente: A IA Generativa, por exemplo, que sugere moléculas candidatas a medicamentos, funciona com base em padrões aprendidos a partir de dados já existentes para criar novos dados semelhantes, e por mais que pareça promissor, isso pode gerar alguns empecilhos. Sabe quando você faz uma pergunta para um chatbot e ele, por vezes, devolve uma resposta meio “forçada”? Ou até mesmo aquelas alucinações tão conhecidas? No universo da descoberta de medicamentos, isso se traduz em sugestões de substâncias que são inviáveis de serem produzidas.
Por outro lado, felizmente, com o avanço da tecnologia e o uso de outras ferramentas de inteligência artificial, muitos desses problemas podem ser contornados.
No final das contas, a grande questão é como aperfeiçoar e ensinar efetivamente os sistemas de IA. Alguém precisa colocar a mão na massa, produzir e testar as moléculas sugeridas por esses sistemas, e claro, os resultados obtidos devem ser usados para “alimentar” e refinar a própria IA. Grupos acadêmicos especializados em computação podem dar uma forcinha nesse sentido, prevendo propriedades das moléculas, porém, essas previsões, apesar de valiosas, só validam parcialmente os modelos.
As gigantes farmacêuticas, por outro lado, têm todos os recursos necessários para fabricar e testar essas moléculas sugeridas pela IA. Contudo, e aqui está um ponto delicado, elas costumam manter suas descobertas em sigilo, com receio de que concorrentes estejam à espreita e possam roubar os resultados de suas empreitadas.
Vale lembrar que estamos falando de um mercado onde rigor, segurança, eficácia e confiança nos novos medicamentos são essenciais, por isso, a necessidade de encontrar um caminho mais transparente e colaborativo foi recentemente destacada por pesquisadores da gigante farmacêutica Amgen, da Califórnia.
Não podemos esquecer que descobrir medicamentos sempre foi, de certa forma, como jogar na loteria, e mesmo que a inteligência artificial consiga reduzir o tempo e os custos para levar um composto até os testes pré-clínicos (e quem sabe até além), a verdade é que a maioria dos candidatos a medicamentos encontrará barreiras nos estágios posteriores.
Mas embora tantos desafios se coloquem, é importante considerar o quanto qualquer avanço para agilizar as descobertas e aplicação de novos medicamentos pode ser benéfica, se houver a possibilidade de mais rapidez no processo.
O desafio agora é unir forças entre a indústria e a academia para descobrir como usar a IA Generativa da maneira mais eficaz e responsável possível.
Fonte: Nature