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Oscilações de elétrons do “demônio” de Pines finalmente observadas em um supercondutor estranho

Os elétrons produzem oscilações que intrigam a ciência. Já ouviu falar de vibrações quase invisíveis em metais? É algo muito mais intrigante do que parece. Lá em 1956, um físico chamado David Pines imaginou mares de ondas causadas por elétrons, ou seja, distúrbios elétricos que, mesmo estando em constante movimento, se anulavam de tal forma que pareciam imóveis

Pines deu a essa peculiaridade o nome de “demônio” – e por ser eletricamente neutro e não interagir com a luz, portanto invisível, esse “demônio” se tornou um desafio e tanto para ser detectado.

Ao longo dos anos, os físicos tiveram vislumbres de variantes desse fenômeno, mas aquele que aconteceria naturalmente a partir da interação de elétrons em blocos metálicos, – o verdadeiro “demônio” de Pines –,  continuava sendo um mistério. Mas recentemente, um time de físicos da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, parece ter finalmente desvendado esse enigma, enquanto aperfeiçoava uma técnica capaz de observar com precisão o movimento dos elétrons em determinado material. Com isso, parece terem conseguido detectar esse padrão de ondas que Pines havia previsto décadas atrás.

Piers Coleman, um físico teórico da Rutgers University, se mostrou impressionado, mencionando que essas modalidades não eram observadas há setenta anos. 

Os demônios detectados nos elétrons 

Os anos 50 foram um período incrível para o estudo de elétrons em metais. Os físicos tinham uma visão bastante simplista, tratando elétrons como se fossem um gás de fluxo livre, esquecendo um detalhe fundamental: elétrons tendem a se repelir.

Então, em 1952, David Pines e seu conselheiro David Bohm deram um salto importante nessa teoria, ajustando essa visão de “gás eletrônico”, levando em conta a interação entre os elétrons. Eles descobriram que os elétrons podiam se agrupar em certos lugares e se dispersar em outros, formando ondas consistentes de densidades alternadas, ou seja, regiões de carga elétrica mais alta e mais baixa.

Pines levou essa teoria ainda mais longe, imaginando um material contendo dois tipos de “gases”, cada um formado por um tipo diferente de partícula carregada. A proposta tratava-se de um metal com elétrons “pesados” e elétrons “leves”. Embora todos os elétrons sejam iguais em teoria, o que se pode medir das duas propriedades depende do ambiente.

Ele percebeu que onde os elétrons pesados se aglomeravam, os elétrons leves se dispersavam e vice-versa. É um equilíbrio tão perfeito que, mesmo em constante movimento, enquanto um gás diminuia e o outro aumentava, a densidade total de elétrons (e portanto a carga elétrica total) permanecia constante. Anshul Kogar, físico de matéria condensada da Universidade da Califórnia, em Los Angeles clareou a ideia dizendo que “as coisas podem estar se movendo, mesmo quando parecem não estar”.

A luz só reflete em objetos com distribuição desigual de carga elétrica, então devido a essa carga constante, as ondas propostas por Pines seriam impossíveis de serem vistas. A luz vem em pacotes de energia neutros chamado fótons, e Pines, lidando com um movimento distinto de elétrons, nomeou então os seus pacotes neutros de energia como “demônios”, nome dado como uma homenagem ao experimento mental do físico James Clerk Maxwell.

Ao longo dos anos, os físicos observaram ondas opostas semelhantes aos “demônios” de Pines em vários materiais. Em 1982, pesquisadores detectaram ondas opostas em folhas de arsenieto de gálio, e mais recentemente, uma equipe liderada por Feng Wang, da Universidade da Califórnia, Berkeley, descreveu ondas quase invisíveis de elétrons em uma folha de grafeno.

Porém, muitas destas observações ocorreram em sistemas bidimensionais, onde as características dos demônios não são tão marcantes e onde é necessário um esforço mínimo para desencadear uma onda. Já em 3D é preciso uma certa quantidade de energia para fazer com que os elétrons não ligantes se aglomerem, tornando a coisa um pouco mais complexa.

Encontrando demônios

O demônio de Pines apareceu de penetra no laboratório de uma equipe de Urbana-Champaign, liderada por Peter Abbamonte, mesmo que eles não estivessem atrás disso.

