Recriar música só com o pensamento? A Inteligência Artificial mostrou que isso não é coisa de ficção científica! Um pedaço de “Another Brick in the Wall, Part 1”, do Pink Floyd foi recriada sem nenhum instrumento, utilizando só ondas cerebrais. É isso mesmo, só cérebro, nada mais, nadinha, zero. Olha só como isso funciona…
Imagine seu cérebro como uma grande sala de concerto. Cada instrumento, dos tambores estrondosos às delicadas flautas, representa diferentes neurônios disparando, resultando em uma sinfonia harmoniosa de atividades elétricas.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia, Berkeley, implantaram 2668 eletrodos no cérebro de 29 pessoas e capturaram essa orquestra interna enquanto os participantes ouviam 12 minutos de Pink Floyd, e utilizando uma inteligência artificial conseguiram entender a ligação entre a performance musical do cérebro e a música real.
E adivinhe? Após seu treinamento rigoroso, a IA produziu uma versão da música – uma recriação baseada apenas em ondas cerebrais. O espectrograma (pense nele como a impressão digital da faixa dessa faixa gerada pela IA teve uma incrível semelhança de 43% com o original!
Uma das revelações interessantes deste estudo foi o papel dos hemisférios do nosso cérebro. O lado direito, conhecido por seu talento criativo, foi o principal desempenho quando se tratava de processar a faixa. Isso fez com que o lado esquerdo, geralmente reconhecido como lógico e estruturado, o que se alinha com estudos anteriores, sugerindo que o lado direito do nosso cérebro pode ser o DJ interno que nunca soubemos que tínhamos.
A faixa do Pink Floyd gerada pela IA sofre alguma degradação no processo de transformação do espectrograma para áudio. Sendo assim, a música original passou por um processamento simples para a comparação justa com a versão da IA. Ouça aqui:
Agora, confere só o que a IA fez:
Aplicações para além de recriar músicas
Enquanto recriar um trecho do Pink Floyd com IA é incrivelmente legal (e um pouco assustador), há implicações profundas aqui.
As descobertas do estudo podem ter implicações para uma ampla gama de distúrbios neurológicos e psiquiátricos que afetam a percepção e produção musical, como a doença de Parkinson, acidente vascular cerebral, lesão cerebral traumática e esquizofrenia.
As descobertas podem, por exemplo, ajudar no desenvolvimento de novas interfaces cérebro-computador (BCIs) que permitem a indivíduos com deficiências motoras controlar instrumentos musicais e outros dispositivos usando seus pensamentos.
Pense também em indivíduos com dificuldades de fala. Compreendendo como nosso cérebro percebe a música, há a possibilidade de desenvolver próteses neurais e interfaces cérebro-computador para restauração e comunicação musical, o que pode permitir que essas pessoas se comuniquem de forma mais natural, inclusive sem o aspecto robótico dessa comunicação.
Além disso, entendendo melhor os mecanismos neurais subjacentes à percepção e produção musical, há a possibilidade de desenvolvimento de novos tratamentos para distúrbios neurológicos e psiquiátricos que afetam esses processos.
Experimentos como este podem ser a chave para desbloquear um novo momento de conexão humana.
Direitos autorais na era da Inteligência Artificial
E aí voltamos no problema da autoria, que inclusive já abordamos. Clica aqui para ver. Quem é o autor dessas faixas recriadas por ondas cerebrais, afinal?
É realmente uma questão a ser pensada. Se uma IA recria uma música a partir de suas ondas cerebrais, quem detém os direitos autorais? Quem é o autor? Você, que ouviu o som e produziu as ondas cerebrais? A IA que traduziu essas ondas para uma faixa de áudio? Ou a pessoa que registrou a atividade cerebral? Ou seria quem compôs a faixa original que você está ouvindo?
São novos dilemas éticos e legais. Em breve, podemos estar olhando para cenários onde a origem de um som — seja do córtex frontal criativo ou do auditivo — pode determinar a propriedade de uma música. A necessidade de repensar direitos autorais está no horizonte!
Também tem o outro lado… E se a IA nos ajudar a nos conectar com nossa criatividade e emoções em um nível mais profundo? E se ajudar em um momento em que o lado criativo está mais “travado”? Até que ponto a participação dessa tecnologia é considerada uma ferramenta e não um autor? Quanto essa tecnologia vai trabalhar a favor da arte, no sentido tangível e intangível?
Transparência nos termos de uso das ferramentas de IA, revisão de políticas de quanto a direitos autorais, revisão de modelos de atuação de artistas no mercado, valorização adequada da produção artística, atribuição devida de direitos e deveres a todos envolvidos no ecossistema dessa nova realidade… muitas outras questões que precisam mobilizar órgãos públicos, privados, sociedade civil, todos.
É inútil tentar ignorar esse novo momento com a IA. Direta ou indiretamente, todos somos afetados. O lugar do ser humano é, sem dúvida, diferente do da máquina, e nesse nosso lugar é onde mora a responsabilidade.
Fonte: New Scientist | Artigo completo disponível – PLOS Biology