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Teoria das cordas examinada por IA: Redes neurais fornecem abordagem que reacende interesse de físicos teóricos

A teoria das cordas, uma vez aclamada como a “teoria de tudo”, prometia simplificar o universo até suas mais fundamentais interações, onde partículas elementares e campos quânticos seriam substituídos por um único elemento: fios de energia vibrando no tecido do espaço. Capturando a imaginação de físicos ao redor do mundo desde os anos 1980, essa teoria oferecia uma proposta cativante ao sugerir que, ao olhar bem de perto, toda a complexidade material se reduziria a cordas idênticas, cujas vibrações e interações formariam tudo que conhecemos.

No entanto, ao expandir os estudos nesta teoria, os físicos se depararam com uma complexidade enorme. A teoria das cordas exige que nosso universo opere em dez dimensões para manter consistência matemática, seis a mais do que as quatro dimensões observáveis (três de espaço e uma de tempo) que experimentamos diariamente. Essas seis dimensões adicionais proposta na teoria das cordas não seriam espaços vastos e exploráveis, mas sim encolhidas em formas microscópicas e complexas, comparadas a esponjas, com um número gigantesco de variações possíveis – na ordem de 10500 configurações plausíveis.

Este cenário levou a um grande desafio: como conectar essas configurações de dimensões extras da teoria das cordas, com suas trilhões de possibilidades, às partículas elementares e forças que observamos? Por décadas, a comunidade científica lutou para mapear de forma concreta e computacional como as configurações específicas das dimensões e cordas poderiam resultar no mundo macroscópico que conhecemos.

Recentemente, uma nova ferramenta começou a ser aplicada para enfrentar este grande desafio: redes neurais, uma técnica computacional no campo emergente da inteligência artificial. Nos últimos meses, equipes de físicos e cientistas da computação conseguiram, pela primeira vez, calcular precisamente que tipo de mundo macroscópico emergiria de um mundo microscópico específico de cordas, representando este momento um marco significativo para investigação desta teoria, reacendendo uma busca que havia esfriado nas últimas décadas, a de determinar se a teoria das cordas pode realmente descrever nosso universo.

Embora ainda não se possa afirmar que as regras para nosso universo foram definitivamente estabelecidas por esses estudos, o progresso alcançado aponta uma direção, se colocando como passo importante no esforço contínuo para verificar se a teoria das cordas é realmente uma física capaz de fazer previsões únicas e concretas sobre o mundo em que vivemos.

Na complexa proposta da teoria das cordas, uma figura central emerge: a variedade Calabi-Yau, que são espaços complexos de seis dimensões, que lembram buchas, que receberam o nome dos matemáticos Eugenio Calabi e Shing-Tung Yau. Esses espaços são essenciais para entender como as leis macroscópicas da física podem emergir de realidades microscópicas extraordinariamente compactas e retorcidas. Yau, que na década de 1970 se propôs a provar que Calabi estava errado, acabou confirmando a existência desses espaços, que hoje são um pilar na busca pela compreensão do universo em sua escala mais fundamental.

Estas variedades são particularmente atraentes para os físicos por duas razões principais. Primeiramente, elas suportam campos quânticos supersimétricos, que são mais simples para estudar devido à sua simetria inerente. 

Os campos quânticos supersimétricos são uma extensão da teoria quântica de campos que incorporam o princípio da supersimetria, um conceito teórico que propõe uma relação simétrica entre partículas de matéria (férmions) e partículas de força (bósons). Na supersimetria, cada partícula de um tipo possui uma parceira supersimétrica do outro tipo, e essas relações são descritas por campos que obedecem tanto às leis da mecânica quântica quanto às transformações supersimétricas, oferecendo possíveis explicações para questões não resolvidas na física de partículas e também na matéria escura, além de apresentar uma alternativa na busca por uma unificação mais completa das forças fundamentais da natureza.

Embora experimentos no Grande Colisor de Hádrons tenham mostrado que as leis macroscópicas da física não são supersimétricas, muitos teóricos que defendem a teoria das cordas trabalham sob a hipótese de que o universo em escalas microscópicas seja supersimétrico, seja por motivações físicas ou necessidades matemáticas. 

Em segundo lugar, as variedades Calabi-Yau são “Ricci-flat” (Ricci-planas, em tradução livre), o que significa que elas não apresentam o tipo de curvatura causada pela presença de matéria ou energia conforme descrito na teoria da relatividade geral de Einstein. Essa característica as torna ideais para representar espaços onde as regras convencionais de curvatura de matéria e energia não se aplicam.

