A inteligência artificial está ajudando a desvendar segredos em pergaminhos antigos, lançando luz sobre a história em um feito incrível!
Você se lembra daquela famosa erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. que sepultou cidades como Pompeia e Herculano? Além das cidades e de suas histórias, um tesouro literário também foi enterrado sob 20 metros de cinzas vulcânicas: centenas de rolos de papiros da única biblioteca intacta da antiguidade greco-romana.
Durante anos, esses rolos permaneceram um enigma, tão queimados e frágeis que muitos acreditavam que nunca poderiam ser lidos novamente, mas a inteligência artificial trouxe uma reviravolta!
Um estudante da ciência da computação de apenas 21 anos, Luke Farritor, da Universidade de Nebraska–Lincoln, olhou para esses antigos manuscritos e viu uma oportunidade. Com a ajuda de um algoritmo de aprendizado de máquina, ele não apenas decifrou letras gregas em vários trechos do papiro enrolado, mas também revelou palavras como πορϕυρας (porphyras), que significa ‘roxo’.
A técnica de inteligência artificial utilizada pelo estudante focou nas sutis diferenças de textura da superfície do papiro para treinar sua rede neural. Um avanço tecnológico encontrando um mistério histórico!
Este feito foi parte de um desafio global chamado “The Vesuvius Challenge“, que oferecia um prêmio de US$ 700 mil para quem conseguisse ler quatro ou mais trechos de um desses documentos. Farritor conquistou o prêmio de ‘primeiras letras’, levando US$ 40.000 por decifrar mais de 10 letras em um pedacinho de papiro do tamanho da palma da mão. Youssef Nader, estudante de pós-graduação da Universidade Livre de Berlim, recebeu US$ 10 mil por ficar em segundo lugar.
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Uma história de luxo
A descoberta desses pergaminhos já é um baita acontecimento, mas as histórias por trás deles vão te deixar de queixo caído.
Thea Sommerschield, historiadora da Grécia e Roma antigas da Universidade Ca’ Foscari de Veneza, Itália está animada ao poder finalmente visualizar palavras e letras nesses pergaminhos, algo “extremamente emocionante“, nas palavras dela.
Os pergaminhos foram descobertos no século XVIII, quando trabalhadores encontraram os restos de uma luxuosa mansão, conhecida como Villa dos Papiros (ou Villa dei Papiri), que se acredita ter pertencido à família do sogro de Júlio César. Decifrar este tesouro da arqueologia poderia expandir significativamente nosso entendimento sobre a literatura e história antigas. A maioria dos textos clássicos que temos hoje passou por múltiplas cópias ao longo dos séculos, mas essa biblioteca de Herculano oferece um olhar mais direto e original.
Já foi identificado que alguns dos textos são em latim, mas a maioria é em grego, explorando a filosofia epicurista. Há fragmentos da obra “Da Natureza”, escritos pelo próprio Epicuro, escritos de outro filósofo menos conhecido, Filodemo de Gádara, com narrativa sobre música, vícios, retórica e morte.
Além desse acervo que acredita-se ter sido uma coleção do trabalho de Filodemo, existem mais de 600 pergaminhos (a maior parte mantida na Nacional de Nápoles, e ainda outra parte no Reino Unido e na França) que permanecem intactos e fechados. E há possibilidade de serem encontrados mais desses documentos nas partes da villa que não foram escavadas.
A equipe de William Brent Seales, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Kentucky, Lexington, utilizou tecnologia avançada, empregando tomografia computadorizada de raios-X para “desenrolar virtualmente” os as folhas cada vez mais finas. Essa técnica já tinha sido utilizada por ele sua equipe em 2016 para decifrar um pergaminho queimado de En-Gedi, em Israel, que revelou partes do Livro de Levítico, integrante tanto da Torá judaica quanto do Antigo Testamento cristão, datado dos séculos III ou IV DC.
