O efeito placebo é um fenômeno fascinante e amplamente documentado, onde a simples expectativa de uma cura pode levar ao alívio real de sintomas, mesmo quando o tratamento administrado não tem propriedades terapêuticas ativas. Em termos simples, se uma pessoa toma uma pílula de açúcar acreditando que é um analgésico potente, ela pode realmente sentir alívio da dor. Mas como o nosso cérebro realiza esse truque extraordinário?
Os mecanismos biológicos por trás do efeito placebo permaneciam um mistério. Agora, uma nova pesquisa realizada por neurocientistas revela caminhos cerebrais em ratos que podem explicar como os placebos conseguem aliviar a dor. Essa descoberta tem o potencial de revolucionar o tratamento da dor e oferecer alternativas mais seguras aos medicamentos tradicionais, como os opiáceos, que são substâncias naturais derivadas da planta do ópio, como a morfina e a codeína..
O efeito placebo: expectativa x realidade
O efeito placebo ocorre quando uma pessoa experimenta uma melhora em seus sintomas após receber um tratamento que não possui ingredientes ativos. Essencialmente, a simples crença de que estão recebendo um medicamento eficaz pode desencadear uma resposta real no corpo, aliviando a dor ou outros sintomas. Mas como exatamente o cérebro consegue realizar essa façanha?
Uma equipe de pesquisadores liderada por Grégory Scherrer, neurobiólogo da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, buscou entender esse fenômeno replicando o efeito placebo em ratos. O estudo, publicado na revista Nature, envolveu um experimento com duas câmaras: uma com o chão quente e a outra com o chão em temperatura ambiente. Os camundongos foram condicionados a associar a câmara com o chão mais frio ao alívio da dor.
Para identificar os neurônios ativos durante essa experiência, os pesquisadores injetaram nos ratos uma molécula que faz com que esses neurônios brilhem quando observados ao microscópio, e em seguida, aqueceram o chão de ambas as câmaras. Surpreendentemente, os ratos preferiram a câmara que associaram ao alívio da dor, mesmo com ambos os pisos aquecidos, mostrando menos sintomas de dor, como lamber as patas.
A análise da atividade cerebral dos ratos revelou um aumento na atividade dos neurônios no córtex cingulado anterior, uma região do cérebro envolvida no processamento da dor. Mais surpreendente ainda foi a descoberta de um caminho neural ligando esses neurônios a células no núcleo pontino e no cerebelo, áreas tradicionalmente associadas ao movimento e coordenação, e não ao alívio da dor.
Para confirmar que esse caminho neural realmente alivia a dor, os pesquisadores utilizaram uma técnica chamada optogenética, que permite ativar ou desativar células com o uso de luz. Ao ativar esse caminho neural em outro grupo de ratos colocados no chão quente, os animais demoraram três vezes mais para exibir comportamentos de alívio da dor, como lamber as patas, indicando que sentiam menos dor.
A pesquisa também revelou que 65% dos neurônios no núcleo pontino possuem receptores opioides, os mesmos ativados por analgésicos potentes. Esses neurônios se estendem a três áreas no cerebelo, com as células de Purkinje, – que são neurônios grandes e ramificados localizados no cerebelo, essenciais para a coordenação motora –, mostrando aumento de atividade durante o experimento. Isso sugere a participação de opioides endógenos – substâncias produzidas pelo próprio corpo – no alívio da dor mediado pelo efeito placebo.
Essas descobertas têm implicações significativas para o manejo da dor. “Podemos estar à beira de uma nova era no tratamento da dor, com medicamentos que ativam os efeitos do placebo“, diz Scherrer. Em vez de depender de placebos ou de analgésicos tradicionais, futuros tratamentos podem focar na ativação desses caminhos neurais específicos, oferecendo uma abordagem mais segura e eficaz para o alívio da dor.
Além disso, essa pesquisa pode ajudar a entender melhor como terapias já existentes, como a terapia cognitivo-comportamental e a estimulação magnética transcraniana, funcionam para aliviar a dor. Ao compreender os circuitos cerebrais envolvidos, cientistas podem desenvolver novas terapias que ativem os mecanismos naturais de controle da dor do corpo.
Apesar das descobertas promissoras, ainda há perguntas a serem respondidas. Por exemplo, por que o efeito placebo ocorre em algumas pessoas e não em outras? E por que sua eficácia pode diminuir ao longo do tempo? “O cérebro é uma estrutura extremamente complexa, e estamos apenas começando a entender como esses mecanismos funcionam“, explica Tom Wager, neurocientista da Dartmouth College.
A descoberta de caminhos neurais específicos que explicam o efeito placebo no alívio da dor aponta para a confirmação da existência desse fenômeno, e abre novas possibilidades para o desenvolvimento de tratamentos inovadores.
Fonte: Nature