A consciência sempre foi um tema que fascina e desafia a humanidade. Trata-se de um enigma que filósofos, cientistas e, mais especificamente, anestesiologistas enfrentam diariamente. Afinal, o que significa estar consciente? Existem diferentes níveis do consciente? Como a consciência se altera durante o sono, o coma ou sob efeito de anestesia geral? Estas são perguntas que, apesar de milenares, ainda procuram respostas definitivas…
A consciência é um fenômeno complexo, não limitado a estados binários de “ligado” ou “desligado”. Na verdade, ela compreende uma sequência de estados da mente, com nuances e transições sutis que ocorrem constantemente. É aqui que entra o papel crucial da anestesiologia.
Anestesiologistas não apenas garantem que os pacientes estejam desconectados do mundo exterior e de seus pensamentos internos durante uma cirurgia, mas também utilizam a anestesia como uma ferramenta poderosa para investigar as profundezas da consciência humana.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos anestesiologistas é medir a transição entre os diferentes estados de consciência. Métodos tradicionais muitas vezes perturbam o próprio fenômeno que se deseja estudar. Imagine tentar medir a tranquilidade de um lago tocando sua superfície com uma vara, percebe que a própria ação perturba o estado que você está tentando observar? Este paradoxo é bem conhecido nos estudos sobre a consciência, onde verificar se alguém está consciente pode, ironicamente, alterar esse estado de consciência.
Para contornar esse dilema, foi desenvolvido um método inovador: o método respirar-apertar (breathe-squeeze), que permite aos pesquisadores estudar as mudanças nos estados de consciência sem interromper essas transições. A beleza desse método reside em sua simplicidade e eficácia, oferecendo uma maneira de observar a consciência sem perturbá-la.
Através de estudos utilizando anestésicos e EEG (eletroencefalografia), aprendemos que drogas anestésicas, como o propofol, não apenas desaceleram os ritmos cerebrais, mas também aumentam sua amplitude, prejudicando a comunicação entre as regiões do cérebro. Essa descoberta foi crucial para entendermos que a consciência não é um interruptor simples, mas sim um espectro que inclui estados de consciência conectada, como quando estamos acordados e interagindo com o ambiente, e estados de consciência desconectada, como quando sonhamos.
No entanto, estudar a inconsciência, como nos casos de coma ou anestesia geral, apresenta desafios ainda maiores. Geralmente, o inconsciente é entendido como um estado de vazio, sem experiência subjetiva ou memória. Ao preparar um paciente para uma cirurgia, o objetivo é ajustar os níveis de anestésico para induzir esse estado de inconsciência temporária e reversível.
Mas como medir com precisão o início da sedação sem perturbar o processo? A resposta está no método respirar-apertar. Inicialmente descrito em 2014 por pesquisadores do sono, esse método consiste em pedir aos participantes que apertem uma bola cada vez que inspiram. Os apertos são monitorados com precisão usando um dinamômetro e um sensor de eletromiografia, sem interromper o processo de adormecimento.
Em um estudo recente, participantes treinados nessa tarefa receberam uma infusão lenta de dexmedetomidina, um sedativo comum. À medida que a concentração do sedativo no cérebro aumentava, os participantes começaram a falhar ou descoordenar os apertos, até pararem completamente. Surpreendentemente, após a interrupção da infusão do sedativo, todos os participantes lembraram-se da tarefa e começaram a apertar a bola em sincronia com a respiração sem qualquer estímulo externo.
Essa descoberta sugere que a consciência conectada pode ser dividida em comportamentos gerados internamente e comportamentos induzidos externamente, com pontos de transição distintos para cada um. Além disso, as gravações de EEG mostraram um padrão claro de mudanças no cérebro no momento em que os participantes pararam de apertar a bola. Este método revelou um período de transição muito mais específico do que o trabalho anterior baseado em comandos verbais.
Por que entender mais sobre a consciência?
Além de sua aplicabilidade em pesquisa, muitos participantes acharam a tarefa respirar-apertar uma forma agradável de se concentrar em acalmar a mente e o corpo. Por isso, esse método também está sendo incorporado na prática clínica, ajudando a induzir anestesia geral de maneira menos estressante para os pacientes.
Além de um passo à frente na medição da consciência, essa pesquisa oferece uma nova perspectiva sobre os estados de consciência conectada e desconectada., e está abrindo caminho para melhorar o cuidado clínico de pacientes que necessitam de anestesia para cirurgias, bem como para aqueles que sofrem de distúrbios do sono ou estão em coma.
Mais do que as questões para a medicina, essa perspectiva sobre a consciência é uma provocação filosófica, à medida que proporciona uma visão mais ampla e profunda sobre o que significa estar consciente. Talvez nunca consigamos chegar a uma conclusão definitiva, mas pelo jeito… tampouco parece que vamos parar de invesstigar!
Fonte: Scientific American