“Estamos ficando menos inteligentes por causa do ChatGPT”. Ouvimos muito isso nas últimas semanas. Precedia a essa afirmação, o argumento de autoridade: segundo um “um estudo do MIT”.

O estudo, conduzido por Nataliya Kosmyna e sua equipe no MIT Media Lab, buscou investigar como diferentes formas de auxílio digital – incluindo o uso do ChatGPT – influenciam o envolvimento do cérebro ao escrever um ensaio.
Sem dúvida, uma investigação importantíssima, e que pode trazer muitas pistas para sabermos se nossa interação com a IA está nos deixando cognitivamente mais preguiçosos. Mas ainda mais importante é saber que este estudo ainda está em fase preliminar, e seus resultados ainda não foram revisados por pares.
O trabalho foi publicado em um servidor servidor de pré-prints, ou seja, ainda espera por validação de métodos e resultados, por outros especialistas. Disponível no arXiv desde 10 de junho, o estudo já provocou discussões acaloradas entre neurocientistas, educadores e entusiastas da tecnologia.
O cérebro em xeque?
Foram recrutados 60 estudantes universitários, com idades entre 18 e 39 anos, em cinco universidades na região de Boston, nos Estados Unidos, mas os dados do estudo se referem a apenas 54 deles. Todos foram convidados a escrever ensaios curtos, em 20 minutos, respondendo perguntas típicas de exames como o SAT, tais como: “Devemos sempre pensar antes de falar?”.
Os participantes foram divididos em três grupos:
- Um grupo utilizou exclusivamente o ChatGPT (GPT-4o) como fonte de informação;
- Outro usou o Google, realizando buscas convencionais, sem o auxílio de IA;
- O terceiro grupo foi impedido de acessar qualquer recurso online, redigindo os textos apenas com base em seu próprio conhecimento e reflexão.
Além disso, um subconjunto de 18 participantes foi posteriormente realocado para outro grupo e convidado a escrever um novo ensaio – sobre um tema que já haviam abordado anteriormente – com uma ferramenta diferente da que usaram inicialmente.
Durante todo o processo, os voluntários utilizaram toucas equipadas com sensores de eletroencefalograma (EEG), capazes de registrar dados de mudanças sutis na atividade elétrica cerebral, que permitem identificar padrões de comunicação entre diferentes regiões do cérebro, fornecendo uma visão ampla sobre o grau de envolvimento cognitivo durante a tarefa.
O ChatGPT ajudou ou atrapalhou?
Os resultados confirmam algo que talvez fosse esperado: os participantes que escreveram os ensaios sem qualquer ajuda online apresentaram os níveis mais altos de conectividade cerebral. Especificamente, verificou-se uma comunicação mais intensa entre as áreas posteriores do cérebro e o lobo frontal, região associada à tomada de decisão e ao pensamento analítico. Além disso, essas pessoas foram mais capazes de lembrar e citar trechos dos próprios textos após a tarefa, sugerindo um maior engajamento mental durante o processo de escrita.
Já os estudantes que utilizaram o Google apresentaram uma atividade cerebral concentrada nas áreas ligadas à memória e ao processamento visual, o que faz sentido, dado o caráter de busca e leitura envolvido nesse tipo de tarefa.
O grupo que utilizou o ChatGPT, por sua vez, foi o que apresentou menor conectividade geral entre regiões cerebrais durante a produção dos textos. Isso indica, segundo os pesquisadores, um nível mais baixo de engajamento cognitivo, ou, pelo menos, uma delegação parcial do esforço mental à ferramenta de IA.
Menos atividade é necessariamente ruim?
Nem sempre. A própria Kosmyna enfatiza que mais conectividade cerebral não é sinônimo de melhor desempenho cognitivo. Em alguns casos, pode indicar maior concentração e esforço genuíno; em outros, pode ser sinal de ineficiência cognitiva ou até de sobrecarga mental. O ponto central da pesquisa, portanto, não é julgar qual grupo foi “mais inteligente”, mas observar como diferentes modos de interação com a tecnologia afetam o funcionamento do cérebro em tarefas intelectualmente exigentes.
O impacto sobre a criatividade
Uma das descobertas mais interessantes – e que gerou reações de especialistas – veio da segunda fase do experimento, quando os estudantes trocaram de grupos. Aqueles que inicialmente haviam usado o ChatGPT e depois passaram a escrever sem apoio digital mostraram um aumento na conectividade cerebral, mas não chegaram ao mesmo nível dos colegas que haviam trabalhado sem ferramentas desde o início.
Esse dado chamou a atenção de Adam Green, neurocientista da Universidade de Georgetown e cofundador da Society for the Neuroscience of Creativity. Segundo ele, isso pode ser um indicativo de que o uso frequente da IA para gerar ideias pode levar a um “treinamento menor” dos mecanismos cerebrais associados à criatividade e à elaboração autônoma de ideias.
No entanto, o próprio Green pondera que o número de participantes nessa etapa do estudo (18 pessoas) é pequeno demais para permitir conclusões robustas. Além disso, como os temas dos ensaios eram repetidos, é possível que os alunos tenham utilizado outras estratégias cognitivas para lidar com a tarefa.
Uma surpresa inesperada
Curiosamente, o efeito oposto também foi observado: estudantes que começaram escrevendo sem ferramentas e depois usaram o ChatGPT apresentaram maior conectividade cerebral na segunda rodada, contrariando a expectativa de que o uso da IA levaria à redução da atividade.
Essa observação sugere que o momento em que a tecnologia é introduzida pode influenciar o modo como o cérebro a integra ao processo de resolução de problemas. Como destaca Kosmyna, o timing da intervenção tecnológica pode ser tão importante quanto o próprio uso da ferramenta.
E quanto ao futuro da educação com IA?
Apesar das preocupações com o impacto da IA sobre o esforço cognitivo e a criatividade, muitos especialistas veem o uso de ferramentas como o ChatGPT de forma otimista – desde que bem orientado. Guido Makransky, psicólogo educacional da Universidade de Copenhague, acredita que os chatbots podem ser “tutores personalizados eficazes”, principalmente quando incentivam os estudantes a formularem perguntas reflexivas, em vez de simplesmente entregar respostas prontas.
O estudo, portanto, não condena o uso de IA na educação, mas sugere que devemos usá-la com consciência. Ferramentas como o ChatGPT têm um enorme potencial para expandir o acesso ao conhecimento, desde que o foco esteja em promover a autonomia intelectual, e não a substituição do raciocínio humano.
O estudo de Kosmyna abre uma janela interessante para entender os efeitos neurocognitivos do uso de do ChatGPT e outras IAs em tarefas complexas, mas seus resultados não devem ser encarados em definitivo, mas como uma importante provocação que nos leva à reflexão sobre nossos hábitos digitais. Com partes do nosso pensamento delegado às máquinas, é importante entender como essa tecnologia trabalha em nosso favor, e não nos subsituindo.
Com um uso estratégico e bem estruturado, a IA pode até reforçar certas conexões cognitivas, dependendo do contexto e do tipo de tarefa. Cabe a nós – usuários, educadores, profissionais –, encontrarmos o equilíbrio entre usufruir das vantagens da tecnologia e preservar as capacidades que nos tornam pensadores ativos, criativos e críticos.
Fonte: Nature