Em 2010, o grupo de Abbamonte começou a trabalhar em uma técnica bem sofisticada para detectar distúrbios minúsculos em massas enormes de elétrons. Os cientistas atiraram elétrons em um determinado material, registrando a energia e o caminho que faziam, e com base nos ricochetes desses elétrons era possível entender as propriedades do material e as características das ondas causadas pela interação dos elétrons.  Era como saber se havia água, mel ou gelo em uma banheira, jogando bolinhas de pingue-pongue.

Há uns anos, físicos escolheram um metal supercondutor, o rutenato de estrôncio (Sr2RuO4) Essa escolha se deu pelo material ter uma estrutura bem parecida com supercondutores de alta temperatura, baseados em cobre, os “cupratos”. Supercondutores são materiais que podem conduzir corrente elétrica sem resistência quando resfriados abaixo de uma certa temperatura crítica.

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Acontece que o que era para ser uma simples investigação tomou um rumo completamente diferente.

Trabalhando em aperfeiçoar a técnica de observação dos elétrons, o então doutorando Ali Husain, notou um comportamento do material que não entendeu: os elétrons, em vez de se comportarem como o esperado, estavam perdendo energia quando ricocheteavam, criando então ondas que drenavam energia no rutenato de estrôncio. Mas essas ondas não se comportavam como nada que eles já tinham visto antes, eram rápidas demais para serem ondas sonoras, e lentas demais para serem ondas de carga que se espalham pela superfície do material, além de terem energia extremamente baixa.

Husain, pensou que isso só podia ser algum tipo de erro. Ele tentou tudo: diferentes amostras, diferentes voltagens e até colocou diferentes pessoas para fazer as medições, mas os resultados continuavam os mesmos.

Depois de quebrar a cabeça com cálculos e análises, o grupo percebeu que essas vibrações estavam surpreendentemente alinhadas com a teoria do Pines! No rutenato de estrôncio parece que os elétrons encontraram uma forma inédita de interagir, em uma sincronia que remetia aos “elétrons pesados” e “leves” neutralizados que Pines imaginou lá atrás. Eles poderiam então ter descoberto um material que comportava o demônio de Pines.

Nem todos os cálculos se alinharam perfeitamente com as previsões de Pines, e os investigadores não garantem que não estejam observando outro tipo de vibração que ainda não entenderam, mas a maioria dos pesquisadores que têm contato com o estudo concorda que há uma forte evidência de que o “demônio” de Pines pode ter sido finalmente encontrado.

Sankar Das Sarma, teórico da matéria condensada da Universidade de Maryland que realizou um trabalho pioneiro sobre vibrações demoníacas reconhece o rigor da equipe e afirma: “Eles fizeram todas as verificações de boa-fé que podiam“.

As possibilidades dos demônios

A descoberta que faz com que os pesquisadores suspeitem que o tão falado “demônio” exista nos metais reais não é apenas uma vitória para os físicos, ela abre uma porta repleta de possibilidades no mundo real. Segundo Abbamonte, essas ondulações dos elétrons não deveriam ser raras e podem causar impactos significativos.

Uma coisa interessante sobre os metais é a sua capacidade de supercondutividade, um fenômeno onde não há resistência elétrica. Imagine a possibilidade de ondas sonoras que viajam através de estruturas metálicas com o poder de conectar elétrons de forma a permitir essa supercondutividade. Em 1981, um grupo visionário de físicos já teorizava que essas vibrações “demoníacas” poderiam ter o mesmo efeito! 

Será que o rutenato de estrôncio, esse metal peculiar escolhido pelo grupo de Abbamonte, esconde o segredo da supercondutividade por causa do “demônio” de Pines? Kogar nos diz que a resposta ainda não é clara, mas destaca a importância deste novo “jogador” no campo da física.

O que é realmente revolucionário aqui é o fato de termos finalmente observado um efeito nos metais há muito antecipado. Para os teóricos da matéria condensada, é como fechar um livro que foi aberto há 70 anos, uma história fascinante e repleta de curvas inesperadas. Coleman lembra que essa descoberta é um início valioso à compreensão inicial do gás de elétrons.

E, como em toda grande história de descoberta da ciência, há sempre um vislumbre do futuro. Husain, que se formou em 2020 e agora fazendo parte da empresa Quantinuum, sugere que os metais podem estar repletos de vibrações e características ainda não compreendidas, e que há todo um universo de fenômenos, só esperando para ser revelado.

Ainda não existem todos os instrumentos para observar as ondulações dos elétrons e essas vibrações, mas a ciência vai continuar explorando, e Husain resume muito bem:  “Elas [as vibrações] estão apenas sentadas lá”, disse ele, “esperando para serem descobertas

Fonte: Quanta Magazine

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