Avançando na conexão entre a teoria das cordas e a física de partículas observáveis, o desafio começa com a seleção da variedade Calabi-Yau apropriada que pode descrever a microestrutura do espaço-tempo em nosso universo, o que envolve identificar variedades com características contáveis corretas, como o número de “buracos”, que correspondem às características contáveis de nosso mundo, como o número de partículas distintas de matéria (referem-se aos férmions, que são os blocos fundamentais da matéria), que, em nosso universo, são 12.

Nos últimos anos, especialmente em 2019 e 2020, colaborações baseadas no Reino Unido avançaram significativamente nesse aspecto, aprimorando a arte da seleção do que os pesquisadores chamaram de “donut” em 6D — uma metáfora para entender a planicidade de Ricci, descrevendo essas formas complexas. Esses esforços conduziram ao desenvolvimento de fórmulas que identificam rapidamente classes de variedades Calabi-Yau que produzem versões aproximadas do Modelo Padrão, contendo o número correto de partículas de matéria.

Essas teorias, no entanto, tendem a prever forças de longa distância que não observamos. Ainda assim, essas ferramentas permitiram que físicos do Reino Unido automatizassem cálculos que antes eram considerados extremamente desafiadores.

Reprodução: QuantaMagazine – Formas hexadimensionais chamadas variedades Calabi-Yau (cujas fatias 3D são mostradas aqui) vêm em variedades cada vez mais complexas. Na teoria das cordas, uma variedade microscópica existe em cada ponto do nosso universo 4D e determina as leis da física que experimentamos.

A eficácia desses métodos é impressionante, como destacou Andrei Constantin, físico da Universidade de Oxford, que liderou a descoberta dessas fórmulas, que “reduzem o tempo necessário para a análise dos modelos da teoria das cordas de vários meses de esforços computacionais para uma fração de segundo“.

O próximo passo, e talvez o mais desafiador, é refinar ainda mais a busca para identificar uma única variedade Calabi-Yau. Este passo envolve especificar exatamente o tamanho e a localização precisa de cada curva e reentrância da variedade, detalhes geométricos que determinam todas as características remanescentes do macromundo, incluindo como as partículas interagem e quais são suas massas exatas.

Mais precisão na investigação da teoria das cordas?

A busca por compreender as sutilezas do universo através da teoria das cordas levou Toby Wiseman, físico do Imperial College London, e Matthew Headrick, um teórico das cordas a um avanço significativo em 2005. Utilizando técnicas numéricas, que às vezes são ensinadas em aulas de cálculo do ensino médio, eles demonstraram que era possível aproximar a métrica de Calabi-Yau em quatro dimensões. Essa métrica, embora não perfeitamente plana em todos os pontos — apresentando pequenos “amassados” comparáveis a um donut — mostrou-se muito próxima do ideal, solidificando a base para considerar espaços como Ricci-flat, um requisito crucial segundo as equações de Einstein para espaços vazios.

Paralelamente, Simon Donaldson, outro destacado matemático do Imperial College London, também estava investigando métricas de Calabi-Yau por razões matemáticas, desenvolvendo outro algoritmo para aproximá-las. Contudo, os primeiros métodos frequentemente resultavam em donuts excessivamente “acidentados”, comprometendo a precisão necessária para previsões precisas de partículas. Essas limitações fizeram com que as tentativas de calcular métricas específicas esfriasse por quase uma década, com os teóricos defensores da teoria das cordas retornando ao básico e focando em resolver outros problemas dentro da teoria.

A história tomou um novo rumo com o poder das redes neurais. Esses sistemas de inteligência artificial, famosos por identificar objetos em imagens, traduzir discursos para outras línguas e até dominar jogos de tabuleiro complexos como o Go, se mostraram promissores para superar os obstáculos anteriores. A inspiração veio de um avanço notável da DeepMind, quando o algoritmo AlphaGo, em 2016, venceu um dos melhores jogadores de Go do mundo.

O físico Fabian Ruehle, agora na Northeastern University, percebeu o potencial dessa tecnologia para ultrapassar até mesmo as habilidades de matemáticos e físicos, dizendo: “Se essa coisa pode superar o campeão mundial em Go, talvez possa superar matemáticos, ou pelo menos os físicos como eu.

Motivado por essa nova perspectiva, Ruehle e colaboradores retomaram o desafio de aproximar as métricas de Calabi-Yau. Utilizando pacotes de aprendizado de máquina, disponíveis gratuitamente, adaptaram e desenvolveram ferramentas específicas para o cálculo dessas métricas.

Até 2020, vários grupos de pesquisa haviam lançado pacotes personalizados que permitiam calcular as métricas de Calabi-Yau com uma precisão e velocidade nunca antes vistas. Essas redes neurais eram capazes de adivinhar uma métrica, verificar a curvatura em milhares de pontos no espaço 6D e ajustar a suposição até que a curvatura desaparecesse por completo no manifold.