A técnica apresentou bons resultados porque o contraste deste pergaminho era mais notável porque sua tinta continha metal, mas nos pergaminhos de Herculano, a tinta é basicamente carvão e água, difícil de distinguir nas digitalizações, devido à sua semelhança com o papiro.
mas enfrentam desafios devido à natureza da tinta usada nos pergaminhos de Herculano, mas mesmo assim, Seales não desistiu e viu potencial nos raios-X para identificar a tinta através de sutis diferenças de textura.
Como prova, ele treinou uma rede neural artificial para interpretar letras nas imagens de raios X dos fragmentos já revelados de Herculano, e em 2019, a equipe conduziu um escaneamento de alta resolução em pergaminhos intactos trazidos do Institut de France, de Paris. Para acelerar o processo, eles compartilharam suas descobertas e lançaram o Desafio Vesúvio, atraindo o interesse de muitos, incluindo Farritor, um entusiasta da história. A competição atraiu aproximadamente 1.500 grupos, que utilizaram a plataforma Discord para colaborar.
Os avanços continuaram, e a descoberta, em junho, de uma sutil textura, denominada “crackle” (estalo, em tradução livre), foi um marco.
Farritor, utilizando essa pista e aprimorando o algoritmo que havida desenvolvido, conseguiu identificar várias letras, através da inteligência artificial. Este foi um avanço significativo para a decifração dos textos.
Especialistas em papirologia estão animados. A identificação da palavra “roxo” pode significar muitas coisas. A cor extraída das glândulas de moluscos marinhos tinha grande importância dessa cor na Roma antiga, presente nas vestes de uma classe privilegiada que podia pagar pelo pigmento em suas vestes.
Federica Nicolardi, papirologista da Universidade de Nápoles, na Itália, destaca que o verdadeiro avanço é a possibilidade de recuperar textos completos dos pergaminhos, permitindo a identificação e datação das obras.
Vendo o invisível pela Inteligência Artificial
Em meio a todos os avanços tecnológicos aplicados à pesquisa histórica, a Vesuvius Challenge destaca-se como um farol de inovação. Yannis Assael, cientista pesquisador da Google DeepMind, não hesita em classificar este desafio como “único e inspirador”, apontando não só a importância da competição em si, mas também de um indicador de uma mudança mais ampla no campo da pesquisa de textos antigos.
Um marco representativo dessa mudança é a colaboração entre Assael e Sommerschield, que lançaram uma ferramenta de inteligência artificial chamada “Ithaca”. Concebida inicialmente para auxiliar os estudiosos na identificação da data e origem de inscrições gregas antigas não identificadas, ela não se limita apenas a isso, e também sugere textos que podem preencher eventuais lacunas em documentos.
Desde seu lançamento, Ithaca tem sido inundada com centenas de consultas semanais. E, demonstrando a versatilidade da inteligência artificial, esforços semelhantes estão sendo empregados para decifrar idiomas tão diversos quanto o coreano e o acadiano, este último falado na antiga Mesopotâmia.
Seales vê além, e nos apresenta o conceito da “biblioteca invisível“. Uma ideia que evoca imagens de textos que, apesar de fisicamente presentes em nossa realidade, estão escondidos ou inacessíveis aos nossos olhos. Imagine pergaminhos usados em encadernações medievais, palimpsestos (pergaminhos que após serem raspados e polidos eram reutilizados para a escrita de novos textos) com camadas de escrita que ofuscam textos originais mais antigos ou cartonnage, que são pedaços de antigos papiros que foram reutilizados para fabricar caixões e máscaras de múmias egípcias.
Mas no momento, a atenção da comunidade científica está firmemente voltada para a Vesuvius Challenge que vai até o dia 31 de dezembro, um ar de “otimismo desenfreado” permeia o ambiente, nas palavras do próprio Seales. E, considerando os avanços recentes, esse sentimento é justificado. Farritor, por exemplo, já empregou seus modelos inovadores de inteligência artificial em outros segmentos do rolo de Herculano, trazendo à luz ainda mais caracteres previamente ocultos.
Estamos testemunhando um período verdadeiramente revolucionário na interseção da inteligência artificial e da história. Uma baita ponte para o passado em uma competição que promete ainda dar o que falar!
Fonte: Nature