O Telescópio Espacial Hubble, após mais de três décadas de descobertas revolucionárias, enfrenta desafios significativos que podem diminuir sua capacidade de continuar produzindo ciência de ponta. Mesmo assim, a NASA ainda não está pronta para embarcar em uma missão privada de reparo para essa ferramenta astronômica.
O Hubble permanece em boa condição geral, orbitando a Terra a 17.000 milhas por hora a uma altitude de cerca de 320 milhas. No entanto, desde o dia 24 de maio, o telescópio está em “modo de segurança”. Não é a primeira vez que isso acontece, na verdade, esses eventos estão se tornando cada vez mais frequentes. A principal causa dessas interrupções tem sido leituras incorretas de um giroscópio defeituoso. Esses dispositivos são cruciais, pois utilizam o momento angular de uma roda de rotação rápida para medir a velocidade e o movimento das voltas do Hubble enquanto ele rastreia alvos no céu. Os controladores em terra têm reiniciado repetidamente o giroscópio problemático, mas os erros sempre retornam.
Sem a orientação dos giroscópios, o Hubble ficaria praticamente “cego”, incapaz de se fixar com precisão na maioria dos objetos celestes. O telescópio ainda oferece a visão mais nítida do espaço em luz visível e ultravioleta, e não tê-lo operando é abrir mão de uma visão e tanto do universo. Mesmo depois de tanto tento ativo, o Hubble está em alta demanda, com propostas de pesquisa superando em muito o tempo disponível para observação. Ele também oferece sinergias potentes com novos e futuros telescópios espaciais para estudar exoplanetas, estrelas em explosão e galáxias distantes.
Durante uma conferência de imprensa em 4 de junho, os oficiais da NASA anunciaram que estão mudando o Hubble para o “modo de um giroscópio”, um plano de contingência para continuar as operações científicas apesar do número reduzido de giroscópios utilizáveis. Essa transição deixará o Hubble com um único giroscópio totalmente funcional em reserva e exigirá a reconfiguração tanto da espaçonave quanto do controle em terra, além de revisões nos planos de todas as observações científicas. A expectativa é que o telescópio retome suas operações normais até meados de junho.
Mark Clampin, diretor da divisão de astrofísica da NASA, explicou que essa é a melhor abordagem para suportar a ciência do Hubble ao longo desta década e na próxima. A mudança para o modo de um giroscópio permitirá operações científicas consistentes e preservará um giroscópio em reserva para uso futuro potencial.
No entanto, o modo de um giroscópio trará novas limitações ao desempenho do Hubble, que agora precisará de mais tempo para encontrar qualquer alvo específico, o que o torna mais lento, além de reduzir a eficiência do agendamento de suas observações.
Essa lentidão também significa que o Hubble será incapaz de rastrear objetos dentro da órbita de Marte, embora essas observações historicamente representem menos de 1% do seu trabalho. A mudança também diminuirá significativamente a área do céu acessível ao Hubble a qualquer momento, prejudicando sua capacidade de estudar supernovas e outros eventos astrofísicos de curta duração que exigem respostas rápidas.
Tom Brown, chefe da missão Hubble no Instituto de Ciência do Telescópio Espacial (STScI, do inglês Space Telescope Science Institute), afirmou que o modo de um giroscópio reduz a área do céu que o Hubble pode observar em aproximadamente metade, mas essa área muda ao longo do ano, permitindo a observação de todo o céu em um período de tempo mais longo.
Edward Cheng, ex-cientista do projeto Hubble na NASA, comentou que para astrônomos interessados em fenômenos transitórios, a mudança pode causar preocupação, mas a maioria das outras observações não será grandemente afetada. Cheng acredita que o Hubble continuará sendo altamente requisitado mesmo após essa mudança.
Considerações para uma missão de resgate do Hubble
Estima-se que a transição para o modo de um giroscópio poderia reduzir a produtividade científica geral do Hubble em até 25%. Essa redução, combinada com o aumento das ocorrências de “modo de segurança” e a gradual decadência da órbita do Hubble, que deverá resultar em uma reentrada atmosférica ardente em meados ou final dos anos 2030, reacenderam os pedidos para que a NASA monte outra missão tripulada de serviço para resgatar o observatório.
Essa reentrada refere-se ao processo em que o objeto é submetido a uma tremenda fricção com as camadas superiores da atmosfera. Essa fricção gera um calor extremo, fazendo com que o objeto aqueça rapidamente. Se o objeto não for projetado para resistir a essas altas temperaturas, ele acabará se desintegrando e queimando devido ao calor intenso. No caso do Hubble, quando se fala em uma “reentrada atmosférica ardente”, isso implica que, sem intervenções para reboost (elevar sua órbita), o telescópio eventualmente perderá altitude, entrará na atmosfera e se queimará devido ao calor gerado pela fricção atmosférica.
A intervenção para resgate exigiria, no mínimo, um encontro com o Hubble para impulsioná-lo a uma altitude mais alta, mas poderia também envolver atividades extraveiculares por uma tripulação para instalar novos giroscópios ou rastreadores de estrelas.
Sem o benefício do ônibus espacial, desta vez o processo dependeria de um veículo diferente, como a espaçonave Crew Dragon da SpaceX, que ainda não foi testada como suporte para astronautas em caminhada espacial. Em colaboração com a SpaceX, o bilionário e astronauta privado Jared Isaacman propôs tal missão à NASA, oferecendo-se para financiá-la praticamente sozinho. Contudo, a recepção da agência espacial tem sido resistente devido a preocupações com a ciência do Hubble e a segurança da tripulação.
Durante a conferência de imprensa, Clampin deixou claro que a reticência da NASA permanece inalterada. “Depois de explorar as capacidades comerciais atuais, não vamos buscar uma reinicialização neste momento”, disse ele. “Embora a reinicialização seja uma opção para o futuro, acreditamos que precisamos fazer algum trabalho adicional para determinar se o retorno científico a longo prazo superará o risco científico a curto prazo…. Por enquanto, estamos recuando .“
Apesar dos desafios, a NASA permanece otimista sobre o futuro do Hubble, esperando que ele continue a fornecer dados científicos valiosos durante o restante desta década e na próxima. Mesmo com as novas limitações, o Hubble ainda é uma ferramenta poderosa para a exploração do cosmos e continua a ser um ativo inestimável para a comunidade científica global… resta saber até quando!
Fonte: Scientific American