“Os cachorros entendem o que a gente diz“? – Quem nunca se perguntou isso, né? Não tem como não pensar na possibilidade vendo aqueles doguinhos no TikTok que aparecem apertando botões como se respondessem a seus donos, entendendo perfeitamente o que eles falam. Na gringa eles são chamados de “button dogs”.
Mas eles realmente entendem as palavras que estão “dizendo”, ou é tudo apenas um truque inteligente? O que a ciência tem a dizer?
Nossos dogs têm nos feito companhia há eras, e sempre comunicaram de alguma forma: Seja abanando o rabo freneticamente pedindo um passeio ou com aquele drama digno de novela mexicana que vimos nos olhos deles implorando por um petisco. O lance é que alguns donos inovadores elevaram isso a outro nível: Imagine dar uma “voz” ao seu cão usando botões fáceis de apertar, cada um emitindo palavras como “brincar,” “passear,” ou “petisco”.
A estrela deste novo movimento linguístico canino? Bunny, a Sheepadoodle que está virando uma lenda do TikTok porque, ao que parece, ela consegue formar frases com quatro palavras. Em uma ocasião, apertando os botões, ela parecia interagir com frases como “Tenrec, vem, olha, brinca”. Será que a coisa evoluiu tanto que agora os cachorros entendem nossa língua e os button dogs só mostraram isso?
Os cachorros entendem a ponto de falar com a gente?
Para entender isso melhor, a neurociência conta com especialistas em cognição canina que estão desconfiados dessa ideia de que cachorros entendem o que falamos do mesmo jeito que nós entendemos. Eles admitem que alguns cães, uns “Einsteins” do mundo canino, podem compreender até um número surpreendente de palavras, mas sugerem que a maioria tem um limite de cerca de uma dúzia delas. Amritha Mallikarjun, pesquisadora de pós-doutorado na Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia, resume: “Os cães simplesmente não podem bater um papo como nós fazemos.”
Mas tem uma coisa: os cachorros podem até não conversar como nós, mas desenvolveram algumas táticas de comunicação bem espertas. Sabe quando você aponta algo e seu cachorro entende imediatamente? Então, um estudo de 2021 revelou que até mesmo os filhotes entendem os gestos humanos de imediato. Isso contrasta com nossos vizinhos evolutivos mais próximos, os chimpanzés, que parecem nos dar um olhar vazio para nossas gesticulações a menos que sejam treinados.
Entretanto, a maneira como os cães processam a comunicação é um pouco diferente da nossa. Angie Johnston, uma psicóloga de Boston College, observou que os cães, ao contrário das crianças, muitas vezes ignoram dicas sociais se elas não levarem a algo que eles querem. Então, se os dogs querem um petisco e você está insinuando um passeio, não se surpreenda se eles te derem um gelo.
O ano de 2022 foi grande para a linguística canina. Um estudo com scans cerebrais mostrou que os cães podiam distinguir a fala normal de fala embaralhada e até mesmo diferenciar entre um idioma estranho e um conhecido. E outro estudo mostrou que os cães diferenciavam o inglês do espanhol, ouvindo por mais tempo aquele com o qual não estavam familiarizados. Isso é o oposto de nós: Os bebês humanos são mais sintonizados com sua língua materna, enquanto os cães parecem ter um gosto pelo desconhecido. Imagina seu dog pensando: “Ah, que diferentão! Isso soa legal!”
Os cachorros podem reagir aos nomes deles em um ambiente barulhento, mas pode ser que mudar um som consonantal, pode fazê-lo simplesmente te ignorar. Se em vez de chamar “Mili” você chamar “Tili” talvez a doguinha não responda!
Agora, para os prodígios do mundo canino, tipo o Rico, um border collie que conhecia mais de 200 palavras. E tinha também a Chaser, que deixou o Rico no chinelo com um vocabulário de mais de 1.000 palavras. Mas esses aí são exceções, além, claro, de terem sido treinados intensamente para isso, como foi o caso de Chaser, cujo treinamento durou 3 anos.
Agora, se os cachorros entendem conceitos mais abstratos ou formas mais complexas de comunicação são coisas bem controversas e ainda sem resposta definitiva.
Button dogs: O que a ciência tem a dizer?
Federico Rossano, um cientista cognitivo da Universidade da Califórnia, em San Diego, decidiu mergulhar no fenômeno dos “button dogs” com o objetivo de determinar se nossos cachorros entendem realmente o que estamos dizendo e estão tentando conversar conosco ou se apenas aprenderam um novo truque.
Seu estudo, o primeiro extenso sobre a produção de linguagem canina, está se desenrolando e visa explorar como esses animais usam os botões de forma semelhante a palavras. (Não sei aí, mas aqui a curiosidade é grande e temos fortes inclinações para achar que os cachorros entendem a gente, sim…! Tá bom, vamos parar, isso é só o coração falando!)
Ainda não temos artigos científicos divulgados e revisados por pares, mas alguns pesquisadores sugerem que dados preliminares indicam que nossos animais de estimação podem realmente entender a conexão entre algumas palavras e significados, associando, por exemplo, que quando eles apertam um botão para “jogar” eles terão nossa atenção.
Alguns animais prodigiosos do estudo de Federico parecem terem conseguido usar efetivamente de 40 a 50 botões, enquanto cinco ou seis aprenderam mais de 100. Mas parece que o estudo traz um número médio de palavras aprendidas em torno de 9.
Do outro lado do oceano, o Genius Dog Challenge da Hungria parece ecoar sentimentos semelhantes. De inúmeros participantes, apenas cerca de 40 foram identificados como possuindo um talento linguístico único.
Mas a pergunta permanece: os cães podem realmente formar frases? Ou é apenas acaso quando eles juntam palavras que parecem ter significado? “Há muito viés de confirmação”, diz Mallikarjun. Talvez estejamos nos deixando levar pela ilusão de que os cachorros entendem o que dizemos do jeito que gostaríamos que eles entendessem. Rossano concorda, dizendo que estabelecer uma linguagem generativa, nos cães exigiria uma pesquisa mais rigorosa. Esse tipo de linguagem é a que permitiria que fosse validada a hipótese de que eles formam frases de uma forma criativa.
Se os cachorros entendem ou não o que dizemos ainda é um mistério. Parece que até entendem, mas não do jeito que a gente compreende esse “entender”. Mas que ia ser massa se nossos dogs pudessem conversar com a gente, isso seria! A neurociência está olhando para isso e promete respostas… Mas os “button dogs” não servem de referência para validar a hipótese de que os doguinhos possam bater um papo com a gente!
Fonte: Scientific American