Como a IA colabora para o conhecimento humano? Unindo inteligência artificial e matemática, uma técnica inovadora baseada em modelos de linguagem de grande escala (LLMs), desenvolvida pela DeepMind, do Google, está redefinindo as fronteiras do conhecimento. Este feito, inspirado no jogo de cartas Set, oferece novas possibilidades, onde máquinas podem responder para além do que já é conhecido pelo ser humano.
Desde a chegada do ChatGPT nos perguntamos ainda mais sobre os limites do conhecimento humano. Esses modelos baseados em LLM têm sido usados para diversas finalidades, desde depurar softwares até criar conteúdos variados, como ensaios universitários e itinerários de viagem, mas eles também têm suas limitações, incluindo a tendência a produzir respostas plausíveis, mas imprecisas.
O FunSearch distingue-se por sua abordagem única, com uma espécie de “avaliador”. Ao contrário de experimentos anteriores, em que se resolviam problemas matemáticos com soluções já conhecidas, o FunSearch é proativo, e gera automaticamente solicitações para um LLM treinado especificamente, pedindo que ele escreva pequenos programas de computador capazes de gerar soluções para um determinado problema. Essas soluções são rapidamente avaliadas e, caso não sejam melhores do que as já conhecidas, o sistema fornece feedback ao LLM, que aprimora sua capacidade na próxima tentativa.
Segundo Bernardino Romera-Paredes, cientista da computação da DeepMind, o LLM atua como um “motor de criatividade”. Muitos dos programas gerados podem ser inúteis ou tão incorretos que nem sequer são executáveis, mas um programa secundário se encarrega de descartar os falhos e testar os corretos. Este processo é fundamental para filtrar as soluções potencialmente revolucionárias das meras conjecturas sem fundamento.
Revolução do conhecimento?
O jogo de cartas Set, criado na década de 1970 pela geneticista Marsha Falco, é uma fonte de inspiração para matemáticos por décadas, propondo desafios em combinatória, um ramo da matemática que estuda o arranjo de objetos em conjuntos finitos. O FunSearch, sistema desenvolvido pela DeepMind, apresentou progressos notáveis na solução de problemas inspirados no Set, mostrando que a IA pode ir além do que era conhecido por matemáticos e cientistas da computação até então, em que os modelos LLM só repetiam conhecimento disponível.
O FunSearch foi testado no “problema Cap Set”, uma complexa questão matemática derivada do jogo Set. O jogo contém um baralho composto por 81 cartas, cada uma exibindo de um a três símbolos idênticos em cor, formato e sombreamento, existem três opções possíveis para cada uma dessas características, culminando em um total de 81 combinações únicas (3x3x3x3).
A tarefa dos jogadores é identificar conjuntos de três cartas que, juntas, formem um padrão específico. Matemáticos descobriram que, com 21 cartas viradas para cima, os jogadores sempre poderão encontrar pelo menos um desses conjuntos. Também encontraram soluções para versões mais completas, com versões abstratas das cartas com cinco ou mais propriedades.
Apesar dos avanços, um mistério matemático persiste: para um número n de propriedades, onde n é qualquer inteiro, resulta em 3n possíveis cartas. No entanto, o número mínimo de cartas a serem viradas necessárias para garantir a existência de um conjunto em qualquer configuração permanece desconhecido. Este desafio pode ser expresso em geometria discreta, onde se busca identificar arranjos específicos de três pontos em um espaço n-dimensional.
Neste contexto, os matemáticos conseguiram estabelecer limites para a solução geral do problema. Para um dado n, o número necessário de cartas na mesa deve ser maior do que um valor estipulado por uma fórmula, mas menor do que outro valor determinado por uma fórmula diferente. Esses limites oferecem uma janela para a compreensão do problema, mas não fornecem uma resposta definitiva.
Um novo conhecimento
É neste cenário que entrou o FunSearch da DeepMind. Com o sistema, a equipe da DeepMind conseguiu melhorar o limite inferior para n = 8, gerando conjuntos de cartas que satisfazem todos os requisitos do problema. Alhussein Fawzi, outro cientista da computação da equipe da DeepMind, ressalta que, não é uma prova de que esse resultado não poderia ser melhorado, mas que é uma evidência de que eles obtiveram uma construção que vai além do que conhecimento que se tinha anteriormente.
Um aspecto notável do FunSearch é a sua transparência. Os programas bem-sucedidos criados pelo LLM podem ser analisados e compreendidos por humanos, oferecendo oportunidades únicas de aprendizado e colaboração. Isso diferencia o FunSearch de outras aplicações de IA, onde os processos internos muitas vezes permanecem opacos, ou “caixas pretas”. Jordan Ellenberg, coautor do estudo e matemático da Universidade de Wisconsin–Madison, enfatiza a importância deste aspecto para modelar novos modos de colaboração entre humanos e máquinas.
Ellenberg vê a tecnologia não como substituta dos matemáticos humanos, mas como um multiplicador de forças, ampliando as capacidades humanas e abrindo caminho para o conhecimento, para descobertas que anteriormente poderiam ter sido inatingíveis.
Essa nova descoberta que une matemática e inteligência artificial mostra um avanço, onde passamos de uma IA que apenas repete informações para uma que pode realmente criar e descobrir coisas novas por conta própria. É como ter um assistente que, inicialmente, só sabia dar informações que já conhecia e agora começou a apresentar ideias originais e soluções criativas para problemas. Estaríamos diante de uma nova fase de construção do conhecimento?
Fonte: Nature