A música, frequentemente celebrada como a linguagem universal da humanidade, sempre desempenhou um papel crucial em diversas culturas ao redor do mundo. Mas o que torna a música tão intrinsecamente ligada à nossa experiência humana? Será que nossa capacidade de perceber, apreciar e criar música é uma habilidade inata, codificada nos recônditos mais profundos de nossos cérebros? Uma descoberta fascinante feita por pesquisadores do Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia (KAIST) sugere que sim.
Em um estudo inovador, liderado pelo Professor Hawoong Jung, do Departamento de Física do KAIST, os pesquisadores mergulharam no universo da inteligência artificial para explorar o instinto musical humano, utilizando um modelo de rede neural artificial, uma estrutura inspirada no funcionamento do nosso cérebro, para entender como processamos a música. Investigando a complexidade dos nossos processos cerebrais, o que eles descobriram lança luz sobre a compreensão acerca de algo que parece instintivo e fundamental da experiência humana.
No coração deste estudo está o AudioSet do Google, uma vasta coleção de dados sonoros que abrange desde os ruídos mais mundanos até os mais complexos arranjos de sons. Ao alimentar sua rede neural artificial com tamanha variedade de sons, a equipe do KAIST não esperava que, sem nenhuma instrução prévia, o modelo começasse a mostrar sinais de um fenômeno intrigante: o surgimento espontâneo de neurônios que respondiam seletivamente à música. Isso quer dizer que o sistema inorgânico da IA exibia um comportamento surpreendentemente similar ao do córtex auditivo humano, a parte do nosso cérebro encarregada de processar informações sonoras.
Este comportamento revela um aspecto fascinante da nossa cognição, sugerindo a existência de uma capacidade inata para não apenas perceber, mas decodificar e apreciar a música. Esses neurônios não eram especialistas em um único gênero, e mostravam uma capacidade universal de reconhecer e responder a uma variedade de estilos, desde o clássico ao pop, do jazz ao rock, e eletrônico.
Esta descoberta sugere que a habilidade de processar e entender as melodias vai além da aprendizagem cultural ou da exposição – é uma característica inerente ao nosso cérebro.
Além disso, os pesquisadores observaram que a supressão da atividade desses neurônios musicais impactava a capacidade do modelo de processar outros sons naturais, indicando que a música, longe de ser somente uma manifestação cultural ou uma habilidade adquirida, pode ser uma linguagem fundamental, entrelaçada com nossa capacidade de interpretar o mundo ao nosso redor.
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A relação do ser humano com a música
Pode-se argumentar, com base nesses achados, que essa habilidade do cérebro que é instintiva, é uma adaptação evolutiva, uma ferramenta desenvolvida para enriquecer nossa interpretação dos sons da natureza e do nosso ambiente.
O Professor Hawoong Jung reflete sobre a universalidade da música, sugerindo que a pressão evolutiva pode ter contribuído para formar uma base comum para o processamento da informação musical em diferentes culturas.
Além disso, o estudo aponta uma superação de fronteiras geográficas e culturais, e este estudo reforça a ideia de que é uma constante universal da experiência humana.
Uma das limitações a ser considerada neste estudo é que o modelo utilizado não leva em conta o processo de desenvolvimento e aprendizado musical ao longo da vida, sendo tanto uma experiência vivida quanto uma habilidade instintiva, e futuras pesquisas serão necessárias para desvendar completamente como esses dois aspectos se entrelaçam e se influenciam mutuamente.
Publicado na revista Nature Communications, o estudo intitulado “Spontaneous emergence of rudimentary music detectors in deep neural networks” se apresenta como importante para compreensão do instinto musical humano e também um passo em direção a aplicações práticas inovadoras. É possível imaginar um futuro em que a inteligência artificial, equipada com um entendimento inato da música, possa contribuir para o desenvolvimento de terapias musicais mais eficazes, composições “AI-driven”, e aprofundamento da nossa compreensão da cognição musical.
Portanto, a próxima vez que você se emocionar com uma melodia ou se sentir transportado por uma harmonia, lembre-se: não é apenas uma arte que aprendemos a apreciar. Ela é, muito possivelmente, uma parte intrínseca daquilo que nos faz humanos, do nosso processo de evolução, e uma linguagem que compartilhamos não apenas entre culturas, mas a partir das bases mais fundamentais da nossa própria biologia.
Fonte: Neuroscience News