Na matemática e na física, um “manifold” é um conceito fundamental que refere-se a uma estrutura espacial que localmente se assemelha ao espaço euclidiano, mas que globalmente pode ter uma forma complexa e entrelaçada. Manifolds são espaços topológicos que permitem definir conceitos como distância, volume, curvatura e direção de forma consistente, sendo cruciais na geometria diferencial e em várias áreas da física, como a teoria da relatividade, onde o tecido do espaço-tempo é tratado como um manifold. 

Manifolds podem ter qualquer número de dimensões e incluem exemplos familiares como curvas (1D), superfícies (2D) e formas mais complexas em dimensões mais altas. A habilidade de modelar e entender manifolds é essencial para analisar a forma e as propriedades dos espaços que eles descrevem.

Com a capacidade de obter métricas precisas, os físicos finalmente podiam contemplar as características mais finas dos universos em grande escala que correspondem a cada manifold. Ruehle, empolgado com a nova ferramenta, calculou imediatamente as massas das partículas após obter a métrica desejada, marcando um avanço significativo para conectar os modelos da teoria das cordas às fenomenologias físicas observáveis

Em 2021, uma colaboração entre o físico Fabian Ruehle e Anthony Ashmore, teórico de cordas da Universidade Sorbonne, em Paris, produziu as massas de partículas pesadas exóticas, utilizando as curvaturas das variedades de Calabi-Yau, mas estas partículas, embora hipotéticas, mostraram-se massivas demais para serem detectadas. O desafio que acompanha os teóricos das cordas há décadas, de calcular massas de partículas mais familiares, como os elétrons, persistia. 

Partículas leves adquirem sua massa através de interações com o campo de Higgs, um campo de energia que permeia todo o espaço. A intensidade com que cada partícula interage com o campo de Higgs é medida por uma quantidade chamada acoplamento de Yukawa, que depende tanto da métrica da variedade Calabi-Yau — o formato do “donut” — quanto da maneira como os campos quânticos se distribuem sobre a variedade.

O acoplamento de Yukawa descreve a interação entre os campos de matéria (como quarks e léptons) e o campo de Higgs no Modelo Padrão da física de partículas. Essas interações são fundamentais porque são responsáveis por dar massa às partículas de matéria. O acoplamento de Yukawa varia para diferentes partículas, determinando a intensidade da interação de cada partícula com o campo de Higgs e, consequentemente, suas respectivas massas. Esses acoplamentos são expressos como constantes nas equações do Modelo Padrão, influenciando diretamente as propriedades fundamentais das partículas.

Recentemente, avanços significativos foram feitos graças ao desenvolvimento de pacotes de software que conseguem modelar a forma dessas variedades de Calabi-Yau. O último desafio era modelar a distribuição dos campos quânticos — o que, analogamente seriam os “granulados” do donut — e as redes neurais provaram ser capazes também dessa tarefa. No início deste ano, duas equipes conseguiram juntar todas as peças deste complexo quebra-cabeça.

Uma colaboração internacional liderada por Challenger Mishra, da Universidade de Cambridge, utilizou pela primeira vez uma rede neural desenvolvida internamente para calcular a métrica — a geometria do próprio “donut”. Em seguida, aplicaram algoritmos originais para computar como os campos quânticos se sobrepõem enquanto se curvam ao redor da variedade, semelhante aos “granulados” de um donut. Notavelmente, eles trabalharam em um contexto onde a geometria dos campos e a da variedade estão intimamente ligadas, uma configuração na qual os acoplamentos de Yukawa puderam ser calculados de uma forma alternativa, algo que nunca havia sido feito antes

Quando o grupo calculou os acoplamentos de ambas as maneiras, os resultados coincidiram. Além disso, os acoplamentos encontrados sugeriram uma separação entre as massas das partículas — um recurso enigmático do Modelo Padrão.

As pessoas querem fazer isso desde antes de eu nascer, nos anos 80”, disse Mishra, destacando a longevidade e a complexidade desse desafio.

Prosseguindo ainda mais, um grupo liderado por veteranos da teoria das cordas, Burt Ovrut da Universidade da Pensilvânia e Andre Lukas de Oxford, começou com o software de cálculo de métrica desenvolvido por Ruehle, no qual Lukas havia colaborado. Com base nisso, eles incorporaram uma rede de 11 redes neurais para lidar com os diferentes tipos de “granulados”.

