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Como o mercado financeiro está sendo decifrado com IA através das falas dos executivos

A inteligência artificial está remodelando as práticas do mercado financeiro. Mas, o que pode parecer surpreendente é o fato de que agora, até as nuances mais sutis da fala de executivos durante teleconferências de resultados estão sob o microscópio de sofisticadas ferramentas de IA. Essa é a jogada estratégica entre gestores de fundos e executivos corporativos.

Francis deSouza, ex-CEO da Illumina, ofereceu um exemplo clássico dessa dinâmica em sua última teleconferência à frente da empresa. Embora mantivesse um tom otimista ao discutir a polêmica aquisição da empresa de rastreamento de câncer Grail, sua voz denunciava outra história. As flutuações em sua fala, o aumento no uso de palavras de preenchimento como “hum” e “ah”, e até mesmo um audível engolir em seco foram detectados pela Speech Craft Analytics, que apontou sinais de ansiedade e tensão. Menos de dois meses depois, deSouza renunciava ao cargo.

A ascensão do Processamento de Linguagem Natural (PLN, do inglês NPL – Natural Language Processing) nos mercado financeiro é bem conhecida, com algoritmos vasculhando transcrições de teleconferências em busca de pistas emocionais escondidas nas palavras dos executivos, mas o que é novidade, é o esforço para decifrar também o subtexto nas entrelinhas da fala – o modo como essas palavras são ditas, afinal de contas, há muito mais do que meras palavras em um discurso.

Mike Chen, da Robeco, destaca que a fala captura elementos que o texto simplesmente não consegue. As hesitações e as palavras de preenchimento, muitas vezes ausentes das transcrições, junto com os “microtremores” vocais imperceptíveis ao ouvido humano, podem agora ser analisados pela IA para revelar insights que antes passavam despercebidos.

A Robeco, que gerencia mais de $80 bilhões em fundos guiados por algoritmos, já começou a colher os frutos desses sinais sonoros, integrando-os às suas estratégias de investimento mais cedo neste ano, e Chen reporta um aumento nos retornos. A expectativa é que essa abordagem ganhe tração no setor.

Mercado vs. emoções: Desafios para a inteligência artificial

No entanto, a utilização de análise de áudio com inteligência artificial no mercado financeiro não está isenta de desafios. Yin Luo, da Wolfe Research, menciona que, à medida que os gestores de fundos se tornaram mais sofisticados, as empresas responderam, com apresentações corporativas tornando-se progressivamente mais positivas, como uma forma de jogo para influenciar os algoritmos de PLN. Isso criou um problema: como discernir a verdadeira emoção por trás de uma fachada cada vez mais polida?

A resposta pode estar na combinação de PLN tradicional com análise de áudio. Pesquisas apontam que essa abordagem mista é mais eficaz em diferenciar empresas em um ambiente onde os discursos se tornam cada vez mais “padronizados”. A pesquisa quantitativa da Wolfe Research co-escrita por Luo este ano sustenta essa tese.

Vale lembrar que adotar essa tecnologia em qualquer nicho de mercado, não é barato nem simples. A Robeco investiu três anos em infraestrutura de tecnologia antes mesmo de começar a trabalhar com análise de áudio, e mesmo que os insights disponíveis tenham sido aprimorados desde então, ainda há limitações a serem consideradas.

Por exemplo, a análise de áudio precisa contornar a questão da individualidade. Alguns executivos podem ser naturalmente mais efusivos do que outros, o que pode levar a conclusões precipitadas. A análise mais confiável vem da comparação de diferentes discursos do mesmo indivíduo ao longo do tempo, e isso pode ser um problema se considerada a necessidade de avaliação do desempenho de um novo líder, – justamente quando esse tipo de insight seria extremamente valioso.

Além disso, é fundamental que os desenvolvedores evitem introduzir seus próprios preconceitos nos algoritmos baseados em áudio, tais como vieses de gênero, classe ou raça. Todas essas questões são mais evidentes na fala do que no texto, e há um esforço consciente na Robeco para garantir que esses vieses não sejam codificados nos sistemas.

A análise também pode ser enganosa ao avaliar falantes não nativos ou ao aplicar interpretações que variam de um idioma para outro. E assim como as empresas adaptaram suas práticas à análise de texto, espera-se que as equipes de relações com investidores comecem a treinar executivos para controlar o tom de voz e outros comportamentos que os transcritos não captam.

Ainda assim, manipular a voz é uma tarefa difícil, poucas pessoas são adeptas de modular a voz com convicção. Desde cedo aprendemos a escolher nossas palavras com cuidado, uma habilidade que se torna quase uma segunda natureza para evitar problemas, mas a capacidade de controlar o tom da voz pode não ser tão fácil de dominar para executivos acostumados a jogar com palavras, e não com entonações.

O que temos é uma nova fronteira na análise de investimentos, onde a inteligência artificial aplicada ao mercado financeiro não apenas lê entre as linhas, mas também ouve entre os silêncios e as palavras.

Investidores e executivos terão de aprimorar ainda mais habilidades, e também as questões éticas serão fundamentais para implementação responsável dessa tecnologia que expande as fronteiras de como lidamos com os dados hoje em dia. Para os profissionais do mercado, manter-se atualizado com essas tendências não é apenas uma questão de vantagem competitiva, mas uma necessidade imperativa na busca incessante pela verdade que mora nos dados – falados ou escritos.

Fonte: Financial Times

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