A morte, esse último grande enigma da vida humana, sempre esteve envolta em mistério. Porém, pesquisadores deram um grande passo em desvendar o que acontece no cérebro no momento da morte, uma descoberta, que poderia ser descrita como um mergulho nas profundezas do desconhecido, contribuindo para o entendimento do processo neurológico do morrer.
Imagine o cérebro enfrentando uma situação crítica de anoxia, a privação de oxigênio. Nesse estado, um alarme é disparado: a rápida diminuição do ATP, a molécula que fornece energia às células. Esta perturbação desencadeia uma série de eventos. O equilíbrio elétrico dos neurônios é abalado, levando a uma liberação massiva de glutamato, um neurotransmissor excitatório chave. Neste ponto nos deparamos com a complexidade das atividades cerebrais.
Em meio a essa crise, surge um aumento nas ondas gama e beta no cérebro. As ondas gama são tipicamente associadas a estados de alta concentração, processamento cognitivo intensivo e percepção consciente, e as ondas beta relacionadas a estados de alerta, atenção ativa e resolução de problemas. O aumento dessas ondas pode estar relacionado às experiências de quase-morte relatadas por pessoas que sobreviveram a paradas cardiorrespiratórias. Mas, este pico de atividade é apenas o prelúdio de um evento ainda mais dramático: a chamada “onda da morte“.
Essa onda, uma despolarização anóxica de alta amplitude, surge como um marcador da transição para a cessação total da atividade cerebral. Originada nas células piramidais da camada 5 do neocórtex, – uma das camadas mais profundas do córtex cerebral – , ela se propaga em duas direções cruciais: para a superfície do cérebro e para a substância branca, – que é uma das partes do sistema nervoso central, composta principalmente de axônios mielinizados, que são responsáveis pela transmissão rápida de impulsos elétricos entre diferentes regiões do cérebro e da medula espinhal.
Essa despolarização anóxica revela uma vulnerabilidade particular das camadas mais profundas do córtex à falta de oxigênio, um fenômeno que desafia nossa compreensão da morte como um simples momento de cessação.
Outros estudos já apontaram que o cérebro pode ser mais resistente do que parece. Clica aqui para ver essa fascinante perspectiva!
O processo da morte e a intervenção humana
Ainda mais surpreendente é a descoberta de que, sob condições específicas, a onda da morte pode ser revertida. Se a ressuscitação ocorrer dentro de um determinado intervalo de tempo, há a possibilidade de preservar a função cerebral. Este insight não apenas redefine a morte como um processo ou como um instante definitivo, e abre abre portas para novas abordagens médicas em situações críticas.
O estudo foi meticuloso em sua abordagem. Utilizando potenciais de campo local extracelular e registros da atividade elétrica de neurônios individuais em diferentes camadas do córtex somatossensorial primário de ratos, os pesquisadores observaram a atividade elétrica dessas diferentes camadas antes e durante a despolarização anóxica.
Eles testemunharam uma sequência de padrões de atividade estereotipados em todas as camadas corticais, começando com um período de atividade beta-gama, caracterizado por ondas cerebrais rápidas e de alta frequência associadas a estados de alerta, atenção e processamento cognitivo, seguido por oscilações delta-teta, que são ondas mais lentas e de baixa frequência, geralmente ligadas a estados de relaxamento, sonolência ou estágios iniciais do sono, e finalmente, um declínio em todas as atividades espontâneas.
Estes achados avançam significativamente nossa compreensão dos mecanismos neurais subjacentes às mudanças na atividade cerebral conforme a morte se aproxima. Agora sabemos que a morte, do ponto de vista fisiológico, é um processo que leva seu tempo, e que um EEG plano, ou seja, ou eletroencefalograma plano que aponta que não há atividade elétrica cerebral detectável, não é necessariamente um sinal definitivo do cessar das funções cerebrais.
Olhando para o futuro, os desafios são claros e estimulantes. É crucial estabelecer as condições exatas sob quais as funções cerebrais podem ser restauradas para haver a possibilidade de desenvolvimento de drogas neuroprotetoras para apoiar a ressuscitação em casos de falência cardíaca e pulmonar.
Este estudo não apenas lança luz sobre o enigma da morte, mas também traz esperança para casos onde a intervenção humana pode impedir a morte.
Fonte: NeuroScienceNews | artigo Elsevier