Essas redes permitiram-lhes calcular uma variedade de campos que poderiam assumir formas mais realistas, criando um cenário que não pode ser estudado por nenhuma outra técnica. Este exército de máquinas aprendeu a métrica e o arranjo dos campos, calculou os acoplamentos de Yukawa e determinou as massas de três tipos de quarks. Isso foi realizado para seis variedades de Calabi-Yau modeladas de maneiras diferentes. “Esta é a primeira vez que alguém foi capaz de calculá-los com esse grau de precisão“, disse Anderson.

Embora nenhum desses Calabi-Yaus corresponda ao nosso universo, já que dois dos quarks têm massas idênticas, enquanto as seis variedades em nosso mundo apresentam três níveis de massas, os resultados representam uma prova de princípio de que algoritmos de aprendizado de máquina podem levar físicos de uma variedade de Calabi-Yau até massas específicas de partículas.

Entre o ceticismo e as possibilidades

As redes neurais, uma adição relativamente recente ao arsenal dos teóricos que sustentam a teoria das cordas, ainda lutam para manejar variedades de Calabi-Yau que apresentam mais do que alguns buracos, um obstáculo que se torna ainda mais proeminente à medida que os cientistas aspiram estudar manifolds com centenas de buracos. Apesar de suas promessas grandiosas, a teoria das cordas ainda enfrenta desafios significativos em sua aplicação prática, especialmente neste aspecto de modelar universos tão complexos quanto o nosso. 

Ashmore ressalta que, para alcançar a complexidade do Modelo Padrão, será necessário desenvolver redes neurais mais sofisticadas, pois os campos quânticos abordados até agora por essa tecnologia são simplistas.

A busca pela configuração correta na teoria das cordas é comparada a um jogo de números, onde a chance de encontrar uma correspondência exata por pura sorte é extremamente baixa, considerando o número potencialmente infinito de variedades de Calabi-Yau.

Essa realidade motiva uma abordagem estratégica na exploração dessas variedades, como a adotada por físicos que verificam milhares de manifolds em busca de padrões que possam direcionar suas pesquisas. Manipular e ajustar essas configurações poderia, teoricamente, ajudar os cientistas a desenvolver uma intuição sobre quais formas levam a quais partículas.

Enquanto alguns, como Andrei Constantin e seus colegas em Oxford, estão proativamente sondando os modelos mais promissores de Calabi-Yau, acreditando que poderiam reproduzir as massas de todas as partículas conhecidas nos próximos anos, outros, como Thomas Van Riet da KU Leuven, estão explorando o “swampland“, – o que, na física teórica, é uma hipotética coleção de teorias de campos efetivas que não podem ser consistentemente incorporadas na teoria das cordas, se contrapondo ao “landscape” de teorias que são compatíveis com a teoria das cordas.

A ideia do swampland é ajudar os físicos a discernir quais teorias de baixa energia podem efetivamente surgir de uma teoria fundamental como a das cordas. Sendo assim, esses pesquisadores buscam identificar características comuns entre todas as soluções teoricamente consistentes da teoria das cordas, uma abordagem que pretende descartar amplas faixas de soluções possíveis antes de começar a pensar em configurações específicas.

O ceticismo continua entre os físicos, muitos dos quais se afastaram da teoria das cordas para perseguir outras teorias da gravidade quântica. As recentes evoluções no aprendizado de máquina são improváveis de reconquistar aqueles que se desiludiram, segundo Renate Loll, física da Radboud University na Holanda. Para impressionar verdadeiramente, os teóricos defensores da teoria das cordas precisarão prever — e confirmar — novos fenômenos físicos além do Modelo Padrão, um desafio que Loll descreve como uma busca por “uma agulha no palheiro“.

No entanto, a esperança persiste entre muitos pesquisadores que utilizam o aprendizado de máquina na teoria das cordas, aspirando que a teoria se revele consistente, de modo que as configurações que correspondam ao nosso universo apresentem características comuns, como novas partículas que possam ser alvos para experimentos futuros. Por enquanto, isso ainda é aspiracional e pode não se concretizar.

Como Nima Arkani-Hamed, física teórica do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, destacou, a teoria das cordas tem sido espetacular em muitos aspectos, mas seu histórico em fazer afirmações qualitativamente corretas sobre o universo tem sido questionável. Agora, com o poder das redes neurais, os teóricos das cordas têm uma melhor chance de responder à pergunta crítica: há alguma versão da teoria das cordas que realmente se relacione com a natureza? A resposta pode ser negativa, mas, como Anderson aponta, vale a pena explorar a teoria ao máximo para descobrir. Essa jornada, embora repleta de incertezas, continua a ser uma fascinante fronteira da física teórica.

Fonte: QuantaMagazine

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