A maneira como nomeamos os dinossauros evoluiu consideravelmente no decorrer de dois séculos, desde que William Buckland, um geólogo e ministro tropeçou nos restos fossilizados do primeiro dinossauro descoberto, o Megalosaurus, numa área rural do Reino Unido. Buckland, impressionado com o tamanho colossal dos ossos, escolheu um nome que refletisse a magnitude da descoberta.
Essa prática de batizar seres extintos com base em características físicas, locais de descoberta ou mesmo em homenagem a cientistas se estendeu por centenas de espécies ao longo dos anos. No entanto, à medida que avançamos no século XXI, alguns pesquisadores estão defendendo uma revisão desse sistema de nomeação, que consideram antiquado e, por vezes, problemático.
A nomenclatura dos dinossauros, diferentemente de outras áreas científicas como a química, onde as regras para nomear moléculas são estritas, é relativamente flexível. A tradição estabelece que o cientista ou equipe que primeiro publicar um trabalho sobre um organismo tem o direito de nomeá-lo, seguindo diretrizes gerais da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN – International Commission on Zoological Nomenclature). Essas diretrizes visam assegurar que cada nome seja único, publicado oficialmente e vinculado a um único espécime. No entanto, essa liberdade também abriu espaço para práticas que hoje são vistas como problemáticas.
Uma análise recente, conduzida por Emma Dunne, paleobióloga da Universidade Friedrich-Alexander em Erlangen-Nuremberg, Alemanha, e seus colegas, revelou que, dos aproximadamente 1.500 nomes de dinossauros descritos da Era Mesozoica (251,9 milhões a 66 milhões de anos atrás), 89 poderiam ser considerados ofensivos ou problemáticos, refletindo racismo, sexismo, contextos neocoloniais ou homenageiam figuras controversas. Além disso, muitos nomes de dinossauros descobertos em expedições coloniais não homenageiam os membros locais das equipes de descoberta, e sim os exploradores ou financiadores estrangeiros, muitas vezes ignorando as línguas e culturas indígenas.
A questão não se limita apenas aos nomes considerados ofensivos. A prática de eponímia, nomear espécies em homenagem a pessoas, tornou-se mais comum nos últimos anos, uma tendência que é acompanhada de uma predominância de nomes masculinos, refletindo uma disparidade de gênero que, segundo os autores da análise, deveria ser revista. A sugestão é de um retorno aos nomes descritivos, que não só evitam potenciais controvérsias, mas também são mais úteis para a comunicação científica e educacional.
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Por que renomear dinossauros?
Diante desses desafios, a ICZN mantém uma postura conservadora, priorizando a estabilidade dos nomes científicos. A organização resiste à ideia de renomear espécies com base em critérios que não sejam estritamente nomenclaturais, argumentando que mudanças retrospectivas poderiam comprometer a consistência e a clareza do registro científico. Contudo, a Comissão está aberta a considerar sistemas de nomeação alternativos, que poderiam incluir repositórios para revisão por pares ou exigências de publicação em determinadas revistas, embora nenhuma mudança formal esteja planejada por enquanto.
Apesar da resistência a mudanças radicais por parte da ICZN, há um movimento crescente entre os paleontólogos para adotar práticas de nomeação mais inclusivas e representativas. Paul Barrett, do Museu de História Natural de Londres, destaca um desejo marcante de reconhecer figuras anteriormente negligenciadas na nomeação de novos dinossauros e de enfrentar questões de patrimônio cultural e científico. A tendência é de uma maior colaboração com comunidades indígenas e o uso de nomes derivados de suas línguas, tradições e interesses, o que contribui para o engajamento comunitário e reflete o contexto histórico dos materiais descobertos.
Esta discussão sobre a nomenclatura dos dinossauros é emblemática de um debate mais amplo sobre inclusão, representatividade e consciência histórica na ciência. A questão central não é apenas sobre os nomes em si, mas sobre quem tem o poder de nomear, quem é reconhecido nesse processo e como podemos fazer dessa prática um reflexo mais fiel da diversidade global e da colaboração científica. Emma Dunne expressa uma cautela compreensível quanto a impor mais trabalho não remunerado aos acadêmicos, mas enfatiza a necessidade de uma abordagem que seja mais representativa da comunidade como um todo.
Fonte: Nature