Reflexões sobre a percepção humana, podem nos levar a questionamentos profundos sobre nossas relações com o mundo.
Em uma viagem de trem de Nova York para Boston em 26 de fevereiro de 2015, a jornalista Christie Aschwanden testemunhou algo que desafiaria a maneira como entendemos a nossa própria percepção. Seu laptop aberto e grupos de chat fervilhando com debates acalorados sobre a cor de um vestido. Sim, aquele vestido que dividiu a internet entre os que viam branco e dourado e os que juravam que era azul e preto. Esse episódio aparentemente trivial se tornou o ponto de partida para uma exploração profunda sobre a incerteza na percepção humana no podcast “Uncertain”, de Scientific American.
Olha que legal o conteúdo desse podcast!
O entrevistado era Pascal Wallisch, professor associado de ciência de dados e psicologia na Universidade de Nova York, que dedicou uma parte significativa de sua carreira ao estudo desse fenômeno. No papo, ele explora como algo tão simples quanto a cor de um vestido pode revelar camadas profundas de complexidade sobre como interpretamos o mundo ao nosso redor.
Nosso cérebro, essa máquina de processamento complexa, está constantemente preenchendo lacunas na nossa percepção, muitas vezes sem que nos demos conta. Wallisch explica que o fenômeno do vestido não é sobre o objeto em si, mas sobre a imagem e suas condições de iluminação ambíguas. Dependendo de como o cérebro interpreta a iluminação da imagem, as cores podem ser vistas de maneira drasticamente diferente.
Esta descoberta sobre a percepção visual nos leva a uma questão maior: o que mais estamos percebendo de forma equivocada sem sequer saber? Afinal, se algo que parece vir de uma percepção tão direta pode ser tão mal interpretado, quais outras certezas visuais poderiam ser, na verdade, ilusões?
A pesquisa de Wallisch avançou para incluir outras variáveis, como os cronotipos — se somos pessoas matutinas ou noturnas — que influenciam como percebemos as cores com base nas condições de luz às quais estamos mais acostumados. Em experimentos subsequentes, objetos como Crocs e meias foram usados para replicar o efeito, mostrando como nossas expectativas sobre a cor de objetos comuns podem ser manipuladas por condições de iluminação específicas. Esses estudos não apenas reforçam como a percepção é relativa, mas também como nosso cérebro trabalha de maneira preditiva para construir a realidade que percebemos.
A parte final do podcast aborda um estudo organizado por Justin Landy, professor assistente de psicologia na Nova Southeastern University, que visou explorar como diferentes metodologias científicas podem afetar os resultados de pesquisas. Através de uma abordagem colaborativa e crowdsourced, várias equipes de pesquisa se dedicaram às mesmas questões psicológicas para ver se chegariam aos mesmos resultados.
Os resultados foram esclarecedores, apontando que as descobertas variaram significativamente, destacando como até mesmo pequenas decisões metodológicas podem influenciar os resultados de estudos científicos. Essa variabilidade destaca uma verdade crítica sobre a prática científica: ela está repleta de incertezas que precisam ser reconhecidas e geridas.
Questões importantes para a ciência a partir da percepção
Tanto a percepção visual quanto a prática científica revelam uma necessidade de humildade intelectual. No caso do vestido, muitos estavam convencidos de que viam a cor “real”, apenas para descobrir que uma segunda opção igualmente válida existia. Da mesma forma, na ciência, diferentes abordagens podem levar a conclusões distintas, e o reconhecimento dessa incerteza é crucial para evitar a arrogância científica.
Este ponto é crucial para entendermos como a ciência realmente funciona. Não é um conjunto de verdades inquestionáveis, mas sim um processo contínuo de descoberta e revisão. A ciência avança à medida que novas informações surgem e teorias são reavaliadas. É essa incerteza, essa abertura para o questionamento e a mudança, que impulsiona o avanço do conhecimento.
Os insights de Wallisch e Landy, ricos em implicações filosóficas e práticas, nos lembram que nossas percepções — tanto visuais quanto conceituais — são sempre interpretações do mundo, não o mundo em si. Para reconhecer essas incertezas e abordar tanto a vida diária quanto o discurso científico com uma mente aberta e questionadora é importante.
A discussão sobre o vestido que dividiu a internet e a variabilidade das metodologias científicas revela a essência da ciência e da percepção humana: um convite para explorar o desconhecido com curiosidade, ceticismo saudável e uma disposição para ser surpreendido.
Fonte: Scientific American