Um marco impressionante na exploração da Terra foi alcançado no coração do Oceano Atlântico Norte por um grupo de geólogos que, utilizando o navio de perfuração científica chamado JOIDES Resolution, perfuraram 1268 metros abaixo do fundo do mar, atingindo profundidades nunca antes alcançadas no manto terrestre, quebrando recordes e oferecendo novas pistas sobre os processos que alimentam vulcões oceânicos e até mesmo sobre as possíveis origens da vida na Terra.
A Terra é composta por várias camadas distintas: uma crosta sólida externa, um manto superior e inferior, e um núcleo. O manto superior, localizado logo abaixo da crosta, é predominantemente composto por uma rocha rica em magnésio chamada peridotito. Esta camada é crucial para vários processos planetários, como terremotos, o ciclo da água e a formação de vulcões e montanhas.
Até agora, nosso acesso ao manto tem sido limitado a fragmentos expostos no fundo do mar ou trazidos à superfície por erupções vulcânicas. No entanto, existem regiões da Terra onde o manto está exposto no fundo do oceano, como o Monte Submarino Atlantis Massif, localizado perto da ativa dorsal mesoatlântica. Nesta área, partes do manto estão continuamente surgindo e derretendo, alimentando muitos dos vulcões da região. Além disso, quando a água do mar penetra mais profundamente no manto, as altas temperaturas produzem compostos químicos, como metano, que sobem através das fontes hidrotermais e sustentam a vida microbiana.
Para desvendar mais sobre essa região dinâmica, os geólogos inicialmente planejaram perfurar 200 metros no manto com o JOIDES Resolution, uma profundidade que já seria um recorde. No entanto, à medida que a perfuração prosseguia, as condições favoráveis permitiram que eles fossem muito além do planejado. “Começamos a perfurar e as coisas correram incrivelmente bem,” diz Andrew McCaig, da Universidade de Leeds, no Reino Unido. Ele acrescenta que, o sucesso na recuperação de longas seções contínuas de rochas, decidiram continuar perfurando o quanto fosse possível.
A análise das amostras do núcleo de rocha revelou níveis significativamente mais baixos de piroxênio em comparação com outras amostras de manto coletadas ao redor do mundo. Piroxênios são minerais silicatados importantes no manto terrestre, conhecidos por sua estrutura cristalina e resistência ao calor.
De acordo com Johan Lissenberg, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, os níveis reduzidos de piroxênio indicam que essa seção específica do manto passou por um derretimento significativo no passado, esgotando o mineral. No futuro, ele espera reconstruir esse processo de derretimento para entender melhor a dinâmica do manto e como o magma resultante chega à superfície, alimentando vulcões oceânicos.
Origem da vida na Terra
Além das implicações geológicas, essa perfuração profunda tem potencial para oferecer insights sobre a origem da vida na Terra. Alguns cientistas acreditam que a vida começou nas profundezas do oceano, perto de fontes hidrotermais. Ao examinar os compostos químicos ao longo do núcleo de rocha, os microbiologistas esperam determinar as condições que poderiam ter levado ao surgimento da vida e até que profundidade abaixo do fundo do oceano esses processos ocorreram.
O furo resultado desta profunda perfuração, é tido como uma amostra de referência muito importante para cientistas de muitos ramos da ciência, segundo McCaig. Embora uma amostra unidimensional da Terra não possa fornecer informações completas sobre os caminhos tridimensionais da migração de derretimento e água, ela ainda representa um avanço significativo, conforme destaca John Wheeler, da Universidade de Liverpool, no Reino Unido.
Os dados obtidos a partir dessa perfuração não só ajudarão a entender melhor os processos internos da Terra, mas também fornecerão uma base para futuras pesquisas interdisciplinares. Por exemplo, ao compreender como o manto derrete e como o magma migra para a superfície, os cientistas podem aprimorar modelos de previsão de atividade vulcânica e sismológica. Além disso, as descobertas podem oferecer novas perspectivas sobre a dinâmica da água no interior da Terra, influenciando estudos sobre o ciclo hidrológico global.
Fonte: NewScientist