Todos já ouvimos histórias fascinantes sobre como a criatividade pode ser despertada a partir de sonhos. Grandes descobertas e inovações surgiram assim: A estrutura do benzeno, o conceito por trás do Google e a inspiração para a obra literária “Frankenstein”.
Lembrem-se de figuras icônicas como Salvador Dalí e Thomas Edison. O que esses indivíduos, aparentemente muito diferentes, têm em comum? Ambos canalizaram a arte de sonhar para obter insights inovadores.
A ciência há muito tempo tem curiosidade sobre essa conexão entre os sonhos e a criatividade. Por muitos anos, os cientistas acreditavam que o estágio de movimento rápido dos olhos (REM, Rapid Eyes Movement) do sono era o principal responsável por esses insights. No entanto, pesquisas recentes trouxeram uma nova perspectiva sobre essa questão.
Um novo estudo, publicado no Scientific Reports da Nature, propõe que um breve cochilo, que marca o início do sono, pode ser mais benéfico para a criatividade do que simplesmente ficar acordado. Esse estágio é aquele que separa o sono da vigília, com movimentos oculares lentos, diferente dos movimentos rápidos do REM, chamado de estágio N1. E o que é ainda mais fascinante é que os pesquisadores conseguiram, de certa forma, “direcionar” os sonhos dos participantes nessa fase.
Para mergulhar no núcleo desse estudo, os cientistas utilizaram uma ferramenta chamada Dormio, uma espécie de luva sincronizada a um aplicativo que detecta o sono, monitorando o tônus muscular, a condutividade da pele e a frequência cardíaca. A ferramenta emite comandos de voz para dar instruções para influenciar os sonhos e também registrar as narrativas sonhadas.
Robert Stickgold, neurocientista cognitivo e pesquisador de sonhos da Harvard Medical School, Adam Haar Horowitz, pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, junto a uma equipe de pesquisadores buscavam saber se os sonhos, especificamente durante o N1, poderiam estimular o insight criativo. Para testar isso, realizaram um experimento com 50 participantes com o dispositivo Dormio.
Durante os cochilos, o dispositivo pedia aos participantes para “pensar em uma árvore” ou simplesmente “observar seus pensamentos”. Depois de acordar, eram solicitados a relatar seus sonhos. Aqueles que receberam a sugestão da árvore, em sua maioria, sonharam com árvores ou elementos relacionados.
Após o cochilo, os participantes foram submetidos a testes de criatividade relacionados ao tema “árvore”. As respostas foram avaliadas por avaliadores externos, que notaram que os que tinham o sonho induzido pela árvore apresentaram respostas mais criativas.
Isso nos leva a pensar em como grandes mentes do passado usavam essa técnica de transição para o sono. Salvador Dalí, por exemplo, tinha uma técnica peculiar. Ele cochilava segurando um conjunto de chaves acima de um prato metálico. Ao adormecer, a mão relaxava, as chaves caíam no prato, acordando-o e, assim, ele conseguia capturar a imagem de seu sonho. Thomas Edison tinha um método similar, só que com bolas de metal.
Em 2021, pesquisadores do Instituto do Cérebro de Paris decidiram explorar a conexão entre cochilos e a capacidade de resolver problemas. Após apresentarem problemas matemáticos com atalhos ocultos aos participantes, observaram que aqueles que cochilavam durante o estágio N1 do sono tinham uma chance muito maior de encontrar a melhor solução em comparação com os que não cochilavam.
Os resultados sugerem que os sonhos durante o estágio N1 podem ser um catalisador para a criatividade. Tore Nielsen, um especialista em sonhos, considerou a pesquisa pioneira, ressaltando a novidade da conexão experimental entre sonhar sobre um tópico específico e a criatividade subsequente.
As possibilidades da criatividade relacionada aos sonhos
No entanto, alguns pesquisadores aconselham cautela ao considerar esses resultados. Penny Lewis, neurocientista da Universidade de Cardiff, no País de Gales, que não esteve envolvida na pesquisa, observou que, embora os resultados mostrem que o estágio N1 do sono leve pode melhorar o desempenho em tarefas criativas, a influência direta da sugestão da árvore pode não ser tão robusta quanto parece.
Além disso, uma técnica de “distância semântica” revelou que apenas o ato de cochilar já estimulava a criatividade. Esta técnica avalia a originalidade das respostas com base na similaridade das palavras. Se as palavras ou ideias produzidas em uma tarefa de criatividade estavam semanticamente mais distantes da palavra ou ideia de referência, isso era visto como indicativo de maior criatividade. Em outras palavras, respostas menos óbvias e mais originais teriam uma maior distância semântica.
Os pesquisadores estão ansiosos para expandir a pesquisa, testando outros temas e aplicando a técnica em problemas do mundo real. Jonathan Schooler, psicólogo cognitivo da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, vê potencial na técnica como uma ferramenta para impulsionar a criatividade. E, aparentemente, o interesse é alto muitas pessoas estão ansiosas para explorar a criatividade através do poder dos sonhos para impulsionar a inovação e a solução de problemas.
Fonte: Scientific American